Ou “a crônica de um fã dos livros que tinha desistido da série e deu a mão à palmatória para essa sensacional sexta temporada”
SPOILER! Confesso que tenho uma relação de amor e ódio com Game of Thrones. Muito mais ódio do que amor nos últimos anos, para ser bem sincero. Talvez, de meu círculo social, eu fosse aquele que menos se empolgava com cada nova temporada, sem postar ELEGIAS no Facebook, levar o tema pras rodas de conversa na hora do cafezinho às segundas ou entrar naquele vórtice de “venerar ou desprezar” personagem X ou Y da reprodução televisiva das Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin.
A parte da culpa que me cabe nesse latifúndio por ter desenvolvido uma preguiça com GoT eu sei explicar muito bem. Era o segundo semestre de 2010 quando, pela primeira vez, vi o teaser da série na HBO, provavelmente no aguardo de algum episódio de True Blood ou Boardwalk Empire. Nunca tinha ouvido falar dos livros do velhinho barbudo mas sempre gostei do fantástico, de mitologia medieval, RPG, Senhor dos Anéis e essas coisas todas, e fiquei interessadíssimo. A primeira temporada simplesmente me arrebatou de cabo a rabo (tanto que ainda acho a melhor de todas até então) e foi daí que eu parti para os livros, lendo-os todos na sequência, algo que tomou dois anos da minha vida.
Esse foi meu GRANDE erro. Não conseguia de fato entender a reação EXACERBADA das pessoas que não leram aqueles cinco tijolos de páginas com relação ao desenrolar de uma série que, raios duplos, só ia me decepcionando temporada após temporada. Eu sei que LIVRO É LIVRO E SÉRIE É SÉRIE, mas algumas liberdades narrativas que o televisivo se dava e também o desenvolvimento raso de alguns personagens-chave, somado ao desenrolar quase LETÁRGICO de certas situações, me deixava cada vez mais com bode.
Até que chegou a tal sexta temporada na qual, finalmente, a série abriria suas asas como os dragões de Daenerys Targaryen e alçaria voo independente, já que o Sr. Martin não conseguiu terminar seus próximos livros. Com uma costumeira má vontade, comecei a assisti-la até simplesmente não aguentar mais e abandonar logo no terceiro episódio, principalmente após a volta de Jon Snow e a falta de culhões dos realizadores em mantê-lo sete palmos abaixo da terra. Pô, gente.
Enquanto eu seguia praticamente alheio ao que acontecia, a série foi se aproximando de seu clímax e o alvoroço tomava conta dos meus amigos. Decidi que voltaria a assistir somente após o season finale exibido no último domingo, mais como desencargo de consciência do que qualquer outra coisa. Quando terminei de ver os episódios que restavam, todos de uma vez, não consegui evitar soltar um alto e sonoro CARALHO! Toda essa introdução para admitir que com o maior prazer que eu dei o braço a torcer. GoT foi SENSACIONAL e conseguiu me pegar novamente. E olha que me pegou de jeito!
Mas não foi só por conta daquele épico nono episódio com a grandiosa e absurda Batalha dos Bastardos que deixa você sem fôlego ao final (mesmo que seja, de certa forma, completamente previsível). Tampouco pela atitude acachapante de Cersei Lannister explodindo o Grande Septo de Baelor com uma rajada de Fogo-Vivo, acabando de uma vez por todas com seus inimigos de Porto Real e se consolidando como a verdadeira vilã megalomaníaca da série.
Menos ainda pelo ressurgimento de Daenerys, que tinha virado uma bunda-mole de marca maior e ficou quatro temporadas enchendo o saco e perdendo tempo pra lá do Mar Estreito, mas que finalmente embarca com sua frota, Imaculados, um khalasar para chamar de seu, os dragões e apoio de casas como Greyjoy, Tyrell e Martell para tomar o Trono de Ferro. Também não pense que foi pela descoberta (mais previsível ainda, e que deixa uma pulga atrás da orelha se feita somente pelo fan service) de que Jon Snow, proclamado Rei do Norte, é filho de Lyanna Stark e Rhaegar Targaryen, sucessor legítimo (ou quase isso) do trono de Westeros. Idem para os surpreendentes dotes confeiteiros de Arya Stark.
Foram dois os motivos reais pelos quais eu achei a sexta temporada de GoT absurdamente FODA. O primeiro deles: a independência dos livros (mesmo com algumas passagens ainda remetendo a Festim dos Corvos). AGORA eu finalmente sei como se sentem os fãs da série que não leram as Crônicas de Gelo e Fogo, algo que não acontecia para mim desde a sua estreia.
