Aquele momento em que Jennifer Lawrence diz FODA-SE | JUDAO.com.br

Não só isso. Mas isso também – numa carta aberta para uma amiga a respeito da igualdade de salários em Hollywood

Um dos assuntos que agitou as redes sociais na semana e foi tema para muita discussão — inclusive em grupos feministas no Fêice — foi a carta aberta que Jennifer Lawrence escreveu para a newsletter de uma colega, a também atriz Lena Dunham, criadora e protagonista da série Girls, da HBO.

A carta fala sobre o GAP na equalização salarial entre homens e mulheres em Hollywood, um assunto que já foi abordado por outras colegas de profissão (beijo Amy Pohler, Cate Blanchett Juliete Binoche, Patricia Arquette, Kaya Scodelario) e que vira e mexe está de volta à baila. E esperamos que continue voltando até que se faça algo a respeito, não é mesmo? Enfim.

No tal texto, onde fica transparente o estilo despojado e autêntico da atriz, Jenn apela para o sarcasmo (adoro!) e diz que se sente um pouco “culpada” por tocar nesse assunto, já que tem no cofrinho milhões de dólares devido às franquias bem sucedidas nas quais atuou e não precisar “chorar” pelos extras que seus colegas homens recebem. Mas diz ter ficado com MUITA RAIVA quando, devido ao e-mails que vazaram no meio do #SonyHack, soube o quão pouco estava ganhando, em comparação às “pessoas sortudas detentoras de paus” que ela conhecia.

Ela fez um recorte bem interessante sobre a dificuldade que é, para uma atriz como ela e para mulheres em geral, falar sobre direitos iguais, principalmente em termos sócio-econômicos, sem correr o risco de ganhar a pecha de antipática. “Preciso ser honesta. Eu estaria mentindo se dissesse que o fato de querer que as pessoas gostem de mim não pesou em minha decisão de ter aceitado os termos, ter fechado contrato e não ter partido para a briga”, diz ela. “Eu não quis parecer uma pessoa difícil de lidar ou mimada, vitimista. Naquele momento me pareceu uma ideia boa, até eu ter acesso às folhas de pagamentos na internet e me dar conta de que cada homem com quem eu trabalhei, definitivamente, não se preocupava em parecer difícil ou mimado ao lutar por seus salários”. (“Pessoa difícil”? Ah! Que miga nunca ouviu esse termo? Abraça!)

Jennifer Lawrence

“Eu não quis parecer uma pessoa difícil de lidar ou mimada, vitimista, até eu me dar conta de que cada homem com quem eu trabalhei não se preocupava em parecer difícil ou mimado ao lutar por seus salários”

Jlaw continua dizendo que pode ser uma coisa da idade. “Ou da minha personalidade. Tenho certeza de que se trata de uma combinação de ambas, mas este é um ponto de minha personalidade contra o qual venho lutando há anos, e com base nas estatísticas, eu não acho que eu seja a única mulher com esse problema. Será que estamos socialmente condicionadas a nos comportar dessa maneira? Nós só tivemos direito ao voto há quanto tempo? 90 anos? Será que não conseguimos desenvolver o hábito de poder nos expressar sem termos que levar em conta um jeito de não ofender os homens?”.

YAY, querida! Sim! Jenny! #AtéQuando, cara? Até quando temos que manter nossa aura de “boa gente” e não corrermos o risco de parecermos escrotas, mercantilistas reclamonas porque estamos simplesmente lutando por DIREITOS DE IGUALDADE SALARIAL (ou qualquer outro)?

Quem aqui já passou por isso? Quem aqui já não ficou COM MEDO de ir até seu chefe (a maioria nesse cargo, está estatisticamente provado, é homem) e dizer “escuta, meu salário está muito baixo com relação ao do Joãozinho. E eu tenho pós-graduação, MBA, mestrado e doutorado!” (o que também é provado pelas estatísticas). Quem nunca?

Vamos tentar imaginar a coisa no mundo de Jennifer. Sei que as quantias das quais ela fala são astronômicas, mas vamos fazer um exercício de empatia e sororidade. Em Hollywood, a disparidade de salários é gritante. Com um acumulado anual na faixa dos US$ 52 milhões, a própria Jennifer Lawrence foi a atriz mais bem-paga de Hollywood na tradicional pesquisa divulgada anualmente pela revista Forbes. O fato é que, combinando tudo que os integrantes da lista de atores mais bem-pagos ganharam até o momento, o valor chegava a US$ 941 milhões, enquanto o acumulado das mulheres dava US$ 281 milhões. Apenas quatro atrizes da lista ultrapassaram salários acima de US$ 20 milhões, enquanto 21 atores ganharam além desta faixa.

E vocês sabem como é a mídia, ainda mais a hollywoodiana. Ela constrói, ela destrói, em um piscar de olhos. Corre à boca pequena que atrizes como Salma Hayek, Cate Blanchett e a roteirista/produtora Shonda Rhimes são tidas como “insuportáveis” porque lutam por condições e salários iguais aos dos homens com quem trabalham, por exemplo.

