A carta aberta de Roy Thomas pra DC sobre créditos e pagamentos | JUDAO.com.br

Roteirista mostra um OUTRO LADO da conversa sobre como os estúdios compensam (ou não) os criadores pelos personagens que agora tão bombando nas telinhas e nas telonas

A gente sabe bem que o esquema de trabalho da Marvel e da DC com a maior parte de seus roteiristas, desenhistas, coloristas, letristas, arte-finalistas, capistas e demais ISTAS não é exatamente dos melhores. “A indústria dos quadrinhos é feita de freelancers”, contou a Chelsea Cain, depois que passaram a canetada no seu gibi do Visão. “Certamente qualquer gibi da Marvel ou da DC é o trabalho de diversos freelancers. (...) Basicamente, cada HQ americana que você pega na mão é feita por alguém sem plano de saúde. Eu já disse isso antes, mas esta indústria é um processo judicial em grupo esperando pra acontecer”.

Da mesma forma, a gente sabe que esta relação de trabalho também se amplia para a questão dos créditos (aqueles que, quando vão parar nos letreiros, sejam eles impressos ou audiovisuais, valem algum dinheiro) pelos personagens criados. O cara vai trabalhar na editora, inventa um personagem novo pros Vingadores, o diacho do herói explode em popularidade e, bom, foda-se né, ele é propriedade intelectual da Marvel, lá vai ficar, para eles vai lucrar, e o sujeito freelancer que lide com isso. Só que gibi é gibi. Série é série. Filme é filme. Desenho animado é desenho animado. E por aí vai. E se um Miles Morales acaba num filme tipo o Aranhaverso e pinta um “created by Brian Michael Bendis e Sara Pichelli”, a lei demanda que uma graninha também pinte na conta de ambos para remunerá-los pela criação intelectual.

O caso é que nem sempre isso acontece. Que o diga o Jim Starlin que, antes de ficar de bem com a Marvel Studios, reclamou um bocado de como era tratado pelo estúdio como criador de seu vilão máximo até o momento, o titã louco Thanos. “Joss Whedon e sua equipe fizeram um ótimo trabalho e eu estou louco pra ver a continuação, por razões óbvias. Mas tive que pagar meu próprio ingresso pra ver o filme. Compensação financeira para os criadores dos personagens não parece fazer parte da equação”, disse ele, pouco depois de assistir ao primeiro filme da superequipe, aquele com o queixudo roxo na cena pós-créditos.

Junte a esta reclamação bastante direta um papo de bastidores sobre um potencial processo judicial e também a chegada de um cheque da DC Entertainment pela utilização de Anatoli Knyazev, o capanga russo de Lex Luthor em Batman vs Superman que, nos gibis, se torna o vilão KGBesta – criação de Starlin. E o valor era bem do polpudo. “Recebi um cheque da DC muito maior do que qualquer coisa que tenha vindo da Marvel pelas aparições do Thanos, da Gamora e do Drax em todos os filmes combinados”. Starlin, no fim das contas, entrou num acordo com o estúdio, que inclusive o convidou para ir acompanhar as gravações de Guerra Infinita e fazer até participação especial em Ultimato (ele está na sessão de terapia em grupo com Steve Rogers).

“Queria ter uma fatia do Thanos maior do que tenho, mas depois do primeiro Vingadores, eu e a Marvel renegociamos algumas coisas. Não estou me tornando o próximo Bill Gates, mas tô pelo menos tirando um pouquinho disso”.

Na fila das justíssimas reclamações, no entanto, acaba de entrar ninguém menos do que Roy Thomas. O lendário roteirista da Marvel Comics, o homem das HQs clássicas do Conan, primeiro sucessor direto de Stan Lee no papel de editor-chefe da Casa das Ideias. Mas a treta de Thomas, curiosamente, é com a DC, conforme ele deixa claro numa carta aberta, compartilhada inicialmente com os caras do Bleeding Cool.

“A gente escuta falar bastante nos dias de hoje sobre como as grandes empresas estão mais esclarecidas nas questões de créditos para criadores e pagamentos. E isso provavelmente deve ser verdade, até certo ponto. Certamente, nenhuma situação deve ser perfeita”, diz ele. “Mas estou muito satisfeito com o meu relacionamento com a Marvel nos últimos cinco anos, estivesse eu ou não sendo chamado pra efetivamente escrever pra eles neste período”. Ele afirma que, infelizmente, é forçado a admitir que seu relacionamento com a DC Comics (“ou DC Entertainment, eu suponho, nos dias de hoje”) acabou se tornando um quebra-cabeças nos últimos anos.

Thomas confirma que recebe pagamentos, de tempos em tempos, pela reimpressão de HQs que escreveu pros caras na década de 1980, quando saiu da Marvel por conta das tretas com o editor-chefe seguinte, Jim Shooter. O roteirista escreveu Batman, Mulher-Maravilha, Legião dos Super-Heróis, Sociedade da Justiça da América... “E fico feliz de inclusive fazer as introduções das reimpressões em capa dura. Mas a DC continua a me barrar no que diz respeito a algumas das mais importantes co-criações que fiz para eles na época. Especialmente no que diz respeito a Hazard e Artemis, vilãs que apareceram na edição 34 de Infinity, Inc., co-criadas por mim em parceria com minha esposa Dann e com nosso desenhista na época, Todd McFarlane”.

