Quando o metal se rendeu à força do pop | JUDAO.com.br

Para uma galera das camisas pretas, a música pop ainda é o inimigo a ser combatido — mas digamos que os seus próprios ídolos cabeludos sabem muito bem o poder de um bom refrão e de uma melodia ganchuda

Sei que já falamos sobre isso por aqui (na real, fizemos até um ASTERISCO inteiro a respeito) mas não custa relembrar: “Pertencente ou relativo ao povo; próprio do povo”. Esta é a definição do dicionário para “popular” – aquela palavra que, se você ainda não se ligou, é a origem de POP. É, a tal da cultura POP sobre a qual a gente fala o tempo todo por aqui é a cultura POPULAR, da GALERA, de MASSA.

Mas sabemos que tem gente que se EMPUTECE quando este termo entra numa frase — se o cinema é POP, vira quase que um palavrão, por exemplo. Quando a gente traz este termo pro mundo da música, então, aí complica ainda mais. Porque POP é todo um gênero musical próprio, com Michael Jackson e Madonna como seus monarcas incontestes. E para C E R T O S roqueiros, falar em música pop é falar no inimigo a ser atingido pelo poder das guitarras. Se você for daquele tipo de roqueiro que curte bater cabeça, então, existe (ou existia, né) praticamente todo um manual de conduta no qual a primeira regra dizia claramente: “É pop? Então é anti-metal, sou contra, acho uma merda”. Afe.

Mas vamos tentar trabalhar um pouco de lógica simples aqui? Música pop é, por definição, “música popular”, certo? Música para as multidões, como falamos lá em cima. Veja só como bandas do tipo Metallica ou Iron Maiden ainda lotam estádios, com milhares de fãs acotovelados disputando espaço. Eles são muito populares, né? Então, pera: significa que Metallica e Iron Maiden fazem música pop? ;)

Enquanto cê fica aí quebrando a cabeça pra resolver este DILEMA, a gente foi atrás de alguns brilhantes momentos nos quais os metaleiros largaram mão de preconceitos estúpidos e se renderam ao pop, fazendo suas próprias versões para clássicos de astros e estrelas multicoloridos, estrelados e dançantes. Os resultados são ao mesmo tempo pesados e divertidos, sem se levar tão a sério quanto os próprios fãs têm a mania de encarar. Aumenta o volume e curte com a gente!

Gamma Ray: It’s a Sin

“É muito interessante fazer um cover de algo que está além do mundo metal, que vem de um lugar diferente, e transformá-lo em metal”. A frase é de ninguém menos do que Kai Haisen, líder do Gamma Ray e considerado o “godfather” do power metal, numa entrevista pro Noisefull.

Ele reforça que uma música boa é música boa, foda-se o gênero, por mais que parte dos fãs não tenham entendido muito bem quando a canção, versão dos Pet Shop Boys, saiu em Powerplant (1999). Mas basta ouvir o resultado final pra sacar que Haisen fez a escolha certa. E os tais dos fãs, né, bom... ;)

Children of Bodom: Oops I Dit It Again

Por mais que os fãs do Gamma Ray tenham chiado quando eles tocaram Pet Shop Boys, nada pode se comparar ao que rolou de reação quando o Children of Bodom fez sua versão pra Britney Spears. “Nós queríamos fazer algo que realmente surpreendesse as pessoas, sabe, chocá-las mesmo”, afirmou Alex Laiho, guitarrista e vocalista, ao Metalunderground.

E sim, eles sabiam que a reação ia ser de espanto e emputecimento geral. “Foi divertido para nós ler todas essas merdas. Entende, ver como as pessoas podem levar isso tão a sério. Algo como: ‘nossa, esses caras não são mais TRUE METAL porque eles fizeram um cover da Britney Spears, por isso vou jogar todos os meus CDs deles pela janela e queimar todas minhas camisetas’. Cara, mas que porra é essa? Você é um maluco do caralho, isso sim! Como disse, essas pessoas que levam o metal tão a sério, que levam as bandas tão a sério, acho isso sim engraçado”.

Halestorm: Bad Romance

Já a escolha do Halestorm foi até um pouco menos polêmica — porque os próprios fãs meteram o dedo na seleção da faixa. Quando tavam querendo fechar o repertório do EP ReAniMate: The CoVeRs eP, só com versões, os músicos colocaram no site oficial uma lista de 50 músicas que eles amavam reinterpretar. Aí, Lady Gaga acabou selecionada junto com Heart, Skid Row, Beatles e Guns n’ Roses. Na real, Bad Romance foi a faixa mais votada de todas. E, no fim, a versão da Gaga virou o grande momento do álbum, pra alegria da vocalista Lzzy Hale, que já declarou publicamente que é fã da cantora.

