Carnaval em tempo de crise: festejar ou chatear? | JUDAO.com.br

Ser ou não ser folião, eis a questão.

Carnaval, Carnaval, Carnaval. Eu fico triste quando chega o Carnaval. A bipolaridade da canção de Luiz Melodia sobre a festa que fecha as portas de correr do país por quatro dias é a marca desta época do ano.

Em tempos de crise, e em raros momentos da história da sociedade como a conhecemos, não estivemos em meio a alguma crise que aniquila o pobre, empobrece o médio e enriquece os bancos, a dicotomia entre festejar ou chatear quem festeja é uma das grandes chatices que batem na borda dessa piscina lotada à la Sesc Itaquera em dia ensolarado que chamamos de vida social, que, pode acreditar, não começou com as redes sociais.

Fugir à farra é besteira, arrisco meter o bedelho, a não ser em caso de amor desfeito. Aí a jaca é opção que merece ponderação, enfiar ou não o pé nela? Ser ou não ser folião, eis a questão. Eu aconselho assumir os riscos e, na pior das hipóteses, misturar o vômito às lágrimas quando terminar o cortejo do último bloco já na beirada da quarta-feira de cinzas.

Zoar ou não zoar? Por sorte ou azar, nunca precisei me questionar sobre isso. Desde a mais tenra idade, lá estava eu pulando na rua como pipoca na panela, não aquela de microondas, transgênica, que cheira a fraude, ou mesmo a gourmet, com azeite trufado, que ilude e não enche barriga, mas ao natural, com manteiga no fogo e sal a gosto.

Muitos alegam religião, ideologia ou alguma doutrina como impedimento para se recusar a fritar a moral e os bons costumes no granito quente de sol onde normalmente só passam os carros, sempre que o engarrafamento permite. Ainda assim, eu insisto, a balada vale o risco de passar uma temporada na sauna do capeta.

No salão ou na rua, desde a pré-adolescência, essa idade que não existe, criação mequetrefe do mercado que é, eu já escondia chinelo em arbusto, juntava os trocos pra pegar uma cervejinha, e desandava a bailar, me enrolar eventualmente com alguma mina caridosa e praticar outras atividades pouco lícitas, mas tão naturais ao festejo.

Botava, enfim, o bloco na rua, tal qual canta minha honorável rainha, Maria Alcina, citando os versos bêbados e penosos de Sérgio Sampaio.

Não bastasse a bagunça e o samba, presente maior que o feriado mais esperado do ano proporciona a esta nação muito louca, Carnaval é também o nome da travesti que pariu a Tropicália, o Mangue Bit, os Novos Baianos, A Cor do Som e mais um monte de joias raras.

Encontro dos tambores sofridos dos africanos com as orquestras dos algozes europeus, acrescido de uma pitada de pintura, nudez e dança redundante indígenas, os ritmos carnavalescos são a trilha sonora de um raro momento, quando nos permitirmos admitir os animais que somos. Do carimbó ao maracatu, do frevo ao samba sincopado, do axé às marchinhas, somos apenas cenário sacolejante conduzido pela música e pela jaca.

Ah, sim, e pela zoeira. Sem os trocadalhos; as rimas sacanajeiras (essa eu roubei dos manos do Hermes e Renato); a galera travestida; as fantasias; as ruas fechadas; o emprego colocado em segundo plano, que é o lugar dele; a fila do xixi, onde fazemos grandes amizades que durarão até que o primeiro entre no banheiro químico; a barganha com o vendedor de cerveja; além da estrada, para aqueles que vão viajar com a galera rumo à melhor bagunça da vida, do universo e tudo mais.

Todas as cidades já estão em chamas, conduzidas por um desejo voraz. Quem avisa é a pernambuquíssima Banda Eddie, contemporânea dos monstros Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre SA.

Quem vai dizer que não?

Aliás, quem vem? Eu vou. Bora noise.