Belo Horizonte, terça-feira, 08 de Julho de 2014, 17:16.
Martins Mosca assistia pela TV, já desinteressado, a semifinal da Copa do Mundo de 2014. Ela acontecia ali, na sua cidade de Belo Horizonte, mas ele estava em casa, vendo sozinho o jogo. Finalmente, quando James Rodriguez fez o gol de empate da Colômbia, vencendo Neuer com um belo chute no ângulo, Martins desligou a TV. Tinha sido muito para ele. Durante meses havia antecipado aquele dia 28 de junho. Comprou seu ingresso com meses de antecedência, um ótimo lugar, na saída do túnel dos jogadores, e torcera como nunca para o Brasil ser o primeiro de seu grupo e jogar as oitavas contra o segundo do grupo B no Mineirão, naquele jogo que ele estaria assistindo. Tentou também comprar o ingresso para a semifinal, mas foi concorrido demais e não conseguiu. Mas tinha certeza na época que quando o Brasil chegasse à semi, daria um jeito de conseguir ver também. Esperava Espanha ou Holanda, mas com os resultados malucos, o Brasil enfrentaria o Chile. Melhor ainda, freguês histórico nosso, não tinha como dar errado.
Mas tudo dera errado. Não conseguia esquecer. Seu lugar era ótimo mesmo, a ponto de ter cumprimentado os jogadores chilenos enquanto eles entravam em campo para a execução dos hinos. O jogo seria difícil, todos sabiam, mas ninguém conseguira prever o requinte de crueldade de ser eliminado em casa, nas oitavas de final, com um gol aos 14 minutos do segundo tempo da prorrogação. Era vexame demais, não podia ter sido pior, pensou Martins pela enésima vez, enquanto ia para seu quarto tentar dormir.
No caminho, mais uma vez as luzes da casa piscaram, com a flutuação de energia elétrica. O que seu tio estaria fazendo dessa vez? Foi ao laboratório dele, na parte de trás do terreno, e colocou a cabeça pela porta:
“O que houve por aí, tio?”
“Eu consegui! Eu consegui!”, berrava o tio enquanto tirava a cabeça de um equipamento que mais parecia um secador gigante de cabelo, daqueles antigos de salão de beleza.
“Conseguiu o quê? Secar o cabelo? Mas o senhor nem cabelo tem.”
“Que cabelo? Essa é minha máquina do tempo!”
“Como assim, tio?”, estranhou Martins, entrando no laboratório e observando o aparelho com algum interesse. “Máquina do tempo?”
“Isso mesmo, menino! Acabo de voltar de 1995, onde consegui impedir aquela briga enorme, quando sua tia me largou e saiu de casa!”
“Briga? Que briga?”
“Exato! Ela não aconteceu mais! Que maravilha!”
“Pera, tio, você tá me dizendo que voltou no tempo e alterou algo que já aconteceu?”
“Isso mesmo! Na verdade, a máquina projetou a minha mente para o meu corpo de 1995, onde eu consegui impedir sua tia de comprar aquele rolo de macarrão que causou tudo!”
“Rolo de macarrão? Tio, acho que isso tá meio Dias de Um Futuro Esquecido demais, não?”
“Longa história, e que agora é ficção. Pensa, agora podemos voltar no tempo e alterar as coisas. Segundas chances, Martins! Não é maravilhoso?”
“Mas e depois? O senhor ficou lá para ver o que aconteceu?”
“Na verdade, não. A viagem dura umas 4 horas, mais ou menos. Após esse tempo, o continuum espaço-tempo fica instável e a mente da pessoa volta para onde partiu.”
Imediatamente Martins teve uma ideia. Tinha que funcionar.
“Tio, agora é a minha vez! Quero voltar para dia 28 de junho, umas 12:45. Funciona?”. Ele sabia a data de cor.
“Dez dias atrás? Tem certeza? Não quer mudar nada mais antigo?”
“É isso que eu quero, tio. Vai dar certo! Vou ser um herói nacional!”
Alguma configuração depois, Martins entra no aparelho e seu tio começa a apertar alguns botões. Inicialmente nada parece funcionar, mas de repente ele sente uma tontura.
