O diretor bate um papo com o JUDÃO e fala sobre sangue, clichês, palhaços, motosserras e a eterna saga de se lançar um filme independente no Brasil
Assistir ao trailer de Condado Macabro, dirigido de maneira independente por Marcos DeBrito e André de Campos Mello, é experimentar duas sensações completamente diferentes. Ao mesmo tempo em que fica aquele gosto de “ué, eu já vi isso antes”, bate uma curiosidade tremenda, do tipo “é sério que isso é um filme nacional? Cara, eu preciso ver esta porra!”.
DeBrito, que apresenta Condado Macabro como uma espécie de homenagem aos filmes slasher – aquela variação dos filmes de terror na qual um psicopata mascarado vai colecionando vítimas ao longo da projeção – dos anos 1970 e 1980, sabe muito bem disso. Tanto é que admite que a sinopse (“cinco jovens alugam uma casa para passar o feriado no interior e acabam sendo vítimas de uma carnificina”) é bastante clichê.
“Muitas pessoas, ao lerem isso, torcem o nariz por ser uma fórmula já usada em exagero no cinema mundial, mas queríamos justamente brincar com os estereótipos, subvertendo a noção que todos têm sobre esse tipo de história”, explica ele, em entrevista ao JUDÃO. “Não ficaríamos felizes em fazer apenas mais um filme de terror como tantos outros, então adicionamos características nacionais à trama, como palhaços de rua e música brega de grandes mestres na trilha sonora”.
Pelo pouco que dá pra perceber no trailer, já é possível dizer que tem um pouco de muita coisa no filme: Sexta-Feira 13, Massacre da Serra Elétrica... “No caso do Massacre, é o básico da história, no qual jovens em viagem acabam se deparando com uma família de sádicos. E também em algumas características do nosso matador mais truculento, o Jonas”, conta, lembrando que o assassino usa ainda uma motosserra em homenagem ao Leatherface e uma das suas máscaras é feita de pele, mas de porco, em referência ao filme Motel Hell (batizado por aqui de “Motel Diabólico”, podreira de 1980). “O Sexta-feira 13, logicamente, tem sua parcela de culpa. O nome Jonas é um anagrama de Jason e ele também usa um facão enorme para matar uma das vítimas”.
Mas, além destes clássicos, os diretores quiseram homenagear os filmes do diretor Rob Zombie, em especial A Casa dos Mil Corpos. “Tem muito da estética e do cinismo em um personagem chamado Cangaço, que foi muito inspirado no Capitão Spaulding”, diz. Além disso, assim como Zombie faz, apesar de ser um filme que se passa nos dias atuais, é tudo feito para se assemelhar a um filme que foi montado em moviola, com erros de montagem, e filmado com ponta de negativo vencido.
E os palhaços, né? Palhaços são SEMPRE assustadores. “A inclusão dos palhaços foi um toque que veio depois no roteiro e acabou ganhando destaque na trama”, revela Marcos. “Um deles, o Cangaço, é quem narra a história do massacre durante um interrogatório, mas não sabemos se está falando a verdade ou se é um ponto de vista mentiroso para se safar do crime”.
Marcos e André tinham feito um curta-metragem de mesmo nome em seu primeiro ano de faculdade e resolveram se juntar de novo para uma “brincadeira que deu muito certo”. O título foi mantido, mas o enredo se tornou completamente diferente.
A dupla de diretores, no entanto, sabia que a empreitada não ia ser das mais simples. “Filme de terror, aqui no Brasil, ainda é visto como um subgênero, infelizmente. Não apenas o cinema de horror ou fantástico, mas qualquer um que aborde algum tipo de violência mais física, enfrenta dificuldades para captação de recursos”, explica ele. De acordo com o cineasta, as empresas, mesmo tendo direito à restituição total do IR quando o filme é devidamente aprovado pela Ancine, não querem associar sua imagem a esse tipo de projeto. “O que as empresas não levam em conta é que o cinema de horror é o mais lucrativo no mercado internacional. São filmes mais baratos que os de ficção científica ou aqueles com grandes astros de cachês milionários, e trazem um ótimo retorno financeiro”.
