Bem que avisamos: os EUA foram gostar de futebol e... | JUDAO.com.br

Em 2012, acompanhamos o principal – e que agora não existe mais – clássico do “soccer” nos EUA e avisamos para os outros países terem cuidado… Só não imaginávamos que fosse com o FBI ;)

A-Arca JUDÔNICA tem como INTUITO resgatar algumas das melhores publicações dos quase 15 de existência do Judão... e d’A-Arca. Republicaremos por aqui algum artigo, entrevista, podcast ou qualquer coisa que tenhamos feito na nossa vida que faça algum sentido nos dias de hoje. Gotta get back in time!

Em Julho de 2012, de férias pela Califórnia, me propus a fazer algo diferente: ver uma partida de futebol. SIM, diferente, porque ninguém pensa NESSE esporte quando se fala dos EUA. E eu me surpreendi ao perceber, mesmo que de um jeito um pouco diferente do nosso, os americanos estavam curtindo o “soccer” e até dando umas lições de organização para nós, brasileiros.

O que não dava ainda pra imaginar e que aquela partida, aquele campeonato, era parte de um processo ainda maior, de um esporte que começava a chamar a atenção não só dos torcedores daquele país, mas também das autoridades. Seja isso pra aproveitar esse crescimento, pra mostrar o poderio de seu sistema judiciário, para melhorar a imagem dos EUA junto aos fãs de outros países, peitar a Rússia ou apenas pra ser legal e correto... Não importa a motivação, o que importa é que são ações que estão nos devolvendo, nem que seja só um pouquinho, a crença no futebol enquanto instituição.

Vamos então voltar para 28 de Julho 2012 e rever o nosso pequeno retrato de um dos momentos de todo esse processo.

LOS ANGELES ~ Independentemente dos clichês, o brasileiro de modo geral adora futebol. Nem que seja, pelo menos, em época de Copa do Mundo. Por outro lado, outro clichê que existe é que o pessoal nos EUA não gosta muito de futebol. No máximo, torcem pela seleção feminina e olhe lá. Para desmentir – ou comprovar – essa afirmação, fui no último sábado até Carson, uma cidade na região metropolitana de Los Angeles (ou Southland, como é conhecida) para conferir de perto o principal – e único – clássico da Major League Soccer: LA Galaxy vs. Chivas USA, ou o SuperClásico, como a partida é chamada pelos torcedores [N.R.: ou era, já que o Chivas USA encerrou as atividades em 2014].

LA Galaxy

A experiência única começou no momento da compra do ingresso – e, aqui, os nossos amigos dos EUA ganharam de goleada dos brasileiros. Cerca de um mês antes da partida, acessei o próprio site do Galaxy, escolhi o jogo que gostaria de conferir e, a partir do preço que estava disposto a pagar, o setor ideal. A partir destas decisões (e do número de ingressos), o sistema informa automaticamente os assentos e eu insiro o número do cartão de crédito. Com a compra confirmada, em poucos segundos um e-mail com os ingressos em PDF chegou na minha caixa de entrada. Era só imprimir e ir até o jogo, como fazemos com uma ida ao cinema. Bem simples.

Pena que, no Brasil, a indústria dos cambistas impeça a existência de algo assim.

Antes do jogo, mais uma amostra de organização norte-americana: um e-mail foi enviado pelo Galaxy com informações importantes, incluindo horários de abertura dos portões, festa pré-partida, arrecadação de equipamentos de futebol usados para crianças carentes, notícias do time… Tudo o que você precisa saber. Ah, e há ainda na entrada do estádio uma revista com informações dos dois times e do próximo jogo do Galaxy, algo parecido com que alguns times brasileiros vêm fazendo.

O principal problema pré-jogo foi, infelizmente, a distância. Como é comum por aqui, o estádio do Galaxy (e do Chivas, já que eles dividem a mesma casa) é longe. Fica na cidade de Carson, vizinha a Los Angeles, e o transporte público para chegar até lá é muito eficiência, mas demorado. De fato, isso nem importa muito para os californianos: todos eles têm carro e o estacionamento do estádio é grande o suficiente para caber todos os torcedores. Sofre, no caso, quem não é da cidade…

Casa cheia (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

Casa cheia (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

The Home Depot Center

Ao chegar ao estádio – que recebe o nome de The Home Depot Center por conta dos naming rights [N.R.: que já foi trocado, em 2015 o estádio atende pelo nome de StubHub Center], algo que já estão começando a fazer no Brasil – fiquei surpreso com a estrutura. Apesar de não ser grande (são cerca de 27 mil lugares), ele é muito organizado e funcional. O único problema é que entrei pelo portão “errado”, já que no ingresso não havia qualquer marcação. Não tem problema: aqui todos os portões são certos, já que não existe separação entre os setores. A única coisa é que tive que dar uma volta maior pelo estádio…

Ao chegar ao meu lugar com bola rolando, uma surpresa: os acentos que comprei na segunda fileira estavam lá, vazios. Bom, surpreendente pra mim, mas algo normal para quem é daqui.