“Tio, acho que isso está me fazendo mal. Não estou me sentindo bem. Tio, tio?”
Martins abre os olhos e o inimaginável é real. Ele está de volta ao Mineirão, a torcida vibrando enquanto aguarda o início do jogo. Ainda atordoado, ele tenta pensar no que fazer. Os bancos de reservas ainda estão vazios, e ele vê, ao fundo do túnel, os jogadores se dirigindo ao campo.
“Pensa, Martins, pensa! O que eu posso fazer?”
Os jogadores chilenos vão chegando e ele vê ao longe o carrasco. Nunca esqueceria seu rosto, após tantas entrevistas, fotos, reportagens com o novo Ghiggia, o homem que calou uma nação na Copa do Mundo em casa. Lembra-se então de ter tocado as mãos de alguns jogadores na entrada do jogo. Quando Pinilla chega perto dele, ele agarra a mão do chileno e segura forte.
“Qué pasa, boludo? Largame!”
Um pequeno tumulto se inicia, os seguranças se aproximam, mas Martins tenta puxar o chileno para a arquibancada. Aos trancos, o jogador se desvencilha xingando, e dando uns passos para trás, tropeça no tripé de um fotógrafo e cai. Imediatamente, levanta-se xingando e batendo o pé direito no chão repetidas vezes, depois segue para o banco de reservas.
O jogo começa, e Martins já sabe tudo que vai acontecer. Pensa se pode fazer algo diferente, mas agora ele é apenas um espectador amaldiçoado, sabendo tudo que vai ver. E tudo acontece conforme previsto: o gol de David Luiz de cabeça, o empate do Chile naquela bobeada no lateral, o segundo tempo tenso mas sem gols. Aos 41 do segundo tempo, o carrasco entra em campo, conforme ele sabia que aconteceria. Martins não conseguia mais ver o jogo, pensando em como poderia tentar de novo outra vez. Atacar o ônibus do Chile a caminho do estádio, talvez. Seria preso, mas evitaria o vexame, e isso que era importante. Olhava no relógio e pensava se a previsão de 4 horas do tio era real, e quanto faltava para voltar.
Prorrogação. O sofrimento. Os lances perdidos. A torcida se preparando para a emoção dos pênaltis, sem saber do que a aguardava. Próximo ao fim do jogo, o lance que tantas vezes ele havia visto, e que não aguentaria ver ao vivo novamente. Quando Pinilla domina pela esquerda e toca para Sanchez, Martins fecha os olhos. Segundos depois, um UUUUUHHHHH!
Ele abre os olhos sem entender, a tempo de ver a bola subindo. Como assim? Olha para o carrasco e vê ele novamente batendo o pé direito no gramado, como se algo o incomodasse. Não era possível! Ele tinha conseguido! Olhou para o relógio quando o juiz apitou o final do jogo, dessa vez torcendo para que as 4 horas não chegassem antes do final dos pênaltis.
Pinilla bateria o primeiro pênalti do Chile, logo depois de David Luiz converter o seu. Martins prestava o máximo de atenção nessa parte da História que lhe era totalmente desconhecida. Pinilla bate, e erra. Ele comemora como um louco: ninguém saberia, mas ele tinha salvado o Brasil de um vexame histórico. Bastava vencer nos pênaltis, e já estava 2×0 após a cobrança de Marcelo quando ele começou a sentir novamente a mesma tontura. Ah, não, pensou, não é possível!, não vou ver o final do jogo?
“Tio, tio, acho que eu consegui!”, ele abriu os olhos gritando. Estava de volta ao laboratório, mas não havia ninguém em volta. A casa estava no mesmo silêncio de antes. Olhou no relógio, 17:28, a mesma hora que tinha saído. Teria sido um sonho? Martins volta para a sala, vê seus tios encarando a TV, e ouve a frase que o assombraria para toda a vida: “E lá vem eles de novo, olha só que absurdo!”
Demorou alguns segundos para Martins cair na nova realidade. Ele não podia acreditar no que tinha feito.
Pra não concorrer com Mulan, Bill & Ted 3 vai estrear em VOD mais cedo: 28 de Agosto! https://t.co/Bu3VBYYW8X