Alírio Netto e a árdua jornada do metal para o pop | JUDAO.com.br

Vocalista da banda Age of Artemis, o cantor e ator pretende ousar e explorar uma faceta musical totalmente diferente em seu 1o disco solo, João de Deus

Alírio Bossle Netto é um sujeito que tem síndrome de Bruce Dickinson. Começou sua carreira musical na cidade de Florianópolis com 15 anos, cantando em bandas de rock. Hoje, Alírio encontra tempo para tocar em TRÊS bandas, dar aula de canto, ser ator/cantor de musicais e, ora vejam, ainda me resolve que vai gravar um disco solo?

“Realmente é uma logística bem complicada de se fazer”, admite ele, sobre a briga com o relógio, em entrevista ao JUDÃO. “Na verdade, quando você quer fazer o trabalho, você vai lá e faz de verdade, não importa se você está muito ocupado ou não”, resume. E foi assim que surgiu, portanto, a vontade de explorar um outro lado, beeeeem diferente.

“A ideia do disco solo já tem algum tempo e ganhou força quando tive umas conversas bem interessantes com meu amigo Rafael Bittencourt [guitarrista do Angra]. Já estava mais do que na hora de ter um trabalho meu, ainda mais quando completo mais de 20 anos de carreira”, desabafa. “Queria fazer algo mais abrangente e diferente do que já fiz, seja com bandas ou como ator. Esse trabalho reflete o que sinto no momento”.

E, bom, pra surpresa de quem o conhece à frente do Age of Artemis (power metal) ou do Khallice (metal progressivo), é importante que se saiba que este não será um disco de heavy metal. Na verdade, preparem-se para o palavrão: será um disco pop (ergam suas tochas!). “É claro que tem um pouco de rock, que já está calcado no meu DNA como artista, porém ele é um álbum totalmente pop. Até porque eu acho um pouco engraçado quando as pessoas vêm falar comigo e perguntam se eu sou headbanger e eu respondo que não, que sou artista, um músico”, explica.

Para um sujeito que, no iPod, carrega muito pouco de metal (“Escuto muitas bandas novas, grupos pop, gosto bastante de escutar composições da Broadway, rock clássico, bandas como Queen, Journey”), é natural descobrir que as referências do disco, a ser todo cantado em português e já batizado de João de Deus, viajam pela música brasileira, alguns artistas pops italianos, Seal, Tears for Fears... “Esse lance meio acústico com música brasileira é algo que permeia o trabalho todo. O Edu Falaschi [ex-vocalista do Angra], que é o produtor do álbum, abraçou a causa e conseguiu sintetizar perfeitamente todas as músicas”.

Por sinal, Alírio não parece lá muito preocupado com o que alguns bangers mais tradicionais possam eventualmente achar de seu disco, caso sejam atraídos por seu nome de outros projetos mais pesados. “Tem uma parcela do meu público do metal que conhece esse meu lado e gosta, mas se for ver eu não posso ficar esperando isso, que eu consiga agradar todo mundo. Eu acho que o artista tem que se emprestar para a arte, que é uma das coisas que mais aprendi no teatro. Então, eu estou me emprestando para esse trabalho e fazendo meu melhor.”

O músico afirma que sua intenção é fazer algo mais simples, direto, que possa chegar mais diretamente com os fãs. “Aquele cara, o headbanger fervoroso, eu não sei se vai gostar não, mas, a contrapartida é verdadeira: aquela senhorinha que vai me ver no musical, pode não gostar da música pesada, por exemplo. Não quero agradar todo mundo, apenas fazer o que estou sentindo e com vontade de gravar”.

O baterista da empreitada vai ser o Tito Falaschi, que além de tudo é o produtor do trabalho junto com o irmão Edu. O baixista será o outro grande amigo de Alírio, Felipe Andreoli [do Angra, não do CQC]. “O meu grande parceiro e amigo Marcelo Barbosa [Almah] também vai gravar todas as guitarras – e vou contar com a participação do Rafael Bittencourt. A Negra Li, minha grande amiga e parceira do Jesus Cristo Superstar, é uma das convidadas especiais”, diz. Um dos convidados que mais orgulham Alírio, no entanto, é o cantor mexicano Erik Rubin, que o ajudou no início de sua carreira nos musicais. “Ele liberou uma música dele, uma balada linda, quem sabe rola um dueto, vamos ver”.

Apesar do nome, que parece remeter a uma ambientação quase religiosa, Alírio mostra que o disco pretende ir para um lado mais filosófico ao afirma que VOCÊ é João de Deus. “Apesar do nome, se sente esquecido em vários momentos de sua vida e, independente da sua posição social, nasce, aprende, se apaixona, perde alguém que ama… Mas a vida sempre continua”, explica. “Essa é a ideia por trás de cada música. Nesse novo projeto vou mostrar que o que move o ser humano são perguntas e não as respostas”.