Adrenaline Mob: Come Undone

Em seu supergrupo Adrenaline Mob, projeto paralelo ao Symphony X que tá se tornando ainda maior do que a banda original, o vocalista Russell Allen encontrou espaço para trabalhar sonoridades diferentes do metal progressivo, incluindo a cacetada mais direta e reta que é esta versão do Duran Duran, igualmente intensa como a original.

E ainda com a participação especial da mesma Lzzy Hale do Halestorm, que já tinha saído da zona de conforto e tocado Lady Gaga. Tudo ao som da impecável bateria de outro egresso do complexo mundo do prog, Mike Portnoy (ex-Dream Theater).

Paul Di’Anno: Bad

Eu sou daqueles que não aguenta mais ouvir o Di’Anno, vocalista dos dois primeiros discos do Iron Maiden, reclamando da banda mas fazendo show atrás de show tocando apenas e tão somente músicas de sua época com os caras. Segue em frente, mano.

É refrescante vê-lo visitando outros ares, por mais que seja um cover, já que o sujeito ainda canta pra caralho e merecia um destino melhor. Este é um dos grandes momentos do disco Thriller: A Metal Tribute to Michael Jackson, um álbum em homenagem ao Rei do Pop só com a participação de alguns dos maiores nomes do heavy metal. Merece a ouvida.

Northern Kings: Take on Me

A Finlândia é um puta celeiro de bandas de metal, dos mais diferentes subgêneros. Aí, quatro destes camaradas — Jarkko Ahola (Teräsbetoni, ex-Dreamtale), Marco Hietala (Nightwish e Tarot), Tony Kakko (Sonata Arctica) e Juha-Pekka Leppäluoto (Charon) — se juntaram num projeto paralelo interessantíssimo, o Northern Kings, um supergrupo dedicado a fazer versões em formato metal sinfônico para clássicos da música pop, indo de Hello (do Lionel Richie) a Kiss From a Rose (Seal), passando até por My Way (Frank Sinatra) e We Don’t Need Another Hero (Tina Turner). Taí uma daquelas apresentações que deveriam pintar pelos palcos do Brasil em algum momento.

Marilyn Manson: Sweet Dreams

Muito antes de embalar memes neste Brasilzão afora, a faixa do Eurythmics (duo synthpop formado por Annie Lennox e Dave Stewart) tinha ganhado nova forma na voz de Mr. Manson, com um tom beeeeeeeeeem mais macabro e sinistro, mas fazendo jus a uma letra que não tem nada de inocente. “Dave Stewart compôs a canção e eu ouvi de conhecidos em comum que ele gostou muito da nossa versão”, afirmou Manson pra revista Guitar School. “Tenho certeza de que ele ficou muito feliz, porque ele fez muito dinheiro com a versão, enquanto nós não”.

Tá bom, então, né? ;)

Disturbed: The Sound of Silence

Tem algumas canções nesta lista que, mesmo a gente sabendo que são versões, funcionaram tão bem que acabaram se tornando a cara das bandas. Esta é uma delas. É tão introspectiva e emocionante quanto a da dupla Simon & Garfunkel, mas David Draiman entrega uma interpretação aqui que é de arrepiar.

“Esta letra sempre falou comigo, desde que eu era criança”, contou ao Loudwire. O próprio Paul Simon gostou muito, mandando uma mensagem pessoalmente para Draiman depois de ver o Disturbed executando a canção — que ganhou disco de platina duplo nos EUA — no talk show de Conan O’Brien. “Uma performance poderosa. Ótimo”.

Volbeat: I Only Wanna Be With You

Talvez uma das mais interessantes bandas do metal contemporâneo, os caras do Volbeat não tiveram medo de ousar logo em seu disco de estreia, The Strength/The Sound/The Songs (2005), e fizeram uma grande versão de uma canção que virou hit na voz da inglesa Dusty Springfield, uma branca que arrebentava cantando soul, lá em 1963.

“A gente tava prestes a fazer nosso primeiro show em um bar lá em Copenhagen”, conta o vocalista Michael Poulsen, em entrevista pra revista Screamer. “Tínhamos nossas músicas próprias mas queríamos uma canção que as pessoas conhecessem no repertório porque ia ser meio chato ficar lá tocando só umas coisas que ninguém conhece. Esta veio de maneira bem orgânica nos ensaios, porque é algo que eu ouvia muito quando era criança”. Mas ele completa: “gostamos da nossa, mas a versão dela é melhor. É uma grande música de amor, que todo mundo conhece de algum jeito”.

