Nova série de TV de Star Trek, agora com foco no VOD, mostra que a franquia continua liderando as novas tendências — do mundo e da cultura pop
O espaço como uma metáfora do mundo no qual vivemos, num Velho Oeste ganhando a galáxia. Essa é a versão curta pros ideais que levaram Gene Roddenberry a criar Star Trek, que se transformou em série de TV em 1966 e foi cancelada três anos depois, por conta da queda na audiência.
Teria sido o fim, não fosse uma MUDANÇA DE PARADIGMA que fez ressurgir a série na televisão. E é justamente uma mudança de paradigma que, quase 50 anos depois da estreia (e mais de 10 desde o cancelamento da última versão, Enterprise), leva a criação de Roddenberry de volta pro ar. Sim, Star Trek vai ganhar uma nova série em 2017.
Em 1971, o governo dos EUA estava preocupado com a centralização da televisão de lá nas mãos das três grandes redes: ABC, CBS e NBC. Pra acirrar a competição na produção de conteúdo, uma hora diária do horário nobre teria que ser cedida para programas feitos pelas emissoras locais que compunham as redes, para que elas produzissem conteúdo próprio.
Só que as próprias emissoras locais não sabiam o que fazer com essa hora a mais – quase sempre indo das 19h às 20h. Produzir era muito caro, por isso essas emissoras começaram ou a comprar programas de qualidade duvidosa e porcamente produzidos ou, às vistas grossas dos órgãos de regulação, comprar conteúdo antigo justamente das grandes emissoras — um costume que já existia, mas que foi intensificado e, agora, invadia o horário nobre. Era a explosão do chamado “syndication”.
Jornada nas Estrelas já surgia na programação de emissoras locais desde 1969, quando foi cancelada, mas a nova regulamentação era o que faltava pra série estar no ar em praticamente todo o país. Se nos anos 60 o público não estava preparado para aquelas histórias, nos anos 70 a situação era outra. Tanto é que a audiência já era maior do que nos tempos de NBC e era comprovado que a série aumentava o número de telespectadores de qualquer horário, de qualquer TV. Virou um clássico cult.
O fenômeno foi tão grande que tiveram que resgatar a série. Primeiro como desenho animado, entre 1973 e 1974. Depois, passaram a planejar uma nova série de TV, que seria chamada Star Trek: Phase II. A produção não foi pra frente, mas acabou virando Jornada nas Estrelas: O Filme, catapultado pelo recente sucesso de Star Wars, em 1978.
Em 1987, Jornada nas Estrelas, a original, ainda era a série mais assistida no syndication e, até então, cada episódio havia rendido US$ 1 milhão para a Paramount – revelando pra todo o mercado onde o verdadeiro dinheiro estava. Pra você ter uma ideia de como tudo isso mudou a indústria, programas de TV passaram a ser inicialmente deficitários no orçamento quando eram exibidos pela primeira vez, já contabilizando que as reprises posteriores não só iam cobrir todos os custos, como dar lucro.
Em 1994, Star Trek ainda era exibida por emissoras em 94% do território dos EUA. Tudo isso só pra mostrar como a aquela história se manteve atual e, principalmente, pode se adaptar aos mais diversos horários de programação.
No final dos anos 80 já estava ficando BEM mais caro produzir pra TV. As três grandes emissoras não topavam mais pagar a parte delas nessa brincadeira, o que fez com que os estúdios tivessem uma ideia genial: vender diretamente pras afiliadas, já que o verdadeiro dinheiro estava lá. E adivinha qual foi a primeira grande série produzida nesse novo modelo? Sim: Jornada nas Estrelas: A Nova Geração!
A Nova Geração foi uma das séries mais assistidas no syndication durante suas sete temporadas, isso numa época em que houve um verdadeiro boom do “first-run syndication”, com várias séries estreando diretamente nesse formato. Depois ainda veio Star Trek: Deep Space Nine, também seguindo a mesma linha de distribuição.
