“O Superman não precisa sempre se parecer com o Henry Cavill” | JUDAO.com.br

Num papo franco, André Holland, o Dr. Algernon Edwards de The Knick, fala das dificuldades que sofrem os negros, latinos, asiáticos e qualquer um que não seja branco em Hollywood, e crava: “As oportunidades não são as mesmas”

CIDADE DO MÉXICO ~ Pode parecer glamoroso, mas junkets – eventos nos quais atores, diretores e produtores são entrevistas para divulgar uma série, explicando de forma bem simplista – não são fáceis. Normalmente os atores estão em um longo processo de divulgação, com várias viagens e respondendo sempre as mesmas perguntas, falando sobre as mesmas coisas ou contando que querem visitar o Brasil pra provar um churrasco, guaraná e caipirinha, enfim. Ter uma resposta sincera, que vá além do “estou fazendo uma média” ou “estou repetindo a mesma coisa pela 888ª vez”, é difícil de se conseguir.

Só que a junket pra promover a segunda temporada de The Knick, na Cidade do México, não foi assim. Os atores – Eve Hewson, a Enfermeira Lucy Elkins, e André Holland, o Dr. Algernon Edwards – estavam realmente de “corpo presente”. E Holland aproveitou o fato de estar ali, numa mesa redonda com oito jornalistas latino-americanos e na qual o JUDÃO estava presente, pra tocar num assunto polêmico, que certamente acabaria abafado se fosse numa situação parecida lá nos EUA: o racismo e como atores brancos são favorecidos em relação aos negros, latinos, asiáticos.

De certa forma, existe um paralelo entre Holland e a trajetória do personagem que ele próprio interpreta na série: o do médico negro, filho de uma empregada doméstica, que tem a oportunidade de estudar nas melhores escolas, se formar em Medicina e aprender muito. Porém, em sua terra natal, é muito mais duro pra ele conquistar as coisas do que é para outros médicos com menos experiência e conhecidos.

André Holland e Eve Hewson na junket de The Knick

André Holland e Eve Hewson na junket de The Knick

“Não são as mesmas oportunidades. Não, absolutamente, não. E eu digo: ABSOLUTAMENTE não. Nem perto”, diz o ator sobre as chances em Hollywood. “Há definitivamente uma conexão [entre eu e o personagem]. Eu tive que fazer coisas na minha carreira que vários dos meus amigos não tiveram. Eu sou extremamente grato, muito, muito grato, porque eu sei que minha vida poderia ter ido para uma direção totalmente diferente, sabe? Você sabe de onde eu sou, você sabe o que quero dizer. Facinho. Então, eu sou grato”, conta Holland, que nasceu em Bessemer, uma pequena cidade do Alabama – um estado no qual, pré-Guerra Civil, metade da população era formada por negros escravos e que se aliou aos Confederados e que, pouco depois do fim da guerra, foi um dos pioneiros na eleição de congressistas negros. Atualmente, o Estado ainda tem casos muito comuns de racismo, além de ser considerado o segundo mais racista dos EUA.

Só que, apesar de se empenhar, estudar, respeitar os outros, fazer as coisas do jeito certo e tudo mais — e ter superado essas pedras que apareceram no caminho, Holland pensa que mesmo assim está longe da igualdade. “Eu ainda estou nesse lugar de não conseguir as oportunidades que eu quero. E eu não sei o porquê. Quando eu pergunto pro meu agente, a resposta que ele dá é que ‘as pessoas que conseguem papéis nos filmes são geralmente as pessoas que são brancas, jovens e é dessa forma que o negócio funciona’. E eu pergunto: ‘Por que não pode ser pardo? Quem sabe um latino? Um asiático? Por que não pode ser algo diferente do que vemos o tempo todo?’. E diz: ‘Os produtores têm tanto dinheiro envolvido e eles ficam mais seguros em investir dinheiro em quem já provou que pode garantir um retorno financeiro no exterior’. Mas, sabe? Não é o suficiente. Não é o suficiente pra mim”.

Há uma desculpa para cada geração. A de agora é que é “muito arriscado” investir num filme com um ator diferente. Nesse cenário de que grandes estúdios precisam de grandes investidores para viabilizar os blockbusters, esses caras querem o retorno fácil. E o retorno fácil passa pelo rosto que vai ser mais facilmente reconhecido, ou que não vai “incomodar” tanta gente. Mas será que, na prática, precisa ser assim?

“Quando você olha pra história dessa coisa, vai saber quantos incríveis atores latinos, negros e asiáticos foram perdidos porque não conseguiram as oportunidades que mereciam. Foi como comentamos lá em baixo [na coletiva antes da mesa redonda], a Viola Davis foi a primeira mulher negra a vencer um Emmy, como atriz principal em uma série de drama. Estamos em 2015! Por que isso só está acontecendo agora? É incrível, mas por quê?”. Boa pergunta, André. Boa pergunta...

Falando sobre a própria vida, o ator explica mais sobre as dificuldades que passou desde cedo – inclusive por estar justamente entre essa família simples e uma outra realidade, bem diferente. “Essa é a versão curta. Eu cresci meio que entre esses dois mundos. A vizinhança que eu cresci era pobre... Quer dizer, não era pobre. Eu era de uma família da classe trabalhadora. A escola na qual estudei era uma dessas chiques, daquelas que tem teste pra entrar, e meus pais trabalharam duro pra me colocar lá. Então, eu meio que senti que não me encaixava bem em nenhum dos dois lugares”.