Outra surpresa foi reparar na estrutura de lanchonetes em volta das arquibancadas. São inúmeras, todas de ponta a ponta, vendendo não só o característico hot dog, mas também tacos, nachos, burritos… Tudo da culinária Tex-Mex adorada pelos californianos – e sempre em tamanhos GIGANTESCOS. No final das contas, sempre tinha alguém comprando alguma comida durante o jogo, o que faz com que o estádio não aparente estar cheio – por mais que o público total tenha sido de 25 mil pessoas.

Sim, 25 mil pessoas foram ver um jogo de futebol nos EUA.

E todo mundo quer COMIDA, claro (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

E todo mundo quer COMIDA, claro (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

A torcida

Muitos dos torcedores que foram ver o jogo eram, claro, latinos. A presença de mexicanos, outros latino-americanos e descendentes em Los Angeles é marcante. Porém, também foi possível ver muitas famílias típicas dos EUA, que vêm cada vez mais se encantando com o futebol associado – ou o “soccer”, como eles chamam. E, na real, todos ali são hoje cidadãos dos Estados Unidos, com filhos nascidos aqui e que, um dia, podem defender a seleção do país.

Agora, mesmo com tantos latinos, é impressionante ver o quanto eles torcem de forma diferente de nós, ou até mesmo dos argentinos e europeus. Para começar, ninguém xinga. Nem jogadores, muito menos juiz. É como se existisse um respeito enorme por quem está em campo.

Também é possível dizer que existem sim torcidas organizadas por aqui. Ou quase isso. No caso do Galaxy, são dois grupos pequenos e diferentes, com cada um deles ficando em uma ponta do estádio. Em quase todo o momento os dois grupos cantam músicas diferentes, mas sempre chega uma hora que as duas torcidas se juntam em um grito que une não só elas, mas toda a torcida do estádio. De um lado, uma torcida grita “L.A.” e a outra responde com “Galaxy”. É simples, inocente e bobo, mas que traz um evento incrível para uma partida que, no geral, tem esse ar inocente.

Na torcida mais próxima do local onde estava sentado (sim, sentado, e não em pé) foi possível reparar que existia uma espécie de ~animador para a torcida organizada. Quer dizer, eram dois, que iam se alternando. A mesma função existe no Brasil, mas a diferença é que este animador não ficava na arquibancada, mas sim em uma espécie de gaiola elevada na frente dela.

Chegava a ser engraçado.

A organizada tá aí no meio. Juro. (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

A organizada tá aí no meio. Juro. (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)

De modo geral, o resto da torcida não estava nos cantos das duas organizadas. Tirando, claro, a hora dos gritos de “L.A.” e “Galaxy”, além de ficarem batendo os pés no chão no ritmo dos outros cantos. Da torcida é mais fácil ouvir aplausos (a cada momento, jogada ou defesa de seu time!) e alguns gritos nos momentos que a bola ia na trave, por exemplo. Não, não houve nenhum “uuuuuuuuuhhhhh”.

Os estadunidenses podem não xingar, mas isso não quer dizer que ficam muito felizes com a arbitragem. É impressionante o quanto eles não entendem a regra do impedimento. Não que ela seja simples, claro, mas nós já nos treinamos a olhar para o bandeira quando um jogador do nosso time ou do adversário parte sozinho com a bola para dentro da área. Aqui eles não fazem isso. No primeiro tempo, em um lance do Robbie Keane, o bandeira marcou impedimento com antecedência e o juiz apitou, mas nenhum torcedor viu. Pelo jeito, os jogadores do Galaxy já sabem dessa falta de conhecimento da torcida e, por isso, sempre continuam jogadas assinaladas como impedidas. Resultado: Keane fez o gol irregular, a torcida comemorou, o telão repetiu o gol… E só aí se tocaram que o juiz estava marcando outra coisa que não aquilo que tinham ~visto.

Cuén.

Agora, o melhor momento da torcida é mesmo na hora do gol. No jogo contra o Chivas o LA Galaxy assinalou três e o ritual é sempre o mesmo: primeiro, chuva de papel picado com as cores do clube. Ao mesmo tempo, o estádio inteiro toca (e canta) Seven Nation Army, do White Stripes, no mesmo esquema da EuroCopa. Depois da música, o narrador entra em cena e grita: “LLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA GOOAAL. Scored at 14 minutes by ROBBIE”, o que a torcida prontamente responde com “KEANE”. O narrador repete mais duas vezes o primeiro nome do autor do gol, que é respondido da mesma forma pela torcida, até que ele lança um “THANK YOU” e os torcedores, em peso, retrucam com um “YOU’RE WELCOME!”.

