A chance de transformar Han Solo em algo maior passou batida | JUDAO.com.br

Filme tenta agradar fãs antigos e conquistar novos, foi concebido de um jeito e nasceu de outro, prometeu um recomeço mas virou um eco do futuro, trouxe cor a alguns aspectos de um passado sombrio e nebuloso, mas ficou no meio termo em todos estes quesitos.

“É proibido abordar a infância de Han Solo”. Este foi um dos grandes mandamentos da LucasFilm, LucasBooks, LucasArts e todos os braços das empresas de George Lucas durante os anos sombrios entre as duas primeiras trilogias. Autores como Ann C. Crispin e Brian Daley, por exemplo, em séries como a Trilogia de Corellia e Han Solo At Star’s End e outros títulos podiam falar qualquer coisa sobre o Capitão da Millennium Falcon, contanto que não tentassem revelar nada sobre os anos formativos do garoto. Isso sempre criou um mito e garantiu que, eventualmente, teríamos filmes sobre esse período. Bem, essa hora chegou. Han Solo – Uma História Star Wars, filme solo de Han Solo com um novo ator fazendo papel de Solo – ok, chega – estreou com direção final de Ron Howard, mas com uma sombra insana de dúvida, confusão e bilheteria bem desanimadora. Parte disso se explica: a chance de transformar o herói em algo maior passou batido.

Pode-se dizer que Han Solo é mais um filme de origens. Sabemos quem ele é, por que faz o que faz e conhecemos as justificativas para praticamente tudo que vemos de Han até Os Últimos Jedi. Porém, enquanto Rogue One expandiu um momento bem nebuloso no roteiro de Uma Nova Esperança e encontrou uma narrativa bem focada na guerra e em sacrifícios, Han Solo se contenta em ser um épico para aquele pessoal que adora ver tudo explicadinho no YouTube.

E a culpa disso é da estrutura do filme. Do ponto de vista narrativo, não há muita coisa acontecendo e somos apresentados a um vulto da história de um grande herói. É difícil separar os anos de adoração ao personagem emblemático de Harrison Ford com a nova versão, especialmente por Alden Ehrenreich e Donald Glover terem optado por seguir de perto os personagens originais. Então, Alden meio que imita Ford e Donald imita Billy Dee Williams. Mas isso não é de todo ruim, pois demonstra o respeito e aquele desejo forte de que o filme se relacione bem com a Santa Trilogia. Só que, em vários momentos, eles caem na armadilha de serem apenas imitações e isso é catastrófico.

Por ser um filme de origens, os personagens estão parecidos demais com suas versões “finais”. Duvido que, algum dia, possamos dizer exatamente onde a primeira versão do filme termina e onde a versão de Ron Howard começa, o que foi mudado, o que foi refeito, e como essa mistura de três cabeças – e um estúdio insatisfeito – resultou na obra final. E não vou nem arriscar seguir esse coelho. Deixa o buraco lá, outros vão pular achando que podem ser heróis, mas só vão achar o Sarlacc esperando de boca aberta!

Mas então o filme é ruim? Não, é até interessante. As cenas de ação são bem feitas, o visual está mais alucinante do que nunca, e a Millennium Falcon se revela em toda a sua glória. Talvez essa seja a coisa mais forte do filme, esse primeiro encontro – e a paixão instantânea – entre Solo e a Falcon. Esse é um dos bons ecos deste longa-metragem, pois com Ron Howard na direção e a presença – mental – de Harrison Ford, é impossível não pensar em American Graffitti. Esse núcleo é bem envolvente, pois o tema fica claro, as decisões se justificam e podemos compreender o que está acontecendo.

