Adivinha qual o real problema da entrevista-desastre com a Cara Delevingne? | JUDAO.com.br

Perguntas idiotas, atitude paunocu que não adianta ser chamada de sarcasmo ou humor britânico. Mas se as coisas fossem um pouco diferentes, seria melhor pra todo mundo. Inclusive pro público.

Sacramento é a 6a cidade mais populosa da Califórnia, que por sua vez é o estado com maior número de habitantes dos EUA. É como se os EUA tivessem a sua Osasco (ainda que, em números absolutos, fique mais entre Sorocaba e Santos) e essa agradabilíssima cidade tivesse um “Bom Dia Brasil” próprio, sendo exibido na segunda maior rede de TV aberta do País. Bom Dia Osasco, na Record.

Esse é, basicamente, o cenário em que colocaram Cara Delevingne, um dos nomes ~mais quentes~ nos blogs de hoje em dia, pra falar sobre o primeiro filme que protagoniza, Cidades de Papel — um dia depois da première, que aconteceu do outro lado do país, em Nova York. Uma entrevista no MÍNIMO desastrosa, que só ficou conhecida essa semana, mesmo tendo acontecido OITO dias antes. Via satélite.

“Carla Delevingne vai falar sobre o filme. Bom dia!”, começou uma das apresentadoras, por volta de 8h50 da manhã, obviamente não fazendo a menor ideia de quem se tratava, além de, provavelmente, “a protagonista desse filme que arranjaram pra falar com a gente” (o que, aliás, é realmente comum). Esperando tudo acontecer, Cara se ajeita depois de não ouvir seu nome, cumprimenta o pessoal no estúdio e responde à primeira pergunta: “Você teve tempo de ler o livro no qual o filme é baseado? Haha, esses dias são tão ocupados, né miga?”. “Não, nunca li o livro, nem o roteiro, só dei uma passadela”. RISOS de todos os lados, uma explicação de que, sim, ela leu o livro... E dali pra frente foi assim.

Uma pergunta idiota de um lado, uma cara feia e uma porrada de outro. E, assim, uma semana depois, a internet se derreteu de (mais) amores pela senhorita Delevingne, chamando até sua resposta no twitter (“Alguns não entendem sarcasmo ou o senso de humor britânico”) de perfeita.

Mas, hey... Não é tão simples assim. Não é só “fizeram pergunta idiota, ela respondeu à altura, colocando-os no seu lugar” ou “ai gente era tudo brinks, cês também, viu”. A razão? Tudo isso aconteceu por marketing. Com diver$o$ intere$$es envolvido$.

O pessoal de relações públicas do estúdio chega pro veículo de imprensa — baseando-se em diversos critérios, inclusive bom relacionamento –, diz que tem uma oportunidade de entrevista e se você gostaria de participar. Já vem quase tudo mastigadinho: o tempo que você tem, com quem você pode falar, onde vai ser, que assuntos são proibidos, etc. Enquanto isso, o pessoal de relações públicas do “talento”, como chamam, recebe mais ou menos as mesmas informações: quem vai entrevistar, qual o veículo, se é online, TV, revista, jornal, o tempo e, em alguns casos, até mesmo a pauta.

É algo que pode acabar sendo extremamente mecânico. E normalmente é. As mesmas perguntas são feitas inúmeras vezes, durante semanas. As mesmas respostas são dadas inúmeras vezes, durante semanas. Deve ser, realmente, um PUTA SACO ter de dizer a mesma coisa centenas de vezes.

Mas... é marketing, lembra? Tudo pré-definido, tempos curtíssimos, assessores em cima o tempo todo. Aquilo tudo precisa ser bom pro filme — quanto mais gente ouvir falar naquilo, melhor.

“Pra arranjar aquela entrevista de 5 minutos, foram incontáveis horas dos dias de várias pessoas, preparando, agendando, aprovando, arranjando, custeando, etc” disse uma publicist de um grande estúdio no Facebook. “Agora os problemas causados pelas atitudes dos dois lados dessa entrevista vão custar incontáveis mais horas dos dias de outras pessoas fazendo controle de danos e tentando manter o foco no filme, não no entrevistado e nos entrevistadores. Isso pode causar até problemas de relacionamento que farão com que outros atores não apareçam naquele programa por causa desse incidente”.

São raros os veículos que tentam dar algum espaço além de “tal pessoa falou com a gente”. Quantas vezes, no Brasil, você não ouve gente pedindo pra mandarem um alô pros brasileiros? “Conhece o Brasil?”, “Bebeu caipirinha?”, “Fala alguma coisa em português!”. Isso basta, pra muita gente — que assiste e que faz. E pro entrevistado?

“Eu entendo que você esteve na premiére na noite anterior, que você tá cansado das mesmas perguntas o tempo todo, mas há maneiras realmente mais difíceis de ganhar a vida, e se uma modelo não pode sorrir ou uma atriz não pode ‘fingir’ interesse, então ela não é tão boa no trabalho dela... Media training é necessário, uma pena que atores jovens não entendam isso”, completou seus dois cents a mesma publicist que, recentemente, viajou o mundo acompanhando a promoção de um filme.

Bom... Ela tá certa. E tá errada. O mesmo vale pra John Green, que escreveu todo um textão defendendo a protagonista do filme baseado no livro que escreveu. “O pessoal de TV quer um pedaço de você, em troca de colocar o nome do seu filme na TV. Mas no processo, você perde um pouco de você”, disse. “Ela se recusa a fingir que gosta de perguntas preguiçosas e se recusa a se tornar um autômato pra passar pelos longos dias de junkets. Eu não acho esse comportamento arrogante. Eu penso que é admirável. Cara Delevingne não existe pra alimentar sua narrativa ou seu news feed — e é por isso que ela é tão interessante”, completou o escritor, que ainda — com razão — citou até sexismo nessa irritação óbvia da menina Delevingne.

Cidades de PapelÉ fato que um negócio como esse tira a atenção do filme, que vai ter gente se fodendo pra resolver esse problema. Mas os atores não são autômatos, mesmo, não são obrigados a seguir nenhum script. Só que o pessoal que faz as perguntas normalmente é — e muitas vezes esses scripts têm uma base comercial por trás, isso quando não se trata de pura proibição sobre o que ou não falar. Muitos fazem a troca de “um pouco do ator” por “seu nome na minha programação/site/revista”. Mas... Precisa ser assim?

Precisa colocar a Cara Delevingne pra falar com o Bom Dia Osasco, na Record? Será que não tinha nenhum outro veículo, que pudesse atingir o mesmo número de pessoas (se é isso que importa) e que estivesse um pouco mais afim de conversar com a menina, saber um pouco mais sobre ela, sobre o filme e, enfim, transformar a entrevista em algo que não seja SÓ uma peça publicitária?

Pro entrevistado acaba sobrando o jogo de cintura. Por contrato, eles são obrigados a seguir esse modelo capengando de antigo de divulgação. Alguns o fazem mesmo por obrigação — já entrevistei gente às 9h da manhã, um dia depois do seu aniversário, já ouvi coisas como “não, segue aí com as perguntas que todo mundo faz, não quero pensar” — enquanto outros tentam ao máximo se divertir, já que estão na merda. O ideal, porém, é tirar o entrevistado de qualquer zona de conforto. É fazê-lo rir, é fazê-lo pensar antes de responder.

E ninguém precisa ser cuzão com ninguém. Afinal de contas, estão todos trabalhando ali.