De olho em MILHÕES de leitores, as editoras estão se movimentando para vender gibis ocidentais aos chineses
1 (Hum) bilhão e 300 (Trezentos) milhões de pessoas, sendo cerca de uns 250 milhões desses na faixa etária entre 15 e 29 anos. Número não muito distante da população TOTAL dos EUA, hoje em 320 milhões de habitantes. Resumindo, na linguagem que importa pra quem publica quadrinhos (ou lança qualquer outra coisa): é LEITOR PRA CARALHO. E consumidor PRA CARALHO de produtos licenciados, também.
Por isso, as editoras de HQs dos EUA estão finalmente percebendo que é hora de tentar expandir sues produtos para a China, inclusive aproveitando que os estúdios também estão querendo cada vez mais explorar o mercado de lá, criando uma nova demanda. E esses são os casos de Marvel e DC.
A Editora do Superman anunciou em abril um acordo com a Trajectory, uma plataforma global de eBooks, pra distribuição de graphic novels e encadernados, incluindo clássicos como A Piada Mortal, Preacher e Sandman. E adivinha quais outros acordos a Trajectory possui? Sim, com diversas empresas na China, como a Amazon local e outros distribuidores.
Para você ter uma ideia do potencial disso, o Bleeding Cool traz um exemplo bem interessante: em 2013, o New York Times afirmou que o livro Deng Xiaoping and the Transformation of China vendeu 650 mil exemplares no país oriental, contra 30 mil cópias nos Estados Unidos. Ok, estamos falando de uma publicação sobre a política da China, que tem mais apelo lá, mas, CARA, a diferença nos números é absurda. Pra você ter uma comparação, vamos pegar a biografia de outro político importante pros americanos, a da Hillary Clinton. De longe a mais vendida entre os pré-candidatos da campanha deste ano, o livro lançado em 2014 já alcançou as 280 mil cópias vendidas. Isso foi impulsionado, se você pensar bem, por toda uma curiosidade pra saber a versão dela sobre o escândalo sexual do marido e ex-presidente Bill Clinton nos anos 90, algo ALUDIDO até no título, Hard Choices.
Porém, o mercado chinês é bem fechado. Se no cinema os filmes são obrigados a passar por um crivo prévio do governo e os caras investem até em cenas específicas pra lá, como foi o caso de Homem de Ferro 3, no mercado editorial é ainda pior. O autor de Deng Xiaoping and the Transformation of China foi obrigado a deixar que os censores de lá cortassem partes importantes, como o trecho no qual menciona que os jornais chineses foram obrigados a ignorar a queda da Cortina de Ferro e do comunismo no Leste Europeu, no final dos anos 1980. Ignoraram na época, e continuam ignorando agora. Para o autor, segundo o NYT, foi uma “desagradável mas necessária barganha” pra obra ser lançada lá.
Transpondo isso pros gibis, podemos esperar cortes em títulos clássicos, o que não é legal. Porém, há o lado positivo: os autores americanos vão se sentir cada vez mais obrigados a promover a diversidade cultural ao introduzir personagens chineses que não sejam caricatos.
A Marvel, por exemplo, avisou durante a promoção de Homem-Formiga na China, no ano passado, que iria desenvolver heróis e vilões com origem no país, sem dar muitas informações e sem comentar se eles apareceriam primeiro nos gibis para irem depois pros cinemas, ou se estariam logo de cara na tela grande. Não que não existam hoje, mas muitos caem no lugar comum dos estereótipos, como o Mandarim – que teve a origem modificada em Homem de Ferro 3 pra, entre outras coisas, conseguir entrar no mercado chinês.
Outro caso é o da DC. Eles já tentaram fazer isso no passado, quando introduziram nos quadrinhos o supertime chinês Os Dez Grandiosos na minissérie 52. Formado por heróis como Robô Shaolin, Mãe dos Campões, Guardião Vermelho Socialista e Augusto General de Ferro, não conseguiu fugir dos chavões anteriores do uso do militarismo soviético e da cultura ancestral chinesa, tudo pela visão de um ocidental – no caso, Grant Morrison. Ivan Drago ficaria feliz com essa equipe.
Agora, até com a maior abertura da China e o potencial de acordos como esse com a Trajectory e outros do tipo, a DC está sendo mais sensata. Como parte do Rebirth, que é o grande relançamento da editora este ano, estão introduzindo uma versão chinesa do Superman. E esse aqui não é simplesmente um mashup do Homem de Aço com o Soviete Supremo, como o que acontece na minissérie Entre a Foice e o Martelo.