Mas o resto do filme esquece da temática, apoia a narrativa no sistema básico de set-up e pay-off (planta uma ideia e colhe madura lá no final), ao ponto de personagens dizerem o que vai acontecer e – AHÁ! – acontece. Essas escolhas transformaram Han Solo num filme descartável, algo que é legal de se ver, mas que não fez muita diferença. E isso é problemático dentro da proposta da Disney, afinal, até agora, seja com a nova trilogia ou com Rogue One, as histórias apresentavam coisas novas, aprofundavam pontos fundamentais da Saga e agregaram muito valor. Han Solo tenta fazer isso também, mas cai de cara no chão, pois os pontos de conexão com as trilogias (sim, trilogiaS... todas elas, entenda como quiser!) soam forçados e – um deles, especialmente – parecem ir contra o que já foi estabelecido pelos filmes. E isso nos leva ao texto de abertura.

Nada de opening crawl (tudo bem, Rogue One também não teve), mas existe sim um texto e ele é tão primário – em redação e design – que até desanima. Entendo os elementos em CAIXA ALTA no crawl, afinal, é um bloco de texto massudo e que vai se movendo, então faz sentido destacar os elementos principais, agora, colocar isso num texto centralizado, de duas linhas, é desconsiderar muito a inteligência do espectador. Por isso, reforço: esse filme foi feito para a geração acostumava a receber explicações de bandeja.

Falta sutileza ao roteiro. Falta algo a dizer. Ou melhor, falta algo novo a dizer. É válido ver um herói buscando sua identidade, mantendo promessas quase impossíveis e sendo guiado pelo que é certo em meio a um mundo cheio de coisas erradas. A vida real é assim, ele emula isso. Mas onde está o próximo passo? O resultado desta postura? Existe um desfecho e ele é óbvio e previsível, porém parece ser algo obrigatório, não a conclusão natural de uma narrativa pensada para abordar, explorar e resolver esta questão.

É claro que estamos falando de um filme feito apenas com o entretenimento em mente, porém é marca registrada da Saga abordar temas como família, amizade e escolhas. “Ah, tudo isso está no filme”, sim, está. Agora se pergunte: o que você aprendeu além de “não confie em ninguém”? E digo mais, essa mensagem de “todo mundo pode te trair” é um clichê daqueles que me incomodam, pois quase nenhum filme consegue trabalhar esse elemento sem cair na mesmice. E Han Solo entra no jogo.

SPOILER! Han Solo é um parque de diversões para fãs da Saga. Sério, é insano. Sabacc, Kessel Run, primeiro encontro com a Falcon, Chewbacca, a pistola de Han Solo, Jabba, o preço na cabeça dele... TUDO está ali. Mas, ao mesmo tempo, é um problemão. Não por ser fan service, afinal, fan service se caracteriza quando a história dá uma pausa para posicionar ou apresentar estes elementos. No caso de Han Solo, estes elementos SÃO história. Ou seja, é algo que vai além da simples referência. Enquanto assistia ao filme, parecia que minha mente havia sido jogada dentro de uma simulação de um dicionário visual, numa sala com Mynocks defumados, inundada com Blue Milk coalhado, e a esperança de encontrar algo legal no fim da jornada.

Aí eu acordei e caí de cara no chão.

A sensação é boa para o fã, mas ela desmorona quando procuro por uma razão a mais para estar ali. Se ela existe, está escondida demais. Mas duvido. Estruturalmente, a presença de Woddy Harrelson serviria como aquela mistura esquisita de mentor e adversário que todo “cafajeste” tem, mas a persona de Han Solo já está tão definida (e o roteiro nem se esforçou para desconstruir esse aspecto) pelos filmes anteriores, que quase ninguém influencia este Jovem Han Solo. E para que serve um filme de origem se a origem é só uma versão mais nova (fisicamente) do mesmo personagem lá da frente? Pouca coisa.

