007 contra a Mystery Box | JUDAO.com.br
5 de novembro de 2015
Filmes

007 contra a Mystery Box

007 Contra SPECTRE é bom, mas poderia ser ÓTIMO se não fosse essa pressão de surpreender os fãs. Cuidado com os spoilers!

SPOILER! “O que são histórias, se não caixas misteriosas? Que caixa pode ser mais misteriosa do que uma sala de cinema? Você entra, tá tão empolgado pra ver qualquer coisa, que as luzes se apagarem é a melhor parte muitas vezes” afirmou, em 2007, numa fala no TED, J.J. Abrams.

Pra ele, manter essa caixa fechada representa “possibilidades infinitas”. “Representa esperança. Representa potencial”, afirmou. Você pode assistir ao discurso empolgado do cara, legendado em português, clickando aqui. Você pode até passar a concordar com tudo o que ele diz... Mas, acredite: nem sempre essa é a melhor opção.

Sou fã do James Bond. Não sei explicar o porquê, talvez seja uma ligação que tenho com o personagem desde que era garoto, ou por me divertir tanto com aqueles filmes do Pierce Brosnan nos anos 1990 (e que me dão um pouco de vergonha alheia agora, confesso).

Eu tava muito empolgado com 007 Contra SPECTRE. James Bond voltaria a enfrentar a organização criminosa mais poderosa de seu universo. O seu maior inimigo, depois de um enorme rolo jurídico resolvido, poderia estar de volta. Era Natal em novembro.

Mas eu sinto que parte dessa empolgação se perdeu no meio do filme. E eu demorei pra entender a razão... Demorei pra perceber que a culpa era da tal da Mystery Box. Fechada, lacrada, embalada com aqueles plásticos de aeroportos, guardada dentro de um container jogado dentro do mar cheio de correntes. Essa necessidade extrema de manter o público em suspense ao esconder informações – e de forçar uma surpresa ao revelar essas mesmas informações.

O grande problema de SPECTRE é que ele deixa a bola com o espectador, e não com a história. Durante todo o filme vemos Bond pesquisando sobre seu passado, numa continuação dos eventos de 007 – Operação Skyfall, entendendo como aquele quase-irmão, chamado Franz Oberhauser, estava ligado a essa organização terrorista SPECTRE e como essa mesma organização tem atrapalhado a vida de Bond a partir de Cassino Royale.

O que move esse novo filme é o mistério. Bond vai vendo fotos antigas, relembrando fatos, conversando com pessoas, enfim. Tudo pra chegar no grande clímax e Oberhauser, interpretado por Christoph Waltz, afirmar que ele ~morreu sim quando era garoto, e que a partir de então assumiu o nome de Ernst Stravo Blofeld. PLOT TWIST?

A intenção da revelação é clara: chocar o público, principalmente aquele fã mais inveterado, que sempre temeu Blofeld, seu gato persa e a SPECTRE. Só que isso choca apenas o cara que tá na plateia, comendo uma pipoca e tomando um Coca. Pro Bond, ali no filme, pouco importa a mudança de nome. Ainda é o Oberhauser, ainda é aquele irmão de criação que matou o pai que o acolheu após Bond perder a família. Ele poderia dizer que se chama José da Silva que, pro agente secreto, ainda seria a mesma coisa.

É uma revelação que, pra história, não serve pra absolutamente nada.

Christoph Waltz é BLOFELD

Christoph Waltz é BLOFELD

Dá pra traçar um paralelo entre o novo 007 com Além da Escuridão – Star Trek, o último grande filme que usou o mesmo recurso do Mystery Box ao extremo e dirigido por, olha só, JJ Abrams. Naquele caso, John Harrison assumiu ser Khan, o grande inimigo da tripulação original da Enterprise, lá pela metade do filme. Uma revelação colocada ali também pra chocar o público, mas que, pra quem tá na história, pouco muda. Tanto é que, depois, o jovem Spock vai perguntar pra versão velha de si quem diabos é esse tal de Khan...

