A América segundo Childish Gambino | JUDAO.com.br

Se o novo clipe do ator / músico / roteirista / diretor te incomodou, more você nos EUA ou aqui no Brasil, ele acertou NA MOSCA

A esta altura do campeonato, muito provavelmente você já deve ter visto o clipe de This is America, a mais nova música de Childish Gambino — a persona musical de Donald Glover, aquele que deve estar nos preparando para o derradeiro álbum de seu “personagem”, a ser lançado ainda este ano.

Neste último sábado (5), Glover foi o apresentador do Saturday Night Live e aproveitou a oportunidade pra mostrar duas novas canções, This is America e Saturday. Quando acabou o programa, eis que ele me libera no YouTube este vídeo, dirigido por seu parceiro recorrente Hiro Murai, que dirige grande parte dos episódios de Atlanta, e com coreografia da atriz ruandesa Sherrie Silver.

Além de mais de 25 milhões de visualizações em apenas três dias, o combo de ator, roteirista, músico, diretor e aspirante a Homem-Aranha (amamos o Tom Holland atualmente, mas vamos lá que teria sido INCRÍVEL) fez o mais novo ponto de encontro de teorias, análises e tratados das redes sociais. E, desta vez, com toda a razão e justiça DO UNIVERSO.

Porque o vídeo não apenas é incrível, complementando uma música por si só sensacional. Mas também é INCÔMODO.

Um galpão gigantesco que representa todo um país. Que pode ser a América do Homem-Laranja e ou este Brazilsão aqui mesmo, tanto faz. Sentado num banquinho, está lá Calvin The Second dedilhando um violão, na maior vibe blueseiro, considerando, claro, que estamos falando de uma das maiores tradições da música negra na Terra do Tio Sam e que nasceu basicamente como uma música de resistência. E que acaba levando um tiro na cabeça pelas mãos de um Glover que incorpora, todo exagero no rosto e na expressão corporal, o estereótipo do Jim Crow.

Conforme a historiadora Suzane Jardim, parceira de Timelaje, explica neste artigo sensacional, um comediante novaiorquino nascido no início do século XIX, numa viagem ao Sul dos EUA, “descobriu que era um costume da galera branca comparar os seus escravos com corvos e que os escravos, nas horas de descanso, costumavam cantar uma canção cuja a origem não se sabe, sobre uma figura lendária chamada Jim Crow”.

Aí, Rice então criou uma performance na qual se pintava de preto e cantava a tal música, ou uma adaptação dela, “interpretando” o que ele definia como sendo um “típico escravo negro”, aquele “vestindo trapos, fazendo trapalhadas e andando de maneira boba por aí”. Nasciam os chamados The Minstrel Shows, todo um gênero teatral que fez um baita sucesso nos EUA do século 19 e que, basicamente, consistia em brancos zoando negros — todos, claro, fazendo blackface.

Até alguns negros entraram na onda, TAMBÉM fazendo blackface, pra conseguir ganhar algum trocado no meio do desemprego pós-abolição da escravatura.

“Mas isso, é a América, Gambino nos explica”, afirmou Justin Simien, criador da série Dear White People, numa longa thread no Twitter. “É brutal mas ou você participa do espaço que a cultura americana reservou pra você (mesmo que seja apenas para interpretar Jim Crow como muitos negros no mundo do entretenimento fizeram e continuam a fazer desde que este país foi fundado) ou então você morre”.

This is America, aliás, tem MUITO disso. Assim como tem as armas, estes gloriosos instrumentos endeusados lá e cá, sendo tratadas com toda a delicadeza do mundo depois que Gambino as usa, como tem a forma desleixada com a qual os corpos são retirados de cena ao longo de todo o vídeo. Tem alusões a jovens com celulares sendo tratados como bandidos, jovens se jogando de sacadas, uma figura de capuz negro andando num cavalo branco, a SZA impassível, Gambino correndo pra sabe-se lá onde no final.

This is America é sobre racismo. E sobre a violência contra os negros. Isso eu nem preciso te explicar. This is America é foda justamente porque tem muitas camadas. Não fica tentando ser didático, te detalhar muito o que tá acontecendo na tela. Tal qual acontece com qualquer blockbuster da atualidade, tem muita teoria rolando, óbvio, mas o principal é que tem uma história muito clara sendo contada na camada mais básica. Uma que muita gente entendeu e com a qual outra gente se incomodou UM BOCADO — exatamente como aconteceu há algumas semanas no evento que ficou conhecido por aí como Beychella.

E que bom que tudo isso esteja acontecendo.

Por isso mesmo, além daquele artigo da Suzane Jardim que citamos lá em cima, recomendamos também que você leia esse que o Mashable fez, com uma baita DISSECÇÃO do que é e do que pode significar o que se vê no vídeo, assim como a Forbes, o Genius, a Dazed, o HuffPost, o BuzzFeed Brasil... Como disse a Suzane, é importante “saber reconhecer esses estereótipos, principalmente para compreender polêmicas internacionais e ter a capacidade de criticar as obras midiáticas americanizadas que consumimos no nosso dia-a-dia.”

Então o que você tá esperando?