Nesse contexto, a atuação, o cinema e a TV vieram meio que por acaso, como uma forma de não cair no caminho mais fácil. “Pra ser honesto, enquanto eu crescia, eu não ia ao cinema. Minha família... Sabe, não dava pra pagar o ingresso do cinema. Eu cresci numa cidade bem, bem pequena”, ele relembra. “No fim de semana, numa sexta-feira à noite, por exemplo, ao invés de ir ao cinema nós íamos na casa da minha tia, sentávamos no quintal, acendíamos uma fogueira, e as pessoas contavam histórias. Minha avó contava histórias. Meu tio contava histórias. E então alguém vinha contar o que tinha acontecido. E voltávamos a beber. Aquilo pra mim era o cinema. A narrativa era muito importante. Mas, do lado prático, meus pais me colocaram nas aulas de teatro quando eu era bem pequeno, acho que pra me deixar longe dos problemas. Eu não gostava muito, mas foi uma boa ideia”.

André Holland - The Knick

Holland continua, lembrando também que teve uma pessoa importante ao lado dele nesse processo inteiro — e que continua lá. “Quando eu terminei o Ensino Médio eu não sabia muito o que fazer, e eu tive um professor que disse ‘por que você não faz teatro?’. Então ele me falou sobre uma escola na Flórida [a Florida State University] – e minha mãe topou ir lá ver. Pegamos uma van e fomos até lá. Minha mãe... Minha mãe até veio comigo nessa viagem [ao México]. Foi ela que tornou tudo isso possível”. Hoje, além da graduação em teatro, o ator é Mestre em Artes pela Universidade de Nova York.

Outra influência que ele teve – e bem característica daquela cultura de onde veio – foi a igreja. “Meu avô era Pastor, de uma igreja old school do Sul, e aquilo era muito performático. Domingo de manhã eu tava lá, vendo-o pregar. Em 20 minutos ele já tinha o público rindo, chorando, aplaudindo... Ele tinha esse poder”.

A partir daí as oportunidades na área foram surgindo, mesmo que sendo mais difíceis do que são pra quem é homem branco. Começou em participações em algumas séries (como Law & Order, que foi um começo pra muita gente) e em filmes. Porém, a coisa começou a realmente ficar séria com Selma, no qual foi indicado a quatro prêmios pelo papel do político e ativista Andrew Yong, e principalmente com The Knick, que ele protagoniza junto com Clive Owen e a Eve.

“Esse papel [do Dr. Edwards] é o mais significante que eu já tive. Eu aprendi mais nesse papel do que com qualquer papel antes. Ele representa um ponto de virada na minha carreira. Até agora... Veja bem... Eu sou um ator que vive em Nova York, que precisa receber, e nós fazemos o que precisamos fazer, sabe? E esse tem sido o caminho da minha carreira até agora. Depois dessa experiência, de trabalhar com o Steven [Soderbergh] e o Clive, eu espero só trabalhar com os melhores”, explica Holland. “Não digo pessoas famosas, mas pessoas que tenham um senso do que querem fazer – e não que dizem ‘ok, vamos tentar pra ver o que acontece’. Eu espero que, de agora em diante, minha carreira tome um formato específico”.

E ele diz isso aos 35 anos de idade. Será que ele não poderia ter chegado a esse ponto bem antes, fosse outra a cor da pele dele?

Holland em Selma

Holland em Selma

Com tanta experiência nesse mundo nada fácil, André Holland também dá dicas para quem quer seguir o mesmo caminho que ele: “Criem suas próprias histórias. Comecem agora. Sejam gentis com os outros. E não desistam. É isso que eu diria, essas três coisas. Não soou cool?”, brinca o ator. Aliás, se pudesse acrescentar algo aqui, diria: viva a vida com alegria. Mesmo falando se assuntos sérios, de coisas importantes, ele sorri. Dá risada. Se diverte. Assim tudo fica parecendo mais fácil, não é?

Mas será que o mundo será melhor pra quem seguir essas dicas e vir depois? “As coisas vão mudar, eventualmente. As pessoas falarem sobre isso é o primeiro passo pra fazer mudar. As mulheres estão aparecendo e falando sobre isso. Eu espero que mude, mas não acho que já mudou. Há ainda coisas para acontecer”, relata. “Precisa haver uma mudança de paradigma, as pessoas precisam entender que há outras histórias que as pessoas querem ver. Não precisamos ver sempre os mesmos rostos repetidamente. Às vezes, queremos ver pessoas que se pareçam conosco! E não há nada errado nisso. Também estão percebendo que a nossa imaginação pode ir longe. As pessoas podem acreditar que você é o Superman... Ele não precisa se parecer com o Henry Cavill. Nada contra o Henry Cavill, mas o personagem não precisa parecer sempre o mesmo. Isso começou a mudar, mas temos um longo caminho pela frente, e eu estou esperançoso. Quem sabe vocês vão me ver usando uma capa!”.

Calvin Ellis, o Superman

Calvin Ellis, o Superman

Em meio aos risos, um dos jornalistas ali na mesa redonda comentou: “Você pode ser aquele sidekick do Homem de Ferro...”.

“Ah, cara. Sidekick? Eu não quero ser um sidekick...”, respondeu, meio sem jeito, o André Holland.

“Eu esqueci o nome... Máquina de Combate? Falcão?”, tentou emendar o mesmo jornalista.

“Sabia que tem um Superman negro nos quadrinhos, né?”, interrompi, já botando pra fora que pensei logo em Calvin Ellis, o Homem de Aço da Terra-23, assim que ele comentou toda aquela história de usar capa... “E ele também é presidente dos Estados Unidos. Essa pode ser uma boa...”.

“É isso. É ISSO. Escreva isso, cara!”.

Tá escrito, André Holland. Tá escrito. E você já tem o meu voto. ;)

O Judão viajou a convite da HBO Brasil