D&D: a quinta vez é a melhor? | JUDAO.com.br

A mais nova edição do mais popular sistema de RPG do planeta agrega um caráter colaborativo e começa a atrair uma nova geração de jogadores, sem afastar os mais velhos

Publicado originalmente em 1974, o Dungeons & Dragons, criação da dupla Gary Gygax e Dave Arneson com ambientação de fantasia medieval, é de longe o sistema de RPG de mesa mais conhecido e jogado do mundo, ícone absoluto da cultura pop. Era de se esperar, portanto, que o lançamento de sua aguardada quinta edição fosse causar FUROR entre os jogadores – ainda mais porque a edição de número quatro, lançada seis anos antes, esteve muito longe de ser uma unanimidade. “Qualquer coisa é melhor do que a quarta edição”, diz na lata o mestre veterano Marcos Santiago.

Com o objetivo de satisfazer os jogadores old-school e ao mesmo tempo servir como iniciação ideal para quem está se enveredando neste novo mundo agora, o D&D 5a edição chegou fazendo barulho. O seu novo Player’s Handbook (parte da santíssima trindade de obras de D&D, formada ainda pelo The Monster Manual e pelo Dungeon Master’s Guide) foi o livro mais vendido da Amazon no dia do lançamento, no final de 2014. Perceba aqui que estamos falando de “livro” e não de “livro de RPG” ou mesmo “livro-jogo”. “O retorno dos jogadores tem sido bastante positivo. Temos visto muita gente jogando pela primeira vez, ao mesmo tempo em que vimos muita gente retornando ao jogo depois de muito tempo afastados. Parece que encontramos um bom equilíbrio entre profundidade e acessibilidade”, conta Mike Mearls, chefe da equipe da desenvolvimento de D&D na Wizards of The Coast, em entrevista exclusiva ao JUDÃO.

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Jogador de D&D desde 1981 e tradutor especializado em jogos – tendo sido, inclusive, responsável pela tradução das edições 3, 3.5 e 4 de D&D – Leandro L.C. Rodrigues teve a chance de jogar a 5a edição de ambos os lados, como mestre (DM, o dungeon master, também conhecido como “narrador”) e jogador, aprovando o resultado. “Eles tiveram a ideia de manter tudo que a maioria das pessoas considerava como bom nas edições. Ficou uma verdadeira amálgama de D&Ds”. Ele conta que, enquanto o papel do jogador está mais interligado ao sistema e pode ajudar ao mestre bem mais do que acontecia antes, o mestre, sabendo que os jogadores conseguem ter um papel mais participativo, sente que tem mais espaço para criar. “É uma preocupação a menos”.

O novo momento dos Calabouços e Dragões guarda um grande segredo por trás de suas páginas: ao longo do processo de desenvolvimento, documentos de teste dentro da plataforma de co-criação batizada de D&D Next foram compartilhados entre 2012 e 2013 para que jogadores pudessem experimentar e comentar, de maneira que a equipe de desenvolvimento pudesse ver o que estava ou não funcionando. “Quase 20.000 jogadores participaram, nos oferecendo uma imensa riqueza de informação sobre o que eles queriam ver removido, adicionado ou melhorado”, revela Mearls. “Ouvindo o que os jogadores experientes tinham a dizer quando testaram o jogo, tivemos o guia ideal de como simplificar o jogo para atrair novos jogadores sem afastar os antigos”.

d&d_01No fim das contas, a palavra-chave se tornou mesmo “simplicidade”, com uma curva de aprendizado fácil para recém-chegados. A parte referente às regras do Player’s Handbook tomou meras 25 páginas de um total de 300. O próprio Mearls confirma que a intenção foi levar a ação de volta para a mesa ao invés de mantê-la centralizada nos livros. Ou seja: as regras passaram a ser mais intuitivas e menos dependentes de memorizar dezenas de tabelas. “Acho que é uma excelente porta de entrada”, opina Santiago, o mestre que a gente apresentou lááááááá em cima. “Talvez seja a melhor edição até agora para mestres iniciantes. Para jogadores iniciantes, a melhor edição é aquela que tem um mestre que se dedica. A quantidade e a qualidade de informações e o aprofundamento adequado ajudam demais”.