SIM! Além de não xingar, os torcedores nos EUA AGRADECEM. o_O

Agora o principal: como o espaço para a torcida do Chivas era pequeno, havia alguns torcedores do time adversário em meio aos do Galaxy. Sem contar que não há qualquer separação entre os setores dos adversários. E tudo caminhou numa paz que é comum por aqui…

Chivas USA v Los Angeles Galaxy

A partida

Com a bola rolando, o soccer deles não impressionou tanto. Não que o nível geral seja baixo, mas é que o Chivas USA é, ainda, uma equipe que precisa muito evoluir e o LA Galaxy não está tendo uma temporada muito boa após um brilhante 2011 – quando venceram o Supporters Shield (o título da temporada regular, de “pontos corridos”, e que vale menos por aqui) e a MLS Cup (o título dos playoffs, que realmente conta como título nacional). [N.R.: por conta de uma tabela que faria os dirigentes brasileiros morrerem de inveja, classificando metade dos clubes para as finais, o Galaxy acabou sendo campeão da MLS Cup em 2012, feito que repetiu em 2014].

Com a bola rolando, pude ver que o ponto mais forte do Galaxy é o ataque, formado por Robbie Keane e Landon Donovan. Keane não está há muito tempo por aqui, mas já possui um grande entrosamento com principal jogador da atual seleção dos EUA, trocando passes e fazendo jogadas bonitas plasticamente. Mais atrás fica David Beckham, que, infelizmente, não tem mais a mesma disposição de antes. Ainda assim, o inglês se esforça em campo e, eventualmente, enfiou grandes bolas para os atacantes aproveitando a linha de impedimento mal feita pelo adversário.

Ainda no meio, o brasileiro Juninho faz um bom trabalho completando a armação das jogadas ao lado do Beckham. Só que o problema é, infelizmente, do meio para trás. A marcação da defesa é muito inocente e, mesmo com a falta de capacidade técnica do adversário, não conseguia roubar a bola com muita facilidade. E, quando conseguia, o meio de campo não tinha a velocidade suficiente para municiar o ataque, este sim muito rápido.

No final, o jogo foi 3 a 1 para o LA Galaxy, que seguiu em quinto na Conferência Oeste da MLS – que é justamente o último lugar para se classificar aos playoffs. Aqui vão os ~melhores momentos da partida:

Uma observação após ver este vídeo: os estadunidenses precisam aprender a editar melhores momentos. Têm umas duas grandes jogadas da dupla Keane/Donovan que não estão aí, além de uma boa na trave…

No final da partida, mais uma grande demonstração de organização. O narrador e o telão do estádio foram apresentando alguns destaques da noite, o melhor jogador (que foi o Donovan) e, principalmente, a promoção na loja oficial do time. O terceiro uniforme, usado no dia, estava em promoção. Não preciso nem dizer que as lojas (são pelo menos umas quatro ao lado das lanchonetes) estavam cheias de torcedores após o apito final.

Apenas para não sentir muita falta de casa, encontrei bem longe do estádio, após o enorme estacionamento, dois ambulantes vendendo comida mexicana e, claro, espetinhos de carne, frango e linguiça, aproveitando que as lanchonetes do estádio ficam fechadas após o fim da partida. É, não existe futebol sem o bom e velho filé-miau.

Cuidado: eles estão chegando!

O soccer deles pode ser ainda inocente, sem tanta plasticidade, sem contar os torcedores ainda leigos nas regras do esporte – e que não conseguem entender a falta de paradas para comprar um lanche no meio da partida. Ainda assim, o SuperClásico mostra que o futebol está crescendo nos EUA e que uma parte importante, que é a organização, eles já têm. A presença constante de jogadores internacionais, como Beckham e Keane, e a formação de ídolos locais, como o Donovan, fortificam isso e vão criando a base para um campeonato nacional e uma seleção mais fortes.
É só você lembrar a final da última Copa das Confederações para entender o que estou falando.

Nas lojas oficiais do estádio, era fácil ver muitos pais comprando bolas de futebol do Galaxy para seus filhos pequenos.

É, é bom se preparar. Eles (finalmente) estão chegando.

ps. Pra quem quer ver um pouco mais da MLS, agora em 2015 os jogos estão sendo transmitidos pro Brasil na ESPN e no SporTV. ;)