Megadeth: These Boots Are Made for Walking

Quem viu a rebolativa Jessica Simpson cantando a sua versão para These Boots..., de Nancy Sinatra, na trilha de Os Gatões, mal podia imaginar que, mais de duas décadas antes, Dave Mustaine cantou a mesma canção no disco de estreia do Megadeth...mas metendo uns palavrões no meio da letra.

Quando o disco começou a vender bem, Lee Hazlewood, compositor original da canção, começou a pedir que ela fosse retirada do disco por se tratar de uma “perversão”. Mustaine contra-atacou dizendo que Hazlewood recebeu os direitos autorais pela música muitos anos antes de começar a reclamar. De qualquer forma, These Boots acabou sendo omitida (provavelmente, pressão da gravadora) e uma versão censurada da música pode ser encontrada na versão remixada do disco, lançada em 2002. Já em 2011, a faixa sem censura, só que ao vivo, gravada em 1987, pode ser ouvida na edição comemorativa de 25 anos de Peace Sells... but Who’s Buying?.

Limp Bizkit: Faith

Meio que não dá pra imaginar, assim, de bate-pronto, o grupo liderado por Fred Durst querendo prestar uma homenagem pro George Michael. Mas rolou, como faixa de seu disco de estreia, Three Dollar Bill, Y’all$ (1997). E foi justamente a música que catapultou a carreira do Bizkit, vejam só. Mas não apenas porque é, goste você ou não dos caras (que estão longe de ser unanimidade), uma boa música. Mas sim porque na mesma época em que o clipe com a participação de uma galera, como os músicos do Korn e do Incubus, começou a bombar na MTV, George Michael foi preso ao ser flagrado cometendo as tais “atividades sexuais ilícitas” em um banheiro público.

“Eu não esperava que ele fosse ser pego naquele banheiro, mas seu azar acabou nos ajudando. Não poderíamos pedir por um ibope maior do que este”, disparou Durst publicamente na época. E embora todos os caras do Limp Bizkit admitissem que adoravam a canção original e por isso quiseram dar sua versão, o próprio Michael ODIOU o resultado. Acontece.

HIM: Wicked Game

Estamos falando de uma banda finlandesa cuja sigla significa His Infernal Majesty. Então já se imagina o som deles como uma coisa satânica, demoníaca, rápida e brutal? Nada disso. O HIM é metal que traz como temas recorrentes não apenas como dor e morte, mas principalmente amor e romance. Tanto é que eles fizeram escola, ao criar um subgênero chamado “Love Metal”, usando até o tal do Heartagram (mistura de coração com um pentagrama invertido) como símbolo. Então, nada mais metal-sofrência do que uma versão (linda, diga-se) da canção de Chris Isaak, que se tornou seu hino.

“A gente tinha gravado um monte de fitas-demo e elas eram todas uma merda”, explica o vocalista (e galã) Ville Valo pro TeamRock. “Mas achamos nossa mina de ouro quando tivemos a ideia de tocar Wicked Game. Colocamos numa demo e duas semanas depois assinamos com a BMG na Finlândia”.

Firewind: Maniac

Originalmente, a canção de Michael Sembello era inspirada na história do serial killer do filme O Maníaco, de 1980. Mas o supervisor musical do filme Flashdance, Phil Ramone, ouviu a parada, entendeu o seu potencial e pediu que a letra fosse alterada pra falar de uma mina obcecada pela dança. Funcionou e virou um verdadeiro ícone pop, que mexeu até com as cabeças dos gregos do Firewind, a banda do guitarrista Gus G, aquele que gravou os últimos discos com Ozzy Osbourne.

Gus admite que todo o álbum no qual o cover da faixa foi lançado, The Premonition (2008), acabou tendo uma inspiração mais pop. E tudo bem com isso, como ele explica pro Rock United. “Mesmo as canções mais pesadas acabaram tendo um refrão mais pop. Sempre prestamos atenção para ter umas pegadas mais grudentas. Isso é legal, porque nosso objetivo é que as pessoas possam cantar a melodia quando ouvirem. É mais fácil pra elas se lembrarem”. É como diz o poeta (?) mineiro: “Pra você, e eu e todo mundo cantar junto”.

Within Temptation: Skyfall

Você poderia apenas achar graça de uma banda cuja cantora se chama Sharon den Adel fazendo cover da Adele. Mas, deixando A Praça é Nossa de lado, o Within Temptation é uma banda holandesa que nunca teve medo de mergulhar de cabeça em versões que em teoria estariam num universo MUITO distante do seu, seja tocando Nirvana, Coldplay ou David Guetta (sério). Ou ainda num inusitado cruzamento do seu metal sinfônico cheio de pompa e circunstância com a agressividade do rap de Xzibit (escutem And We Run, puta música e puta clipe).