“Eu percebo uma tendência à simplificação das mecânicas para deixar, quem sabe, mais espaço para a interpretação”, conta José Bueno de Souza, jornalista e fanático por RPGs que, depois de algumas poucas experiências anteriores com o sistema, está se aprofundando no estudo da quinta edição para poder jogar mais D&D a partir de agora – depois de muitas doses de GURPS e World of Darkness (Vampire, Werewolf e afins). “É um jogo de aventura, de combates, de exploração, de magia. Me parece que esse clima é bastante marcante ainda. Gostei bastante do que vi até agora”.

Santiago faz coro, dizendo que o texto está bastante agradável e a organização do material está adequada, levando em conta a quantidade enorme de informações. “Em suma, achei que fizeram um excelente trabalho. Em relação à quarta edição, o que melhorou? Tudo”. Ficou claro agora? :)

Sobre a quarta edição...

Uma coisa não se pode dizer sobre a polêmica quarta edição: que ela não foi ousada. Isso foi, sem dúvida alguma. Ela tentou inovar no set de regras – mas a tentativa se provou uma falha miserável e retumbante. A intenção inicial era criar uma experiência que estivesse próxima do que se podia sentir ao jogar um videogame, em especial nas cenas de combate, para tentar falar a mesma língua dos jovens que se empolgavam com um World of Warcraft da vida mas não davam a mínima para esta coisa de livros, dados de 20 lados e planilhas escritas à mão.

As regras de combate acabaram simplificadas e sistematizadas, tirando grande parte da espontaneidade que faz a graça do jogo. Como num game eletrônico, bastava acumular energia o suficiente para que o seu personagem chegasse a um determinado nível de poder, determinado por sua classe, e então você praticamente apertasse uma combinação específica de botões e disparasse um ataque fora do comum. Em resumo: sabendo com clareza que poder ou habilidade usar em cada turno para acabar com uma luta de maneira eficiente, por maior que fosse o monstro da vez.

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“Os personagens tinham mil poderes e habilidades diferentes que lhes permitiam fazer muitas coisas, mas o incentivo é que as ações ficassem mais presas a esses poderes pré-determinados”, explica José. “A cada nível, o PC (player character) ganha mais X poderes e a cada turno o jogador tinha que escolher um poder para tentar criar a ação que interessava”.

Além disso, passou a ser praticamente fundamental jogar com miniaturas e tabuleiros, considerando a grande quantidade de habilidades baseadas no posicionamento específico dos jogadores. Alguns feitiços, por exemplo, atingiam uma área específica de quadrados que precisavam ser calculados (uma palavra para os jogadores dazantiga: GURPS), tornando a narração feita pelo mestre bastante restrita e enfadonha. Ao final de seu ciclo, lançamentos relacionados à quarta edição estavam sendo cancelados por conta das vendas abaixo do previsto.

“Dizer ‘obrigado, mas não queremos mais nada com vocês’ para os jogadores que curtiam D&D desde o início não é algo digno de se fazer”, opina Leandro. “E eles aprenderam de um jeito amargo: praticamente pediram desculpas ao criarem a 5a edição. Não é coincidência que ela é formada das melhores partes de todos os D&Ds que vieram antes, inclusive a 4a edição”.

E o que mudou para a quinta edição, então?

“Me parece que o espírito desta 5a edição é ter um cerne de regras bastante simples e capazes de resolver praticamente todas as situações com facilidade para depois agregar mais opções de customização”, diz José. “Agregar opções, não necessariamente complexidade”.

Quer um exemplo? Não existem valores distintos para testes de resistência. Basta usar o nível de habilidade do seu personagem, rolando o d20 e mais o seu modificador de destreza, por exemplo.