Pra agravar, nos dois casos, boatos sobre as presenças de Blofeld e Khan surgiram desde cedo, com o público tentando adivinhar (e matando a charada) antes da estreia. Só que no caso de SPECTRE, foi pior. O diretor Sam Mendes provavelmente não teve tanto controle dos trailers quanto Abrams — que chegou a alterar o nome do personagem numa placa da prisão –, assim os vídeos saíram com boa parte das investigações e fotos que James Bond vai encontrando pelo caminho. Quem era mais atento (ou lê o JUDÃO) já sabia que Bond e Oberhauser eram irmãos de criação e que existia essa ligação. Era só juntar 1+1 com os rumores dele ser o Blofeld e você tinha, praticamente, todo o filme.

Veja: ninguém aqui é contra o Mystery Box. Neste exato instante, por exemplo, JJ Abrams está sabendo fazer isso melhor com a presença do Luke Skywalker em Star Wars – O Despertar da Força. Ninguém escondeu que ele está no filme, mas sim COMO ele está e o que aconteceu com ele nesses últimos anos. O mistério funciona de outra forma, ajudando na história a ser contada.

No caso de SPECTRE, imagina se tivessem contado desde o começo que Blofeld está presente na história? E interpretado pelo Christoph Waltz? O hype seria maior, os grandes veículos estariam fazendo matérias relembrando dos filmes antigos, os fãs estariam empolgados em saber como seria o reencontro dos dois, enfim. Seria grande.

Sem falar que o próprio Waltz não teria que ter dado entrevistas falando que ele NÃO interpretava o Blofeld, nem que o verdadeiro personagem era “mais interessante do que isso”.

007 contra SPECTRE

Fosse eu um dos roteiristas, ao lado John Logan, Neal Purvis e Robert Wade, faria diferente. Faria ao contrário. Teria livrado todo mundo do peso de esconder que o Blofeld tá ali por quase 2 horas de história.

Eu colocaria o Blofeld logo de cara como líder da SPECTRE, com Bond finalmente descobrindo a existência da organização e indo investigar. No processo, vai sendo revelado essa misteriosa ligação dos caras com a vida dele, com o passado... Até que, no clímax, Blofeld diz: “eu sou Franz Oberhauser. Eu sou seu irmão”.

A casa iria cair. Primeiro pro Bond, porque aí sim seria um nome que tocaria um sino em suas memórias. Também seria chocante pros fãs, numa reação “não acredito que fizeram do arqui-inimigo do James Bond o próprio irmão dele”. Talvez algo (quase) no nível do “I am your father” do Darth Vader no final de O Império Contra-Ataca.

Oberhauser ser Blofeld poderia ter sido como Darth Vader pai de Luke

“Ele ia reconhecer o rosto logo na primeira cena juntos”. Não necessariamente, caro leitor chato. Pessoas mudam ao crescer, existe cirurgia plástica, o personagem poderia estar já desfigurado, eles poderiam ficar um bom tempo sem se encontrar, enfim... Isso é a magia do cinema, não é? Então.

Até porque essa história de Bond e Blofeld terem um passado juntos é fascinante. Nos livros, por influência da escalação do Sean Connery para os primeiros filmes, o escritor Ian Fleming trouxe uma origem escocesa e suíça ao personagem, algo que nos nos cinemas é construído com os eventos de Skyfall e por essa adoção pela família Oberhauser. A ligação original entre os dois antagonistas poderia estar até nos livros originais, então seria bem impactante.

Seria parecido com Skyfall, quando, no clímax, Silva revela que o seu nome de batismo é Tiago Rodriguez, um antigo agente do MI6 traído pela M — justificando assim toda a sua vingança. Só que, dessa vez, o público teria toda a bagagem dos filmes antigos pra entender melhor a dimensão da revelação.

Claro que, pra isso funcionar, os trailers teriam que ser repensados. Menos foco na investigação, mais nas cenas de ação, com apenas um pequeno teaser de uma ligação passada entre os dois. Mas isso seria mais fácil, também: com todo mundo sabendo da presença do Blofeld, o estúdio teria tacado várias cenas dele com seu gatinho persa. Era só escolher umas mais iniciais na história e tava ótimo.

O Mystery Box ainda estaria lá, sim. Mas com uma história bem mais interessante. E um filme apenas bom poderia ter sido ótimo. Pena.

Agora já era.