Carta passive agressive aos Millennials | JUDAO.com.br

Produzam arte, pensamento, paixão, não vivam para trabalhar

Caros Millenials,

Antes de qualquer coisa, sem a devida diplomacia que o assunto merece, mas urge a necessidade de dar a notícia: vocês não existem. Vocês são para o mercado o que era a “nova classe C” um par de anos atrás, o curupira, a mula sem cabeça, o saci, o Eldorado que só existe na cabeça de quem vende ou compra gato por lebre.

Vocês não inventaram o tédio, o acúmulo de funções no trabalho, a vontade de não trabalhar, a vida de aluguel, o intercâmbio, a comida estrangeira, os restaurantes caros, a bissexualidade, o papo merda das redes sociais, a exposição da vida alheia, o senso de justiça, a vontade de conhecer o mundo, o medo de morrer sem que as pessoas saibam como vocês eram legais e intensos em vida.

Sou parte de um bando de velhos amadores e degenerados que vive num mundo gerenciado, ideologicamente, por jovens bivolt sociais, revolucionários conservadores e super profissas. Uma geração que industrializa o que é legal, que faz o trabalho sujo para o sistema (sim, os velhos também odeiam o sistema).

hipster
Uma galera que usa xampu na barba, acha que têm um plano pra cada passo, mas que faz que tá improvisando, que crê ter inventado a cerveja porque paga 30 contos numa garrafinha, são lindos com seus guarda-roupas cheios de coisas velhas lançadas na semana passada, com seus óculos de aro grosso com lentes (quase) sem grau, escorrem referências vagas e frases arrancadas de filmes que mal viram, de livros que mal leram, de posts que passaram rápido demais para serem lembrados, tiram fotos tão pensadas de suas caras bonitas, que elas acabam repetitivas, cansativas, perfeitamente feias, viajam portando uma lista de lugares onde os outros não iriam, conhecem um monte de bandas legais, uma mais chata que a outra.

Fingem que a verdade não está nos velhos decadentes. Nas nossas barrigas, no nosso cansaço, na skol que a gente bebe no balcão, na fritura, no amor rasgado, que não se esconde na farsa da liberdade assalariada, se assume algoz e vítima, que renega sua própria geração.

Decadência sem elegância. Chupa, Lobão.

Existem as contraindicações, a amnésia alcoólica, as dívidas, o cansaço, a falta de pudor social, o sono, a saudade, a inaptidão crônica, mas a gente aprende a sorrir pra fazer valer o ganha-pão, a falar que tá bom como está pra não ouvir (mais) groselha, a fingir que ficou sábio com o tempo pra nossa presença parecer menos incômoda, a cozinhar pra vida de comida por quilo parecer mais tolerável.

Ah, sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer que eu não preciso dessa juventude toda, de pensar em qual vestibular prestar, qual profissão vai me fazer endinheirado, a quem eu vou servir melhor, se vou me dar bem na área, em vestir a desbotada camisa da seleção brasileira e achar que tá falando de Brasil, que desiste sem nem ter começado a sonhar, que bate continência pro primeiro idiota que aparece.

Interessa mais o jovem querer ser artista, que não acredita em deixar de acreditar na simplicidade de escrever, cantar, atuar, carnavalizar, que ri e chora e ama e existe porque existe, não porque decidiu que existe ou porque deixaram existir, porque deixaram ser, porque tá respirando, porque foi à escola, à igreja, ao motel naquela semana.

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Ganhem o dinheiro das agências, das TVs, dos escritórios, dos puteiros, da mamãe, do papai e produzam arte, pensamento, paixão, não vivam para trabalhar, não trabalhem para sobreviver.

Aí eu me rendo. Logo eu que sou o que sobrou, o pior da turma, o revolucionário de Facebook, o sotaque do Wagner Moura, o disco novo do Racionais, o gordo, o baixo, o recalcado, o pau pra toda obra, a futura pessoa que você não vai querer ser, o ex-amigo, a ex-promessa, o ex-drogado, aquele que desistiu, o bolo que solou, o bife que queimou, a cara da pobreza, a cerveja choca, a água que secou, o carnívoro, o ateu, o Fofão da Paulista, a Dilma, a consciência da morte, o medo de morrer.

Eu sou você amanhã.