Alguns detalhes mudam aqui e ali, mas uma das cenas coloca a presença — e o dilema — dele em Uma Nova Esperança em risco. Han Solo é o contrabandista, o cara que só pensa nele mesmo, o sujeito que troca uma causa por uma fortuna, mas, no fim das contas, volta e salva o dia. “De nada, Luke!”. Mas quando Han Solo fala, em alto e bom som, “você é um dos bonzinhos”, tudo se define e o dilema perde força. Ou seja, explicando (afinal, né?), se ele é o bom-moço, o novo espectador sabe que ele vai ajudar a Rebelião.

Alias, vamos falar sobre a Aliança Rebelde. Sim, eles conseguiram enfiar uma gênese embrionária – e minúscula – da Aliança em Han Solo e espero que eles não façam mais nenhum filme antes desta linha temporal, pois é capaz de vermos os primeiros rebeldes sendo os pasteleiros de Coruscant, insatisfeitos com a queda nos pedidos do pastel de queijo, afinal, o Imperador prefere os de carne.

(Toda vez que Star Wars se mete a justificar alguma coisa econômica, não funciona muito bem. Episódio 1 foi baseado na Trade Federation e foi péssimo. Agora, “Solo” existe em torno do preço/escassez do combustível hyperespacial. Em contra partida, a Trilogia Clássica foca numa luta desesperada, em gente, em vida e morte.)

A introdução deste elemento na história direta de Han Solo até soaria arbitrária, não fosse a maior maluquice do filme. Sim, quando você pensa que a existência de um Monstro Espacial que vive bem perto de um poço gravitacional pode parecer forçada, Han Solo resolve pedir para alguém segurar a cerveja e tira Darth Maul da cartola. Sem tema definido, sem muita coisa em jogo e apoiado apenas na explicação das motivações de Han Solo, o filme implode com a presença de Darth Maul.

Se a juventude do cara descrente em “religiões falsas” foi marcada pela influência de um Sith, ele teria mentido o tempo todo para Luke? Ninguém pensou nisso? Ou o plano é manter Maul operando nas sombras e influenciando apenas as decisões de Qi’Ra? Muitas perguntas possivelmente separadas para próximos filmes, mas, no momento, soam desconexas.

Então não existe nada de bom em Han Solo. Claro que sim, mas são coisas pontuais.

• Chewbacca, aka The Beast, aka Libertador de Wookiees, aka Amigo do Chaka!, chega chegando e mostra por que todo mundo ama o marido da dona Mala e pai do Lumpy.

• Kessel Run: pronto, ninguém nunca mais vai fizer dizendo “ah, mas parsec é medida de distância e não de tempo ou velocidade”. E a solução mostra como Han Solo é um baita piloto!

• Solo no Império: a batalha campal a la Battlefront é insana, com vários níveis de conflito e um lado nunca visto do Exército Imperial.

• Han Solo, aka Meliante de Corellia, aka Zé Dadinho, aka Eu Piloto Qualquer Coisa, tem ótimos momentos graças à galhofa incorporada em quase tudo que ele faz. A cena do “thermal detonator” é tão besta que fica ótima!

• Millennium Falcon por razões de Millenniun Falcon.

Han Solo: Uma História Star Wars tenta agradar fãs antigos e conquistar novos, foi concebido de um jeito e nasceu de outro, prometeu um recomeço mas virou um eco do futuro, trouxe cor (demais, aliás) a alguns aspectos de um passado sombrio e nebuloso, mas ficou no meio termo em todos estes quesitos. A bilheteria morna que os “trackings” demonstra reflete a primeira escorregada da Saga sob o comando da Disney e serve de alerta: Star Wars precisa de história e, por mais que algumas pessoas acreditem, este público não vive de saudosismo. Este público sempre vai querer novidade tanto dos personagens quanto do universo criado por George Lucas. Ficar rodando sem sair do lugar pode até ser divertido, mas uma hora o povo cansa ou fica com vontade de botar todo do Blue Milk pra fora. E piada nenhuma vai conseguir salvar.

Mas uma coisa precisa ser dita: é um milagre não ser um filme horroroso. Isso, em si, já é uma vitória.