O elenco de Trapaça

O elenco de Trapaça

E quem prova que são realmente assim? Sob quais condições elas estão sendo julgadas?  Talvez (e muito provavelmente) elas só não se deixem diminuir. Talvez apenas sejam firmes e não arredem pé em termos e negociações de contratos. Um comportamento tido naturalmente como “masculino”, afinal, um homem pensar e lutar por termos que o beneficiem e altos valores em transações é encarado pela sociedade como um cara “ambicioso”; já uma  mulher assim, é vista como uma “p%¨& materialista que só pensa em dinheiro”.

O  velho comportamento condicionado imposto à mulher destacado por Lawrence em sua carta. Mulheres precisam ser discretas. Mulheres não podem fazer escândalo, causar alvoroço, chamar atenção. Precisamos ser amáveis, delicadas, trazer frescor e bom humor ao ambiente. É a mulher GLADE. Aprendemos a “largar mão” para não arrumarmos para a cabeça. A mulher é ENSINADA, desde pequena a ser da turma do “deixa disso” Afinal, quem quer mulher briguenta por perto?

“Cansei de tentar encontrar o modo delicado de dizer o que penso para as pessoas continuarem gostando de mim! Foda-se.”

E assim nos calamos. Nos frustramos. Nos retraímos. Somos sugadas até nossa última gota, em todos os aspectos. E, adivinhem? Nada muda. E o padrão se repete. Ad eternum. A atriz fala justamente sobre esse silenciamento e essa imposição da delicadeza e amabilidade ao comportamento feminino. “Há poucas semanas, emiti minha opinião (sobre um assunto qualquer) e disse o que queria de uma maneira clara e sem frescuras, sem agressão, apenas direta. O homem que estava trabalhando comigo (bom, trabalhando para mim) disse, ‘Uou! Nós estamos no mesmo time!’. Como se eu estivesse gritando com ele ou tratando-o mal”, conta. “Eu fiquei chocada, por que nada do que eu disse foi pessoal, ofensivo ou, para ser honesta, errado. Tudo que eu vejo e escuto todos os dias são homens emitindo suas opiniões e, quando eu digo a minha da mesma maneira que ELES FAZEM  parece que eu disse algo ofensivo! Cansei de tentar encontrar o modo delicado de dizer o que penso para as pessoas continuarem gostando de mim! Foda-se”.

A atriz diz ainda que NUNCA trabalhou com homem algum que tivesse perdido tempo pensando em como ele deveria falar algo para ter a sua voz escutada: ele é simplesmente escutado. “Jeremy Renner, Christian Bale e Bradley Cooper, todos eles brigaram e foram bem sucedidos ao negociar acordos poderosos para si. Se aconteceu alguma coisa quanto a isso, foi o fato de eles terem sido elogiados por serem estrategistas e firmes, enquanto eu perdia meu tempo tentando não parecer mimada e terminei sem receber a minha parte justa. De novo, isso pode não ter nada a ver com a minha vagina, mas eu não estava errada quando um outro e-mail da Sony vazou e revelou um produtor se referindo à outra atriz protagonista como ‘mimada’ durante uma negociação de contrato. Por alguma razão eu não consigo imaginar alguém dizendo isso sobre um homem”.

Novamente, MIGA, ABRAÇA! (pausa para abraço virtual e figurado em Jennifer Lawrence. SONHO!).

Jennifer Lawrence

Se você é mulher e está lendo isso agora, me diga, com toda a sinceridade: alguma vez você teve coragem de ser firme e emitir sua opinião, mesmo que polêmica ou controversa, já criticou algo, ou alguém, um coleguinha do sexo masculino, por exemplo, já foi veemente e direta, impessoal e firme sobre algum assunto em certo momento nessa sua vida, quantas vezes, sério, quantas vezes você já não ouviu as seguintes frases: “Nossa, o que foi? Tá de TPM?” ou “Tá nervosa? Não transou hoje? O marido/namorado não compareceu?”

Por quê? Deus, por quê? Você pode falar isso para um homem? Pode dizer que ele está sendo grosso mal-educado e babaca porque não transou? Ou porque está na andropausa? As pessoas vão entender seu sarcasmo e referências? As pessoas lá sabem que diabos é uma andropausa? Entendem o nível de babaquice e comportamento condicionado?

Jennifer Lawrence é uma das atrizes mais bem pagas de Hollywood. É modelo de comportamento, profissional, de beleza, de vida, para MUITAS meninas e mulheres, no mundo todo.

Mesmo assim, é mulher, gente como a gente. Sofre EXATAMENTE dos mesmos preconceitos e privações, em suas relações sociais, que sofremos, com variações de intensidade que cabem a cada caso. Acho que não se enquadram aqui comparações e reclamações babacas do tipo “mas e as crianças com fome na África?” ou “ela é só uma gringa capitalista reclamando de barriga cheia” entre outras. Isso seria no mínimo MESQUINHO. Isso seria SÓ MAIS UM MEIO de tentar silenciar essa questão tão importante que a atriz levantou, por meio de uma análise particular de seu próprio mundo, mas que reflete um problema REAL e MUNDIAL que atinge mulheres de todas as etnias e culturas: não somos consideradas iguais aos homens. Por isso ganhamos menos.

Enquanto ESTE PROBLEMA não for encarado de frente e não forem tomadas as devidas providências para que seja devidamente solucionado, Jennifers, Pâmelas, Emmas, Gabrielas, Marias, Rayannes e Joaquinas vão continuar sendo “pessoas díficeis”, queridos.

O choro é livre. Beijos.