Aqui, no entanto, Sharon arrebenta ao fazer sua leitura de uma canção que, em termos sonoros, é completamente diferente da original mas que, no quesito voz, carrega a mesma potência.

Sonata Arctica: The Wind Beneath My Wings

Talvez o item mais curioso desta lista toda, na real. Uma banda de metal tocando uma música da Bette Midler???? “É, eu sei que parece esquisito”, confessou, aos risos, o vocalista Tony Kakko ao finado site Into Obscurity. Mas rolou. E ficou bom demais, sério. “Pô, eu sempre achei uma canção linda, com uma ótima letra. E sempre pensei que merecia ser apresentada a um público mais metal que nunca a tinha ouvido antes. Algumas pessoas amaram e, só por isso, já se justifica”, afirma ele. Eu sou desse time aí. ;)

At Vance: The Winner Takes it All

Em 2001, a banda alemã saiu meio que na vanguarda e, no álbum Dragonchaser, fez o impensável ao colocou o brilhante vocalista Oliver Hartmann (que talvez você conheça bem mais pela participação frequente no Avantasia) pra cantar ABBA. “Cantar ABBA é muito legal, mas aí virou modinha”, disse o guitarrista Olaf Lenk, firme e forte depois de uma série de mudanças de formação, para o site Darkside. “Acho que fomos uma das primeiras bandas a tocar estas músicas que têm uma abordagem totalmente diferente e colocá-las neste contexto metal. Foi muito foda, mas aí todo mundo começou a fazer isso e achei que era melhor dar um tempo”.

Fato: naquele mesmo ano, a Nuclear Blast, maior gravadora de heavy metal do planeta, lançou A Tribute to ABBA, com versões do ABBA feitas por bandas como Tad Morose, Therion, Metalium, Morgana Lefay...e o próprio At Vance. ;)

Edguy: Rock Me Amadeus

Tobias Sammet é aquele cara que, no Avantasia, gravou Lost in Space, canção que o fez ser chamado de “o Bon Jovi da Alemanha”, em tom depreciativo — mas que não apenas cagou para o tom comentário como faz questão de repeti-lo em todo show, antes de cantar a música. É um verdadeiro hitmaker do metal, do tipo que sabe fazer um refrão grudento como ninguém. Inevitável, portanto, que ele homenageasse algum astro pop em algum momento, já que o DNA pop corre em suas veias. Mas o cara não optou pelo óbvio e foi buscar a canção que levou ao estrelato internacional (ou quase isso...) um certo Falco, cantor austríaco que mesclou os vocais falados do rap com uma sonoridade pop quase épica.

“Esta é uma das melhores músicas pop escritas nos anos 80. A original não é apenas incrivelmente arranjada e executada, mas também é um ótimo resumo de quem é o artista”, explica Tobias ao HardRockHaven. “Sempre fui fã do Falco mas, especialmente se você fala alemão, você tem receio de cantar suas músicas. Porque ele tem um sotaque tão peculiar, uma pronúncia tão específica na hora de brincar com as palavras. O risco seria grande de arruinar minha carreira. Mas agora é hora de arriscar”. Arriscou bem, arriscou bonito e ainda fez ao vivo, como no último show em solo brasileiro. :D

Judas Priest: Diamonds and Rust

Pra finalizar a lista, um verdadeiro clássico. Que não pode ficar de fora nem de qualquer coleção do gênero e nem de qualquer show do Priest, é bom que se diga. Porque hoje é uma faixa tão conhecida pela versão original folk quanto por sua incrível releitura metálica.

Para a KNAC.com, Rob Halford contou que a ideia veio originalmente da gravadora da banda, em busca de um maior espaço para esta banda britânica nas rádios americanas. “Lembro que estávamos todos juntos, veio alguém e disse ‘escutem isso, a gravadora queria que vocês considerassem fazer um cover’. Ouvimos e de primeira mandamos uma reação imbecil como ‘tá maluco, somos uma banda de heavy metal’. Mas depois de ouvir mais algumas vezes, com o passar dos dias, rolou um ‘pô, esta é uma ótima música’. E uma boa música pode ter qualquer tipo de interpretação. E aí que deu muito certo e nos abriu muitas portas, de verdade”. A própria Joan teve a chance de ouvir e, para a QMI Agency, aprovou o resultado. “Eu amei! Fiquei em choque quando ouvi a primeira vez. Acho que é magnífico. É raro que as pessoas façam versões das minhas músicas. Uma das razões é que elas são muito pessoais, não tem uma qualidade universal sobre elas. E também porque eu já as cantei! Quem quer competir com isso? Mas é sempre uma honra quando alguém faz”.

Joan Baez, QUE MULHER. Por favor, façam os dois cantarem isso juntos algum dia. FAÇAM ACONTECER.