Chinese Democracy: a história do álbum que levou mais de uma década pra sair | JUDAO.com.br

Relembre a saga do disco que custou mais de US$ 13 Milhões e que, no fim das contas, não foi tudo isso que se esperava que fosse

Nascido William Bruce Rose Jr. e criado sob o nome de William Bruce Bailey, o cantor/compositor americano conhecido pela ALCUNHA de Axl Rose talvez seja o maior procrastinador do mundo da música.

Foi dele a façanha de lançar, em Novembro de 2008, pela Geffen Records, um certo Chinese Democracy, sexto álbum de estúdio dos Guns N’ Roses. Ele mesmo, o Chatô do mundo da música, o nome que virou sinônimo de mito, lenda, de história pra boi dormir.

O grande ponto aqui é que o disco, sucessor de The Spaghetti Incident?, vinha sendo preparado desde 1994 – considere aí, portanto, quase 15 anos até o seu lançamento, com uma porrada de datas de lançamento prometidas e nunca cumpridas, resultando no disco de rock mais caro da história, custando por volta de US$ 13 milhões e sendo gravado em 15 estúdios diferentes ao longo dos anos.

Depois do sucesso comercial de seu DEBUT Appetite for Destruction (1987), que vendeu mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo, e dos dois Use Your Illusion (1991), que colocaram na conta mais 35 milhões de unidades combinadas, a expectativa do mercado pelo novo disco de inéditas dos caras era grande. IMENSA, eu diria. O Guns começou então a escrever e registrar novas músicas (ou, pelo menos, pedaços delas). Fizeram jams, trocaram fitas com riffs, tavam planejando colocar algo na rua em 1996. Axl de um lado e o baixista Duff McKagan e os guitarristas Slash e Gilby Clarke do outro.

Enquanto Duff dizia que eles tavam chapados demais pra escrever alguma coisa que prestasse, Slash afirmava que Axl tava se tornando um ditador e só queria fazer o que bem entendia. O guitarrista chegou a mostrar pra ele algumas demos, com Duff, Gilby e Mike Inez do Alice in Chains, mas o frontman deu-lhe aquela famosa cagada — não se interessou, disse que era mais do mesmo. O próprio Axl afirmaria, anos depois, que o primeiro álbum do Slash’s Snakepit, banda-solo do guitarrista, era pra ter sido o próximo disco do Guns N’ Roses, porque aquelas eram as canções que ele ouviu mas nunca o gravou.

O segredo da discórdia aí é que Axl já tinha manifestado interesse em explorar umas sonoridades mais industriais, um lance meio Nine Inch Nails, e também andava ouvindo bastante umas paradas meio grunge, especialmente Pearl Jam. De fato, ele tava querendo muito que o Guns seguisse por outros caminhos, mas nem todo mundo ali concordava. Resultado? Começaram as mudanças de formação.

Gilby não teve o contrato renovado e foi substituído por Paul Tobias, amigo de infância de Axl e seu parça no antigo Hollywood Rose. Tobias, também conhecido como Paul Huge, foi o principal motivo das tretas com o Slash mas, em 1995, ninguém menos do que Zakk Wylde também chegou a tocar durante uma semana com os caras, fazendo umas músicas que soaram mais pesadas, mais Judas Priest, com o objetivo de, quem sabe, fazer parte do time. Mas Axl estava resolvendo pepinos legais, às voltas com advogados, e nada de concreto foi fechado. Aí, Wylde sentiu que não era pra ele, voltou para as turnês com o Ozzy e os riffs e ideias que carregou na sacola deram origem à parte do material do Black Label Society. Mas isso é outra história.

Puto da cartola, Slash saiu em 1996. Duff sairia logo depois e, em 1997, foi a vez de Matt Sorum ser demitido. Quem sobrou? Axl, agora o dono legal do nome Guns N’ Roses. Eis que então o guitarrista Robin Finck (Nine Inch Nails), o baixista Tommy Stinson (Replacements) e o batera Josh Freese entraram na festança e, em 1998, começaram a gravar no estúdio onde foi registrado um pedaço de Appetite For Destruction. A Geffen chegou até a oferecer US$1 Milhão para que Axl terminasse o disco e mais outro milhão caso fosse lançado até Março de 1999. Não aconteceu, claro. Mas o dinheiro estava devidamente sendo consumido.

