Bluesman é o álbum que precisávamos ouvir nesse exato momento | JUDAO.com.br

Segundo álbum de Baco Exu do Blues traz uma jornada de autoconhecimento e de lições sobre como é viver e criar no país que nada faz pra parar o genocídio da cultura e população negra.

Baco Exu do Blues chamou minha atenção pouco tempo depois do lançamento do seu primeiro álbum, Esú, em setembro do ano passado. Foi por conta de Te Amo Disgraça e aquele tanto de rimas sinceras sobre a vida que eu conheci esse trabalho LINDO, mas mal sabia eu que o álbum seguinte seria ainda mais honesto, importante, político, autêntico e musicalmente maravilhoso.

“Eles querem um preto com arma pra cima / Num clipe na favela gritando ‘cocaína!’ / Querem que nossa pele seja a pele do crime / Que Pantera Negra só seja um filme / Eu sou a porra do Mississipi em Chamas / Eles têm medo pra caralho de um próximo Obama / Racista filha da puta, aqui ninguém te ama / Jerusalém que se foda eu tô a procura de Wakanda” diz o trecho final de Bluesman, que abre tudo. Ela mal começa e já coloca nos nossos ouvidos um sample MUITO bem usado da música Mannish Boy, do Muddy Waters, que fala sobre como o eu-lírico é homem crescido, não mais um garoto. Ele quer falar sobre paixão. E não só sobre a paixão romântica de um casal, mas também sobre a paixão pela vida, sua e de quem importa.

Em Queima Minha Pele, partimos pra uma outra face desse sentimento: a intensidade. Ouvimos sobre um relacionamento que, de tão brilhante, queima. De tão radiante, cega. E que sofre com isso. Essa canção conversa diretamente com a seguinte, Me Desculpa Jay-Z, que, por sua vez, mostra um narrador cansado de sua própria instabilidade emocional. “Eu não gosto de você, não quero mais te ver / Por favor não me ligue mais / Eu amo tanto você / sorrio ao te ver / Não me esqueça jamais”, diz, absorto em sua própria dualidade de quem ainda não sabe dar fogo sem queimar tudo ao seu redor. Parece contar sobre a dor do processo de crescimento e amadurecimento, junto com o medo enorme do autoconhecimento. É bem foda e, ao mesmo tempo, incômodo.

Com o autoconhecimento, vem o enfrentamento. De quem você é, como age e como te enxergam. E Minotauro de Borges traz picos e quedas emocionais: uma grande euforia no começo, especialmente falando sobre como se sobrevive e resiste a violência racial extrema que nunca o deixa respirar em paz, com um graaaande ponto depressivo no final. Já Kanye West da Bahia segue a linha da auto análise, usando também pontos chave sobre como é ter uma carreira e ser uma referência, as pressões que sente do público e de si, usando a imagem de Kanye West, cheio de autoestima, pra dizer que basicamente que FODAM-SE os outros. “Não me chame de preto bonito / Preto inteligente / Preto educado / Só de pessoa importante / Seu rótulo não toca na minha poesia / Eu sou o Kanye West da Bahia”.

Flamingos e Girassóis de Van Gogh voltam pra falar de amor, finalmente entregando toda sua intensidade. É como se ele entendesse como fazer queimar as coisas certas com o fogo que tem. É importante frisar: Baco fala de sexo com muito prazer. Sem aquela bobajada machista HIPER COMUM que sempre trata a mulher como servente. Ele quer falar de sexo, não de orgasmo. Quer falar de proximidade, de calor, de pele, de suor, de troca. Da experiência toda, de todas as práticas, do durante, da pessoa que está ali com ele. É bonito demais, demais.

As canções finais do álbum são as mais fortes. Preto e Prata é um SOCO que me fez falar “CARALHO!” assim que começou. Ele usa uma FODA metáfora sobre a prata, que é explicada no filme oficial lançado. A prata é abundante, brilhante e preciosa. E vem a pergunta: “Por que o ouro é tão querido e a prata, subvalorizada?”. Após explicar que o ouro é mais difícil de ser encontrado, conecta os assuntos dizendo que, assim como a prata, a população negra é bem maior que a de brancos no Brasil. “Temos menos valor por ser maioria? A ironia da maioria virar minoria”.

BB King, música final, conclui: Baco é rei. Baco é deus. Baco é a porra que ele quiser, pois pertence somente a si. Fala sobre como tudo o que viveu, sofreu e correu fez dele dono da própria vida, pra raiva de quem o odeia. Sua autoestima, renovada e estruturada, é resultado de um processo de conhecimento. Aceitação. E uma força fora do comum e ridiculamente inspiradora.

Piva, nessas ruas eu me sinto rei
Eu vivi, eu caí, eu me consertei
Sou resultado das pessoas que eu amei
Eu bebi eu transei eu me transformei
Três nove na camisa e eu me sinto um rei

Baco tem muito tesão. Pela vida, pelo sexo, pelo amor. Pela sua existência e a resistência que é uma pessoa negra estar viva. Viva, bem, ganhando dinheiro, fazendo shows. Sendo famosa. Vendendo álbuns que cantam sobre a ameaça que traz um branco com medo de perder seus privilégios. Fazendo uma música que pulsa. Diogo Moncorvo, que é o Baco, sente que viveu coisas demais, amadureceu e tá a fim de gritar isso e MUITAS outras verdades pro mundo todo ouvir.

E, puta merda, como o mundo precisa ouvir.