O nosso novo herói, Kenan Kong, é como um garoto chinês qualquer. Nascido em Shanghai, que é uma “Metrópolis do mundo real” de acordo com a própria editora, é um garoto normal, daqueles que, apesar de características culturais mais específicas, poderia ser qualquer um em qualquer lugar no mundo. Só que aí, sem esperar, Kenan herda os poderes do Superman (não só ele, mas isso é papo pra outro momento). “Eu queria contar uma história que fosse sobre o ideal do Superman, mas contado em uma cultura diferente. Independente de onde ele nasceu, você sabe pelo que ele luta”, comentou o roteirista Gene Luen Yang, que escreverá The New Super-Man –- isso mesmo, com hífen –, o título do herói.
A escolha de Yang também foi acertada. Não é um cara escrevendo sobre algo que apenas leu nos livros. O quadrinista é filho de uma chinesa que, após deixar o país, viveu por muitos anos em Hong Kong (ainda um protetorado britânico) e em Taiwan (oficialmente a República da China, fundada a partir do governo que foi obrigado a deixar o pais após a Revolução). Ainda assim, ele tem consciência de que aquela não é, exatamente, a cultura que ele viveu em 100% da vida – o que pode ser bom, se você sofreu com os mesmos estereótipos que a editora quer evitar e aceitar a falta de algumas referências como um defeito que deve ser corrigido, o que é o caso.
“Eu apenas visitei a China duas vezes, então meu entendimento da cultura chinesa é por meio de ecos. Eu poderia escrever sobre a vida chinesa como um estrangeiro, mas alguns leitores americanos iriam assumir que eu fosse um cara de lá por causa do meu sobrenome. Isso seria uma situação frágil e perigosa”, disse o quadrinista no blog da DC. “Mas então, eu tenho dado esses discursos encorajando as pessoas a saírem de sua zona de conforto. Como eu poderia recusar esta oportunidade de sair da minha?
Não à toa, Gene é autor da graphic novel American Born Chinese, explorando os elementos da própria vida, de ter essa ancestralidade chinesa e ter nascido nos EUA – inclusive procurando criticar estereótipos. Uma mistura de culturas, tal qual um Superman chinês.
O quadrinista, aliás, explica que até a escolha do nome do personagem foi um desafio. Precisava ser algo plausível na língua de origem do herói, estar relacionado com a jornada dele, ser pronunciável pelos americanos e, os mais difícil pra fechar tudo isso, estar dentro do pinyin, que, de forma bem resumida, é o método de romanização dos nomes chineses. Depois, ele ainda adicionou uma nova regra: não ser parecido com um nome japonês.
“O sobrenome do novo Super-Man foi fácil. Em pinyin, não tem muitos sobrenomes que começam com K”, explica o quadrinista, afirmando que, como só tinha Kang e Kong disponíveis, ficou com o segundo para evitar confusão com o vilão da Marvel. “O nome próprio foi bem mais difícil. [...] E eu não posso usar [as inicias] C.K. porque não tem um ‘c duro’ em pinyin. Em pinyin, c é pronunciado como ‘ts’, como em ‘cats’. E aí ele chegou em Kenan Kong, 孔克南, pronunciado como “Ken Ann Kong”. No significado, é algo como “Sulista Vencedor”, sendo que a galera da Shanghai costuma ser chamada de “sulista” pelo pessoal de Pequim. ;)
Como você pode perceber, é toda uma atenção aos detalhes que nunca existiu antes — e que facilitará a introdução na China.
O caminho para a introdução de Kenan já veio em Batman/Superman #32, publicado na última quarta (4) e parte do arco Final Days of Superman. E, claro, teve a participação dos Dez Grandiosos – afinal, era o que a editora tem hoje pra fazer o link do ocidente com o oriente.
Agora, a trajetória não acaba em 13 de julho, com o lançamento de The New Super-Man #1. Não existe representatividade com só um personagem e esse é apenas o começo do desafio, que envolve fazer essa história (mesmo que depois da publicação no resto do mundo) ser distribuída por lá.
O governo chinês e a censura prévia são sempre um problema, assim como a próprio mercado de quadrinhos locais, chamado Manhua – que, é bom que se diga, não é uma simples adaptação dos mangás. Você pode ter o melhor personagem do universo, mas não adianta nada se não chega nas mãos dos leitores que são seu objetivo.
A Grande Muralha da China é bem alta pra ser pulada, mas o Superman voa, né? Quer dizer, o Super-Man... ;)