Em agosto, eles já tinham 30 canções e um título: Chinese Democracy, que substituiu uma opção anterior que durou pouco tempo, 2000 Intentions. “Bem, há um monte de movimentos pela democracia chinesa, e é algo sobre o qual se fala bastante, e é algo que será bom ver”, afirmou Axl, em entrevista ao Kurt Loder, da MTV. “Também poderia ser apenas uma declaração irônica. Eu não sei, eu só gosto do som desta expressão”. Desta batelada, tivemos um primeiro gostinho, assim, mais modernoso, industrial do jeito que o Axl bem queria, com a canção inédita Oh My God, que foi parar nos créditos finais de Fim dos Dias, aquele filme ruim com o Schwarzenegger. Seria daquele jeito que o “novo Guns” soaria dali pra frente?

Entra o ano 2000, sai Freese e chega outro baterista, Bryan “Brain” Mantia – além do folclórico guitarrista Buckethead, o homem com o balde de KFC na cabeça. Foi esta formação que deu as caras naquele show estranhíssimo do Rock in Rio de 2001, retomando a relação de amor de Axl com a família Medina. Na ocasião, todo mundo só falava do tal do Chinese Democracy e, em pleno palco, rolou outro teaser do que vinha pela frente, com a tal da Madagascar. Mas se você acha que a coisa tava resolvida por aí, se enganou lindamente: em 2004, o Buckethead saiu e foi substituído por Ron “Bumblefoot” Thal. Mantia também saiu e Frank Ferrer entrou, gravando suas partes pro disco. Mas é bom lembrar que, quando o Freese deu no pé, suas partes já tinham sido todas jogadas no lixo e regravadas pelo Mantia. Se liga na complicação começando.

Em 2006, com a saída do empresário Merck Mercuriadis, Axl teve alguém pra jogar toda a culpa dos atrasos. Só que aí viriam MUITAS outras datas de lançamento, nunca cumpridas: 21 de Novembro de 2006, 6 de Março de 2007, então rolaria no Natal de 2007. E nada. A gravadora, obviamente, já estava puta da vida. Era muita grana sendo gasta em gravações e depois regravações, teoricamente em busca do álbum perfeito. Em entrevista ao jornal New York Times, um engenheiro de som que participou das gravações e preferiu não se identificar afirmou que “o que Axl queria fazer era o melhor disco já feito. Mas esta é uma tarefa impossível. Você pode acabar seguindo indefinidamente e nunca terminar – que foi o que ele fez”.

Do seu lado, em uma entrevista pra revista Rolling Stone, no ano 2000, Rose, que começou a se tornar cada vez mais recluso e evitar muito papo com a imprensa, admitiu que parte dos atrasos se deram porque ele estava “se educando sobre a nova tecnologia que se tornou fundamental pra definir o rock. É como fazer tudo do zero, do início, entendendo como trabalhar COM alguma coisa e não querendo que soe apenas como algo feito no computador”.

A cagada aí é que, com tanta gente envolvida, boa parte de suas 14 faixas já teve uma ou duas versões diferentes circulando livremente pela web nos anos anteriores ao lançamento do disco. Teve até blogueiro sendo devidamente processado por vazar este material. Mas, falando apenas de produtores, Mike Clink chegou a ser o responsável pelas sementes de Chinese Democracy lá nos primórdios. Nomes como Moby, Youth (baixista do Killing Joke) e Tim Palmer chegaram a passar pelos bastidores do disco, assim como Andy Wallace, Bob Ezrin, Eric Caudieux e Sean Beavan, além do lendário Roy Thomas Baker, produtor do Queen (Brian May, aliás, chegou a gravar uma participação tocando guitarra em Catcher in the Rye, mas suas partes acabaram não sendo usadas na versão final). No fim, constam os nomes de Caram Costanzo e do próprio Axl Rose como produtores.

Se a gente for falar em número de músicos envolvidos, aí fodeu. Foram CINCO diferentes guitarristas, três bateristas, dois tecladistas e um baixista – este, talvez, o cargo de maior estabilidade no Guns desde a dissolução da formação original, já que Stinson permaneceu como integrante de 1998 a 2016. Quase 20 anos, vejam vocês.