Não ter a mínima ideia do que vai acontecer, ser surpreendido, desencanar dos caminhos que os personagens tomaram completamente diferentes das páginas, curtindo as liberdades poéticas dos roteiristas. Aqui, aliás, eles tiveram muito mais liberdade para trabalhar e criar trama e material “original”, mesmo que com a benção de Martin e já sabendo seus planos para os próximos livros – o season finale chama-se The Winds of Winter, o nome da sexta e vindoura publicação, possivelmente não à toa. Tudo isso tornou a experiência completamente diferente e excitante.
O segundo motivo foi ter desistido de acompanhá-la a conta-gotas, toda semana, não me obrigando a aguentar alguns episódios burocráticos e sacais em seu miolo, como de praxe, aqueles em que não acontece absolutamente NADA de interessante. Isso dava no saco, sem cliffhanger algum para te instigar a voltar a sentar a bunda pra assistir no domingo seguinte às dez da noite, como aconteceu durante essas longas temporadas anteriores. Ver GoT praticamente em uma só tacada, como uma história única pensada, desenvolvida e executada para tal, foi a MELHOR coisa que eu poderia ter feito.
Conforme o JUDÃO vem discutindo tem bastante tempo, está bem na hora da televisão repensar seu modelo de exibição semanal de séries. Claro, você tem o livre arbítrio de esperar para vê-la como eu vi, mas é um exercício de paciência e de muita destreza, digamos assim, para desviar dos spoilers dos sem-noção das redes sociais.
Vale salientar ainda que a sexta temporada não foi, como muito se comemora, de Jon Snow, com sua inconsequência de costume, indecisão, vitimismo e aquela indefectível cara de cachorro largado na chuva (mas que aparentemente TODO MUNDO adora). Mas foi, isso sim, das mulheres, definindo e comandando o destino dos Sete Reinos, dando uma aula de empoderamento e levando a série nas costas.
Foi de Cersei (apesar de estar envolvida em mais uma DESNECESSÁRIA polêmica de estupro e jogando contra o patrimônio), de Daenerys, de Arya, de Brienne de Tarth, de Yara Greyjoy, de Olenna Tyrell, da ótima surpresa que foi Lyanna Mormont e principalmente de Sansa Stark, outrora inócua, revoltante, a GRANDE responsável pelo quase extermínio de sua casa e a queda de Winterfell (vale lembrar quem dedurou os planos do ainda Mão do Rei, Ned Stark, pra Cersei lá atrás...).
Nesta 6a temporada, finalmente Sansa encorpou como personagem, tomou atitude, e não fosse por ela e pelos Cavaleiros do Vale, a batalha pelo Norte teria sido perdida por mais um erro feio e rude de Snow, mesmo que isso tenha custado – ainda sem ela sacar direito – mais uma vez um pacto com o sujeito mais liso e manipulador de Westeros, o Mindinho.
Em compensação, quem ficou devendo foi Jaime Lannister, um dos piores coadjuvantes da série, completamente diferente de sua versão do livro, que evoluiu como personagem após a perda da mão, a morte de Joffrey e principalmente de seu pai. Na obra original, Jaime endureceu, desprendeu-se de Cersei e foi trilhar seu caminho, pelo reino, assumindo o papel de líder... enquanto aqui continua um bostolão. Espero que após ele ver o que a maninha causou em Porto Real e a morte de seu último filho vivo, finalmente o personagem acorde e se desenvolva.
Outro ponto fraquíssimo foi a facilidade (e velocidade) com que Daenerys derrotou todos os Khal, de forma bisonha, e de repente todo os Dothraki já estavam seguindo-a, mais uma vez, só por ela proferir meia dúzia de palavras (e vai, por ter três dragões, sem dúvida os fieis da balança, e que FINALMENTE estão sendo colocados para fazer o esperado desde o começo). O “teletransporte” de Varys que causou “polêmica” eu nem levo em consideração, afinal, o tempo narrativo é completamente diferente em obras de ficção, né? ;)
São, TODAVIA, pontos irrelevantes perante a grandiosidade dessa temporada emancipada de Game of Thrones, mostrando mais uma vez, ano após ano, seu poderio quanto entretenimento. Ganhou em força e fluidez e tirou certos personagens de um abismo enfadonho em que se encontravam para uma reviravolta empolgante. Manteve-se impecável no que tange à parte técnica e ainda elevou o patamar do que pode ser feito em televisão com os números absurdos da Batalha dos Bastardos, que contou com 600 funcionários, que vão de câmeras até aderecistas e figurinistas e mais 500 figurantes, levando quatro dias de filmagens.
Pela primeira vez a série, que continua polêmica, extravagante, violenta e visceral, andou de verdade e o resultado foi nada menos que um excitante final que deixa tudo bem encaminhado para a aguardadíssima temporada seguinte trazer a batalha definitiva pelo Trono de Ferro e uma possível/improvável união contra a ameaça definitiva, representada pelos Outros e seu líder, o Rei da Noite, uma vez que a Grande Guerra se aproxima.
Conforme prometido desde a primeira temporada, o inverno FINALMENTE chegou.