Então, de onde diabos veio o financiamento para tornar esta matança de sangue falso em realidade? O primeiro passo foi esquecer as leis de incentivo fiscal. “Ficaríamos anos tentando sem a certeza de receber algum centavo”, confessa. Foram levantados recursos próprios apenas para custear o transporte e alimentação. Como eles tinham na equipe gente de São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis, era preciso dar um jeito de levar todos até o interior do Mato Grosso do Sul, onde Condado Macabro foi filmado.
Toda feita em formato independente, a produção colocou a galera pra trabalhar em sistema de coprodução, inclusive o elenco. “Os membros do filme detém uma porcentagem de direito sobre o produto final e embarcaram no projeto por acreditarem no roteiro”. Eles nem chegaram a pensar em crowdfunding na época porque “foi tudo muito rápido”. Marcos e André definiram com a equipe, em agosto do ano passado, que o filme seria um curta. Mas, em outubro, a decisão foi que se tornasse um longa. “Como todos toparam, recomecei o roteiro e escrevi ele em pouco mais de um mês porque já tínhamos resolvido que filmaríamos em janeiro”.
Pouco depois, eles concorreram no edital do Proac para finalização de longa-metragem do Estado de São Paulo e saíram vencedores. “Foi uma grata surpresa que nos permitiu finalizar o filme com alta qualidade de efeitos visuais e som num tempo menor. Se antes eu e o André tentaríamos fazer tudo, depois do prêmio conseguimos contratar equipe profissional para essas funções”.
A estreia oficial de Condado Macabro rolou em maio, durante o Fantaspoa (Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre). “Ganhamos o prêmio de Melhor Filme da competição nacional. É um público formado por fãs de gênero, superaberto às novas propostas e que quer ver o terror crescer cada vez mais. Os organizadores João Pedro Fleck e Nicolas Tonsho são dois guerreiros que conseguem realizar o maior festival de cinema fantástico da América Latina por puro amor ao sangue e ao estranho. Graças a eles teremos uma exibição do filme no México no final deste mês”, diz, referindo-se à vindoura passagem no Macabro FICH, no final de agosto.
Passando o Fantaspoa, o filme iria parar na sessão Noturna do CineramaBC (em Balneário Camboriú) e pela Mostra Contemporâneos do Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo. “A exibição em SP foi devastadora. Sala lotadas com mais de 500 pessoas, gente do lado de fora, trouxemos o Jonas à caráter com uma motosserra ligada na sessão... E quando eu e o André fomos anunciados no palco antes de exibir o filme fomos ovacionados de uma maneira que eu nunca havia sido com outros filmes em outros festivais”.
Apesar de saber que existem diferentes maneiras alternativas como NOW, Netflix e outras janelas, ele diz que o cinema ainda é a vitrine principal. Tanto é que correram atrás e conseguiram garantir a distribuição para o filme em circuito comercial, pela pequena Elite Filmes. “Nós fomos atrás de grandes distribuidoras também e todas viram méritos no projeto. Mas a Elite foi a que nos fez a melhor proposta de lançamento e a que aceitou o corte final que gostaríamos. Eles são grandes no mercado digital e agora querem atuar na distribuição para as salas de cinema”.
Condado Macabro está previsto para estrear nos cinemas brasileiros a partir do dia 12 de novembro, na quinta-feira anterior à primeira sexta-feira 13 depois do Dia das Bruxas. Não poderia ser uma data mais apropriada, não? :D
(Tirando a própria Sexta 13, o que não é mais possível no Brasil...)
Marcos, no entanto, faz um apelo aos fãs. “A todos os fãs do cinema de horror, o que pedimos é que quando o filme estrear, não deixem de ir na primeira semana, pois será a bilheteria dela que nos fará sair das salas ou ficar mais uma semana”. E agradece: “Seríamos nada sem os fãs do gênero”.