Mas e aí, como esperar uma sonoridade com um mínimo de integridade com tantas pessoas entrando na fila para assumir o papel do sujeito anterior? Como é possível que o coitado do camarada tentasse imprimir ali a sua marca se, na edição final, o seu riff seria colado ao riff de um dos seus muitos antecessores?

De qualquer maneira, em 2008 Shackler’s Revenge saiu como parte do Rock Band 2, enquanto If the World foi parar na trilha de Rede de Mentiras, com o Leonardo DiCaprio. Estávamos na reta final para que Chinese Democracy saísse do mundo das ideias e enfim se tornasse realidade. Informações de bastidores afirmam que a ideia era gravar, ainda em 2001, dois discos. Lançariam Chinese Democracy, fariam uma turnê de 1 ou 2 anos, e aí lançariam o segundo disco sem precisar voltar ao estúdio. Já Sebastian Bach, grande amigo de Rose e responsável pelos shows de abertura dos caras na turnê que se seguiria, falou aos quatro cantos do mundo que Chinese Democracy era o primeiro álbum de uma trilogia. Claro, claro.

Enfim, o disco saiu. Novembro de 2008, lembra? Ao Musicradar, Slash contou que ouviu a parada e achou muito bom. “É muito diferente do que soavam os Guns N’ Roses originais, mas é uma grande declaração de Axl. Agora dá para entender onde ele queria chegar. É um disco que nunca poderíamos ter feito juntos. E, ao mesmo tempo, só mostra o quão brilhante o Axl é. Foi um alívio pra mim poder ouvi-lo”.

Bom, todo respeito ao Slash, puta músico foda, realmente foi um alívio, mas o grande problema é que o eternamente adiado Chinese Democracy chegou às prateleiras tendo obrigatoriamente que lidar com um inimigo muito mais cruel em seu julgamento: a ansiedade dos fãs. O produto final demorou tanto tempo para sair do forno – quando se começou a falar nele, eu tinha 14 anos e o rosto repleto de espinhas, veja só você – que é de esperar, portanto, que ele seja no mínimo genial. Ledo engano.

Chinese Democracy não é um disco ruim. Mas seu grande problema é a absoluta falta de coesão. Nenhuma das músicas parece ter conexão entre si, daquele tipo que indica que elas fazem parte de um todo, de uma única obra. Infelizmente, Rose parece ter esquecido a linha fina que separa um disco “variado” de um disco “desvairado”. Falta um tanto de nexo até mesmo dentro de cada faixa, dando a nítida impressão de que as melodias iam sofrendo modificações naturais com o passar dos anos e, numa tentativa de soar moderno, o engenheiro de som foi grudando os pedaços que achava melhores.

Uma espécie de greatest hits, uma colcha de retalhos em que cada canção, com suas dezenas de camadas, parece ter sido gravada por uma banda diferente – apenas com a voz de Axl Rose como elemento comum.

Se é pra ser um disco pop, como ele sinaliza na baladinha This I Love ou então na pretensiosa power ballad Sorry, então vambora. Quer um disco de metal industrial, a la Nine Inch Nails e/ou Ministry, como pode ser nitidamente sentido em Shackler’s Revenge, Riad n’ the Bedouins ou Scraped? Beleza. Hard rock cheio de pompa, como o Queen, tipo em Street of Dreams? Yeah, baby. Uma onda mais experimental, com barulhinhos eletrônicos e um violão de inspiração flamenca, como é o caso de If the World? Topo. Ou até uma superprodução épica, cheia de cavalgadas sonoras, como as que ouvimos em Madagascar? Vá lá.

O lance é que Chinese Democracy apenas TENTA ser estas coisas – às vezes, tenta ser até tudo ao mesmo tempo. Mas não consegue. Tenta ser diverso mas vira, isso sim, uma bagunça.

Existe uma história de que, entre 2014 e 2015, antes do retorno de Slash e Duff, Axl estava trabalhando em material novo para lançar no ano passado, ainda com a formação que o vinha acompanhando até então. Verdade ou não, no caso do Guns, é sempre muito difícil saber. Mas façam as suas apostas: quanto tempo até o lançamento do tal PRÓXIMO álbum? Se é que ele vai existir e não se transformar na próxima lenda urbana de Axl Rose? ;)