Pra quem não sabe, Infinity, Inc. era uma superequipe de jovens heróis composta por filhos e/ou parceiros dos medalhões da Sociedade da Justiça, tornando-os uma versão do que eram os Jovens Titãs originais para a Liga da Justiça.

Em dado momento, as duas garotas que Thomas criou começaram a aparecer em outras mídias. Hazard esteve recentemente na série do Flash, enquanto Artemis tornou-se protegida do Arqueiro Verde tanto numa versão modificada em Arrow quanto na animação Young Justice, atração na qual virou uma das personagens favoritas dos fãs. Aí, Roy Thomas foi trocar uma ideia com as pessoas certas na DC para perguntar que tipo de pagamento poderia esperar por aquilo. “E aí me informaram que aquelas personagens não contavam como MINHAS criações”. Mas a explicação dos caras é a melhor (ou pior, dependendo do ponto de vista) coisa desta história toda.

Como a Hazard é neta de um vilão da Era de Ouro chamado Jogador (além de irmã da segunda versão do personagem, que assumiu a mesma identidade do avô), e como a Artemis é filha de um casal de criminosos da mesma época, Paula Brooks (Tigresa, que depois se tornaria Caçadora) e Crusher Crock (Mestre dos Esportes), nenhuma das duas poderia ser considerada uma criação “original”. Seriam ambas apenas “derivadas” dos vilões clássicos. “Eu fiquei ESTUPEFATO. Afinal, a Hazard não tem virtualmente NADA em comum com o avô. O Jogador não tinha superpoderes, era só um cara que fazia truques com jogatina e se vestia igual ao mascote do KFC”. Ele reforça ainda que o nome da personagem é diferente, nem dá pra dizer que ela tentou trazer a identidade da família, e Rebecca Sharpe ainda tem superpoderes: poderes psiônicos que mexem com as probabilidades, podendo causar sorte ou azar. Ou seja...

O mesmo valia pra Artemis, que tinha ainda MENOS em comum com os pais, em especial com o Mestre dos Esportes. “A Tigresa/Caçadora talvez tenha usado arcos e flechas nas histórias antigas, mas não era primordialmente uma arqueira como a Artemis”. Thomas insiste que, especialmente nos desenhos animados, estavam lá, os famigerados créditos criativos para virtualmente todos os outros integrantes do time, menos pra Artemis. “Como se ela tivesse aparecido do nada e não surgido nas páginas de Infinity, Inc #34. Mais tarde, a DC a rebatizaria como Tigresa, mas isso não muda quem é a base da personagem”.

Quando o autor se opôs e afirmou que a DC estava se escondendo atrás de “tecnicidades”, alguém deve ter ficado ofendido por lá, tanto que a resposta que veio foi “bom, estas são nossas políticas”. Como se isso fosse algum tipo de desculpa para ser simplesmente um imbecil.

A Artemis de Arrow, vivida por Madison McLaughlin

“Eventualmente, depois de algum barulho, alguém decidiu me dar uma espécie de ‘bônus’ pela aparição da Hazard na TV... mas meus pedidos frequentes de créditos e pagamento pela Artemis ficaram em silêncio”, explica ele. “Suponho que a ideia deles era que, eventualmente, eu iria embora e pararia de pentelhar com este assunto. Bem, provavelmente eles estariam certos”. Afinal, o autor diz que, apesar de ter uma grana envolvida aqui, esta seria muito mais uma questão de princípios do que financeira. “Eu me sustento bem com meus outros trabalhos, os pagamentos da Marvel e a aposentadoria. Dificilmente eu acabaria vendendo maçãs numa esquina caso eles continuem negando os créditos de uma personagem que se provou tão popular na TV”.

Mas sabe quando Thomas diz que é uma questão de princípios? Então. “Vocês me conhecem, não sou do tipo que some em silêncio no meio da noite. Além disso, enquanto a DC Entertainment continuar me negando o pagamento e os créditos por uma de minhas co-criações, não existe nada que possa ser dito de ‘bom’ a respeito das política deles. É sobre ser transparente com relação aos seus criadores — e esconder por trás dos genes de personagens antigos não ajuda em nada. Do meu ponto de vista, eles deveriam se envergonhar mas, ao invés disso, provavelmente estão comendo uma pizza com o dinheiro que devia ser meu”.

Por fim, Thomas lembra que uma situação similar aconteceu com Tony Isabella, que demorou anos até ser de fato creditado como o criador do Raio Negro (o nome dele hoje, inclusive, aparece em destaque nos créditos da série de TV). “Pois é, Jerry, Joe e H.G. Peter. Quanto mais as coisas mudam, ao que parece, mais elas continuam as mesmas”.

Sacou a quem ele se refere nesta frase final? Jerry e Joe, claro, são Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Superman e cujas famílias, durante ANOS, travaram uma batalha para receber os créditos devidos pelos direitos do Homem de Aço. Já H.G. Peter é menos conhecido, mas estamos falando da pessoa que, ao lado de William Moulton Marston, co-criou a Mulher-Maravilha. Você já deve ter sacado, no entanto, que apenas o nome de WMM aparece como criador da Princesa Amazona, né?

No fim, aquele mesmo esquema que rolou com Bill Finger e seus créditos devidos pela criação do Batman, ao lado de Bob Kane. Mas será que vão fazer o Thomas esperar 75 FUCKING ANOS até que isso seja enfim resolvido?