RESENHA! Glory, de Britney Spears

Com novo álbum, talvez o mais diversificado de sua carreira, a cantora chega aos 35 anos explorando o que tem de melhor e mais tranquila em não precisar ser a Princesa do Pop

Chega a ser irônico que o disco anterior de Britney Spears, lançado em 2013, soe tão pouco representativo do que a cantora é nos dias de hoje — ainda que seja batizado com seu próprio nome, Britney Jean. Apesar de um ou outro destaque (como a ótima Alien, talvez uma das grandes canções da sua carreira), o álbum produzido pelo estrelado Will.i.am era focado em baladinhas chorosas e morosas, que estão longe de ser exatamente o forte da cantora.

Pra mostrar quem ela é de verdade, explorando seu real potencial pop, neste momento em que está prestes a completar 35 anos de idade, ela precisou optar pelo equilíbrio. E num lugar entre o pop eletrônico mais insano e porrada das pistas de dança (como o de Toxic, por exemplo) e o pop suave, macio e teen de Baby One More Time, Britney se achou e mostrou ao mundo o seu potencial num cenário em que dezenas de jovens divas pop sonham com o lugar que um dia foi dela. Jovens divas pop que, aliás, se inspiraram nela da mesma forma que ela se inspirou em uma certa Madonna.

Glory, seu recém-lançado álbum, o nono de sua discografia, é aquele definitivamente mais diversificado, mais cheio de pequenas experimentações e momentos de ousadia.

Como a própria capa entrega, esta é uma Britney talvez mais ensolarada. Menos noturna. Menos boate de Las Vegas e mais luz das praias da Califórnia. É uma pegada bem mais suave, com menos candidatos potenciais a hits das paradas de sucesso. E tudo bem com isso. Não é Lady Gaga. Mas também não é Katy Perry. Se antes tínhamos Britney lutando com Christina Aguilera para ser Madonna, hoje temos Britney lutando para ser só Britney. Sempre sexy, sempre provocante. Mas do seu próprio jeito. É um disco, antes de mais nada, JOVIAL. O que é importante porque revela uma Britney que ainda tem bastante lenha para queimar no mundinho pop.

GloryGlory é uma declaração de intenção. É um “ainda estou aqui e ainda posso ser bem foda”. Abrir o disco com Invitation e depois com Make Me..., dueto com o rapper G-Eazy e escolha (equivocada) para primeiro single talvez não tenha sido exatamente o melhor indicativo do que esta produção REALMENTE quer dizer. É sofrência demais. Mas basta escutar, por exemplo, a ótima What You Need, na sua pegada meio soul, meio Motown, na qual Britney se expõe e desnuda completamente. Sua voz se transforma em protagonista. Sabemos que a extensão vocal da Srta. Spears não é das mais poderosas. E ela se arrisca mesmo assim. E funciona que é uma beleza.

Claro que, como de costume, sua voz passa pelo tratamento eletrônico usual, mas sem exageros. O tom está adequado e, portanto, dá pra sentir uma Britney Spears mais presente em seu próprio disco, o que dá a ele naturalmente uma cara mais pessoal, entre teclados, palminhas, dedos estalando e até mesmo um pouco de guitarra, vejam vocês.

Em Private Show, um monólogo numa vibe meio “música pra fazer strip-tease”, ela experimenta uma pegada mais hip hop, assim como acontece em Love Me Down e Just Luv Me. Mas não imagine aqui uma Nicki Minaj ou nada do gênero. Pense num hip hop minimalista, reinterpretado e reprocessado dentro de um universo Britney Spears de ser.

Clumsy é uma delícia, começando numa pegada meio cabaré e depois caindo numa vibração poderosa e sacolejante. Uma espécie de electro-rock, Do You Wanna Come Over tem um violãozinho bem sacana, que em Change Your Mind volta com um sabor latino, uma batida quase de música espanhola. Slumber Party, talvez a letra mais quente e provocante de toda a obra, ousa brincar com uma camada suavemente reggae, enquanto Liar tem lá seus momentos meio blues (juro!) e If I’m Dancing lembra o pop cheio de estranhezas desconstruídas de nomes como M.I.A.

Dá pra imaginar que tudo isso é Britney Spears? É sim. E soa totalmente natural, eu diria. Simplesmente acontece e você se pega envolvido, curtindo, tanto quanto ela. Britney está aqui sendo e fazendo pop. E sem se preocupar em duelar pelo pop. Já é um excelente começo.

Quando participou, dias antes do lançamento oficial de Glory, do Carpool Karaoke de James Corden, Britney parecia tão bem, tão relaxada, tão tranquila, que nem se preocupou em cantar a própria música tocando no rádio. Tô aqui, tô na boa, mais de bem com a vida. Ela não está interpretando uma persona — ela está SENDO esta mulher decidida, intensa, que lida bem com a própria sexualidade, com o passado e o futuro. Este é bem o espírito de Glory. Dá pra ver mais Britney Spears do que o trabalho de seus produtores. Dá pra sentí-la envolvida em tudo.

E, antes de qualquer coisa, dá para sentir que Glory é Britney Spears se divertindo pra caramba. “That was fun”, diz ela, ao final de What You Need. Foi mesmo, moça. Bastante. Pra você e também pra nós. ;)