Leandro menciona ainda os feats da nova edição, deixando claro que, se você não quiser utilizá-los na sua campanha, deixe de lado. “Eles não vão fazer falta. Se for utilizar, eles sugerem que você altere a criação de personagem para que os feats sejam bem adequados e não acabem atrapalhando o jogo”. Além deles, as classes de personagens são poucas, mas simples e diretas ao ponto, permitindo um bom nível de customização sem precisar se preocupar com complexidades tão específicas como personagens multiclasses num primeiro momento. E mais, conforme diz o Leandro: “Os personagens dependem menos de itens mágicos, porque o foco agora é mais no arquétipo do sujeito, do que o que ele é capaz de fazer”.

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Para José, uma das principais novidades é o mecanismo de vantagem/desvantagem, que é muito simples e serve para substituir praticamente todos os modificadores que podem aparecer durante o jogo. “Quando o teste envolve uma situação em que o personagem ganharia um bônus, o mestre concede vantagem. São rolados dois d20 e usa-se o resultado maior. O inverso se aplica à desvantagem”, exemplifica. “O legal é que com isso jogador e mestre têm um mecanismo simples, rápido e divertido – maior legal rolar dois d20 – para resolver quase tudo”.

Leandro conclui, no fim das contas, que o D&D 5a edição passa a privilegiar ainda mais a tal da interpretação da sigla “jogo de interpretação de papéis” (role playing game, lembra disso? RPG, a-há!), deixando a matemática de lado. “As regras foram criadas para forçar os jogadores a interpretar bem seus personagens, e não só rolar o dado e matar o monstro”. Para ele, quando jogador e mestre entram num acordo e criam juntos uma boa história dos personagens, a aventura praticamente se joga sozinha. “Quando todos os personagens têm boas histórias e o mestre fez uma aventura bem adequada, tudo se encaixa e só melhora”.

A opção por um tipo de jogo mais colaborativo, que dá mais força aos jogadores, definitivamente não é coincidência. “É a tendência atual dos RPGs que estão fazendo mais sucesso. Numenera, Savage Worlds, Star Wars da Fantasy Flight, todos eles têm em comum o papel mais participativo do jogador”, crava Leandro, lembro que existem até sistemas de RPG em que o mestre inexiste e, portanto, não há uma posição em que todos os outros devam se focar. “Isso renova o RPG como hobby e faz com que todos tenham mais opções. Eu tenho uma campanha pelas redes sociais que usa a hashtag #OQueImportaÉTerRPG e usamos bastante esse argumento: não importa qual sistema de RPG você jogue, o que importa é que você o jogue”.

Uma coisa sobre D&D 5a é certa, no entanto: a regra do THAC0 (o tenebroso To Hit Armor Class Zero) continua enterrada. Sei que você, fã de D&D das antigas, sabe bem do que estou falando. E a não ser que seja um bitolado no chamado AD&D (Advanced Dungeons & Dragons) ou talvez um matemático, vai concordar que esta é uma boa notícia.

Ah, e no Brasil?

Embora Leandro e os outros mestres/jogadores ouvidos por esta reportagem deixem claro que é possível jogar uma campanha de anos de duração usando apenas os PDFs da quinta edição em inglês que a própria Wizards of The Coast liberou gratuitamente em seu site, é claro que existe uma coceirinha por parte dos veteranos por ter o material impresso em mãos. Sempre existe. Este que vos escreve entre eles.

O JUDÃO bateu um papo com a Devir, principal editora responsável pelo lançamento de livros do gênero no Brasil, e descobriu que a resposta para “e aí, vocês vão lançar a 5a edição de D&D traduzida por aqui?” é mais complexa do que parece. Para eles, está nos planos desde o ano passado. Mas a negociação com a Hasbro – empresa-mãe que comprou a Wizards of The Coast – ainda persiste para a liberação do material.

Por mais que não haja confirmação oficial, as perspectivas são boas. Vamos aguardar – e, claro, a gente vai te mantendo informado. ;)