Pesquisa mostra que os 100 filmes mais vistos em 2016 nos EUA pouco refletem a sociedade do próprio país – e há ainda um longo caminho pela frente para conseguir isso
Moonlight, o melhor filme do Oscar 2017. Muito justo. Mas é uma exceção na indústria do cinema norte-americana. É o que indica um estudo feito pela Universty of Southern California e divulgado esta semana pela agência Associated Press. Pela frieza dos números, a diversidade de Hollywood ainda está muito distante daquela do mundo real.
O estudo, iniciativa de diversidade e mudança social da escola de comunicação e jornalismo da USC, foi feito a partir dos 100 filmes mais populares na bilheteria de 2016 e, basicamente, se divide em duas partes. A primeira é bem simples: pegou os grupos das chamadas “minorias” e analisaram quais estavam presentes como personagens com falas nessas histórias. Nessa conta, eles analisaram um total de 4.583 personagens.
Desses 100 filmes, todos tinham mulheres com alguma fala. Mas 38 não tinham deficientes, 54 eram sem UM personagem latino que fosse com alguma fala, 76 (SETENTA E SEIS) não tinham personagens LGBT, 44 eram sem asiáticos e 25 não tinham personagens negros inseridos em algum diálogo.
“Ok, mas nem todas as histórias vão enquadrar todos os tipos de personagem”, alguém poderia comentar. Tudo bem, nem vamos entrar no mérito dessa questão, mas é justamente aí que entra a segunda parte do estudo: comparar a presença de personagens com falas com a composição da população americana, a partir dos dados do censo local. Não é comparando com um mundo ideal nem nada disso, é com a REALIDADE. Gente que tem uma voz do lado de cá da tela do cinema e, óbvio, deveria ter a mesma voz do lado de lá também.
E aí tudo fica mais preocupante.
As mulheres, por exemplo, representam 50,8% da população dos EUA – mas, nos filmes, elas representam 31,4% dos personagens com falas. Entre as pessoas com algum tipo de deficiência no mundo real, o número é 18,7% – e, nos filmes, somam apenas 2,7% dos personagens com algum diálogo.
No caso de Latinos e LGBT, a coisa piora ainda mais. O primeiro grupo representa 17,8% da população, mas tem apenas 3,1% dos personagens falantes. O segundo é 3,5% da população, de acordo com o censo, mas se resume a 1,1% de quem fala no cinema.
Ao menos em uma parte da conta o estudo encontrou um equilíbrio: os asiáticos são 5,7% da população e 5,7% dos personagens com algum diálogo nos filmes estudados, enquanto os negros representam 13,3% da população e 13,6% dos elencos. Porém, quando você junta dois critérios, o número cai
Esse estudo é repetido anualmente, desde 2007, e o pessoal que cuida dele está bem frustrado. “Todos os anos esperamos ver alguma mudança real, mas infelizmente essa esperança não se realizou”, disse Stacy L. Smith, professora da USC e responsável pelo estudo, em entrevista para a AP.
Quando tentamos qualificar um pouco mais os dados, dá para entender a frustração da pesquisadora. Veja: dos 100 filmes, apenas 34 tinham uma mulher protagonista ou coprotagonista. Além disso, apenas cinco mulheres dirigiram os 100 filmes mais vistos de 2016.
Aliás, sabe qual foi o único filme da lista com um protagonista gay? Moonlight. A grande questão é que filmes assim – ou como Mulher-Maravilha e Corra! – ainda é exceção, como sempre foram, e não a regra.
Moonlight foi o único filme com protagonista LGBT entre os 100 mais vistos de 2016 nos EUA
Dá sempre pra piorar, obviamente. “Se você cruzar gênero com etnia, os números caem bastante para mulheres”, diz Stacy. Dos 100 longas da lista, 47 não tinham mulheres negras com diálogos, 66 sem mulheres asiáticas e 72 sem uma latina em algum diálogo.
E nem podemos nos agarrar a algum crescimento histórico, na linha do “tá ruim agora, mas tava pior antes”. A representação feminina é quase a mesma desde 2007, por exemplo. Entre 2015 e 2016, aumentou o número de produções sem latinos. Está tudo quase na mesma da edição 2014 do estudo, que também foi notícia aqui no JUDÃO.
Como não basta apenas apontar os problemas, a USC tem também algumas recomendações para os executivos de Hollywood. Entre elas, ter cinco personagens femininas com falas em cada filme grande e encorajar os astros a ter cláusula de equiparação salarial em seus contratos. Outro ponto é consultar mais as minorias e ouvir mais as diretoras mulheres.
“Diversidade não é algo que simplesmente acontece”, disse Katherine Pieper, outra pesquisadora que participou do estudo. É algo pelo qual toda – toda – a indústria do entretenimento precisa lutar. Afinal, já batemos nessa tecla: diversidade importante e os resultados dela não só mostram que se pode ganhar mais dinheiro, mas também fazer deste mundo um lugar um pouco melhor.