Esse modelo acabou eventualmente PERECENDO. As comédias, representadas principalmente pelas sitcoms, foram ganhando mais força no syndication, a audiência das séries de drama (de uma hora) foi despencando e enfim. Star Trek: Voyager já foi produzida para o UPN, um segundo canal aberto do mesmo grupo da Paramount, assim como Enterprise, enquanto séries como Friends rendem anualmente UM BILHÃO DE DÓLARES à Warner — ou US$ 20 Milhões a Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, Matt LeBlanc, Matthew Perry e David Schwimmer.
Friends rende US$ 1 Bilhão à Warner todos os anos por conta do syndication
De qualquer forma, ainda existe uma gorda lista de emissoras locais que exibem Jornada nas Estrelas nos EUA dando uma grana pra CBS que, depois de tantas fusões, aquisições e novas empresas, é a responsável pela distribuição e também por essa nova série que deve estrear em 2017.
Como você já percebeu, Jornada nas Estrelas ainda é um fenômeno de nicho, algo incrível, mas que se destacou principalmente quando não tinha essa pressão de atingir o mais amplo público possível, que é o que acontece quando falamos de um grande canal de TV aberta. Sim, os filmes do J.J. Abrams funcionaram para ALÉM desse nicho, mas veja bem: o que o diretor (e os produtores, incluindo Alex Kurtzman, responsável pela nova ENCARNAÇÃO) fizeram foi deixar a franquia mais pop, mais Star Wars, mais PALATÁVEL ao público em geral.
O que a CBS tá fazendo agora é juntar todo esse cenário e tacar a nova Star Trek em seu serviço de VOD, o CBS All Access. Será a primeira série original do serviço. Eles sabem que as coisas não são mais como antes, que produções originais chamam os assinantes muito mais que um catálogo ~bacaninha, e que esse é o futuro da televisão 2.0. Nada mais justo, então, do que adaptar a fórmula da Nova Geração e usar Star Trek como primogênita (pra eles) de um novo formato de distribuição, inclusive pra bater forte contra Netflix e Amazon.
“O All Access terá conteúdo original e sabendo da lealdade dos fãs de Star Trek, isso irá turbiná-lo. Existem bilhões de canais por aí e, por causa de Star Trek, as pessoas vão saber sobre o que é o All Access”, disse Leslie Moonves, presidente e CEO da CBS, na última conferência aos investidores.
Ah, sim: o primeiro episódio dessa série, se tudo seguir o que tá no planejamento, será exibido em rede nacional na CBS em Janeiro de 2017. Claro, eles sabem que a televisão aberta ainda é uma força poderosa, presente na casa de todo mundo, e querem usar isso pra atrair novos telespectadores. Não é exatamente a galera que segue aquele Jornada nas Estrelas de 1966 — ainda que esses, como já vimos, estão dispostos a hackear transmissão de Marte pra acompanhar a franquia –, mas sim aqueles que foram atraídos pelos novos filmes, ou que assistiram às séries ou filmes antigos em algum momento e não estão ligados no que anda acontecendo.
Uma força que, por exemplo, Netflix e Amazon não podem se dar ao luxo de ter e que AINDA faz alguma diferença.
Resta saber, agora, como a CBS vai fazer com essa nova série no resto do mundo. Eles já falaram que vão distribuir pra outros canais e serviços de streaming, claro. “Star Trek é uma grande franquia internacional. Nosso cara da distribuição internacional vai ficar maluco, ele não aguenta mais esperar a hora de pegar a série e ir pro mercado vendê-la”, disse Moonves.
Pensando no Brasil, a lógica diz que essa nova série tem grande chance de ser vendida para o Paramount Channel, que já tem as outras produções da franquia na TV paga, mas todo mundo sabe que isso não funcionaria lá muito bem na prática. Se te serve de consolo, na mesma conferência Moonves disse que, apesar de serem agora concorrentes, a NBC tem mantido um grau de amizade com o Netflix. Quem sabe essa amizade não fica global, com a nova Jornada nas Estrelas chegando ao Brasil (quase) ao mesmo tempo que aos EUA, né?
Quando se fala em ganhar dinheiro e audiência, como já vimos, Kirk, Spock e companhia são ótimos argumentos. ;)