João de Deus tem previsão de lançamento para outubro, pouco depois da participação do Age of Artemis no Rock in Rio. E vai ser completamente independente, sem nenhuma gravadora envolvida. “Eu até conversei com alguns selos, mas decidi fazer tudo sozinho porque financeiramente era mais viável. Os acordos não estavam interessantes”, conta. “Vou usar bastante as mídias sociais, o Deezer, Spotify, até mesmo o YouTube que é uma ferramenta excelente para divulgação da minha música”.

Também aconselhado por Rafael, ele decidiu ainda investir no financiamento coletivo, via Kickante – mas num formato ligeiramente diferente. “O financiamento já está rolando e é um esquema de pré-venda, que envolve algumas recompensas de acordo com a quantia que você está disposto a ajudar. (…) Independente de conseguirmos a meta, o disco vai sair, pois ele está pago. Como eu estou bancando tudo isso sozinho, sai caro e resolvi fazer isso para aproximar meu público e tentar algo novo, com novas possibilidades”, diz, empolgado. “Esse foi o principal motivo, ter autonomia do trabalho, sem nenhuma interferência externa”.

Embora ainda não tenha nada confirmado, obviamente Alírio tem aquela vontade de fazer uma turnê solo, o que vai depender bastante da disponibilidade de cada artista. “Quero divulgar o máximo possível este trabalho e atingir o maior número possível de pessoas”. Mas, por outro lado, também tem vontade de explorar mais o seu outro lado nos palcos. “Eu gostaria de tentar mais a questão de ator, pois tenho feito aulas e testes no teatro que tenho gostado muito. Digamos que a ideia do teatro me pegou de jeito e agora não quero parar mais. Vamos ver o que pode acontecer mais na frente, mas isso é uma das metas que quero atingir”.

Por falar nesta outra faceta, recentemente ele chamou bastante a atenção do público paulistano – e da imprensa especializada – ao interpretar ninguém menos do que Judas Iscariotes na montagem nacional do espetáculo musical Jesus Cristo Superstar, numa experiência que o músico só consegue definir como “muito louca”. Ele conta que já tinha tido outras oportunidades de trabalhar com esta peça em particular.

“Em 1998, nós fizemos uma versão mais amadora, mas com todo cuidado e qualidade, lá em Brasília. Depois, em 2000, fui convidado pela franquia mexicana para fazer o papel de Jesus no México. Eu fui para lá, fiz o teste em inglês, depois aprendi o idioma local e dividi as apresentações com um artista local”. Alírio diz que fazia cerca de sete ou oito apresentações por semana e, justamente por causa deste papel, conseguiu estudar nos Estados Unidos e também foi chamado para um trabalho de backing vocal com Rubin, o músico e amigo mexicano.

Quando o musical veio para o Brasil, foi convidado para fazer o teste, sem regalias pelas experiências anteriores. E passou. “Tinha um certo medo, pois o Judas é um personagem com uma densidade vocal maior, uma cor diferente. O diretor precisava de alguém com as características certas para fazer o Judas. Musical tem muito disso, o perfil do ator tem que calhar com o personagem. Tive muita sorte e foi uma das experiências mais incríveis da minha vida. Melhorei muito como ator e cantor por causa do Judas”.

Alírio explica que o processo criativo, em si, é bastante diferente daquele que o seu lado músico exige. “O ator tem que se emprestar para o personagem ou a arte em si. No caso do Jesus Cristo Superstar, ele é um musical com a pegada rock, que é uma música transgressora por natureza. Quando o musical foi lançado, ele tinha uma justificativa maior, mas se for ver o tema acabou se tornando atemporal. O mundo está sempre em crise ou com algo para se discutir, o que torna essa abordagem bastante atual”, opina.

Para finalizar, eu não pude fugir de uma pergunta crucial. Viram a quantidade de vezes que o Angra é citado neste texto? Alírio é amigo de diferentes integrantes do grupo, de diferentes formações. E, antes do italiano Fabio Lione ter sido efetivado como o terceiro vocalista da banda brasileira, tanto Alírio quanto Bruno Sutter (o Detonator) eram frequentemente citados pela imprensa especializada em rock como sendo fortes concorrentes ao cargo deixado vago por Edu Falaschi. Afinal... isso rolou?

“O que acontece é o seguinte”, esclarece ele, sem papas na língua. “O Angra tem um grande vocalista que é o Fabio Lione e eles estão em uma das melhores formações da banda. Isso tudo foi fofoca da imprensa especializada, na verdade. Alguns sites quiseram criar polêmica com o assunto. Se for ver, a única declaração oficial que eu dei na época foi negando sobre isso. Sou muito amigo dos músicos da banda e não teve nada, nunca me convidaram”.

Esclarecido? ;)