Um dos caras mais lúcidos do mundo do rock, o vocalista do Twisted Sister escorregou no quiabo e acabou acionando o modo full PISTOLA no Twitter por um motivo absolutamente bobo e sem relevância
Dos músicos de sua geração, talvez Dee Snider, frontman do agora finado Twisted Sister, seja aquele dos mais inteligentes e coerentes. Não apenas por sua brilhante atuação em um momento ICÔNICO contra a censura no Senado dos EUA, mas também por ser recentemente a voz da razão quando um cara como Gene Simmons resolve disparar aos quatro cantos aquela velha ladainha de “o rock morreu”.
Com o encerramento das atividades de sua banda no auge — depois de uma série de shows históricos — o músico tinha provado até que definitivamente não queria viver de passado com um recém-lançado disco solo moderno, contemporâneo e fora de sua zona de conforto.
Passando dos 60 anos, este era um Dee Snider provando que soube envelhecer bem, diferente de certos camaradas que dividiram os palcos com ele. “Tenho a idade que tenho mas não sou uma pessoa que vive no passado. Não sou aquele cara apegado aos dias de glória. Os meus dias de glória são agora”, afirmou pra Vice. Foda pra caralho, né? Mas aí, na semana passada, tristemente este mesmo Dee Snider deu uma baita duma escorregada, enfiando a fuça no muro e quebrando os dentes da frente ao soltar uma série de tweets raivosos, começando por este aqui:
Basicamente, temos um Snider puto da vida com a galera fashionista que transformou camisetas vintage de bandas de metal como Iron Maiden, Metallica e Slayer em itens obrigatórios para compor um novo visual. “Não são apenas eles usando nossas camisetas, como roubando nosso estilo. Caveiras, os chifres do metal... eles são NOSSOS símbolos, NOSSA imagem”.
Vale lembrar que, em 2009, o próprio Snider lançou uma campanha chamada Take Back The Horns, contra o “abuso sistemático” da utilização do símbolo clássico do rock pesado, aquele chifrinho que a gente faz usando o dedo indicador e o mindinho pra simular os chifres do DEMÔNIO. “Os metal horns nunca deveriam ser usados pela galera do hip hop, do country ou do pop”, disse ele à época, em papo com a rádio Tangra Mega Rock. “Lutamos muito e por muito tempo para que a música que amamos seja reconhecida. Eles não têm direito de usar nosso sinal”.
Pra completar, vinha ainda a frase de efeito: “Peço que os headbangers de todo o planeta se juntem a mim nesta importante luta. Encontrem os seus próprios símbolos, usurpadores!”. Claro que muita gente levou a parada a sério mas dá pra sacar em tudo quanto é lugar do site oficial que a campanha tem MUITO do bom humor e da pegada mais crítica que é marca registrada de Dee Snider. Só que aí vieram estes tweets e, bom, parece que o próprio Dee levou a piada a sério DEMAIS.
Ou talvez nem fosse exatamente uma piada.
Nas muitas respostas que teve que dar pra se explicar nos dias posteriores, obviamente ele excluiu da crítica personagens como Lady Gaga, ícone do pop que já afirmou várias vezes ser fã do ROQUE mais pesado. Mas seu ponto era contra Justin Bieber com camiseta do Metallica, Kim Kardashian com camiseta do Morbid Angel, Kanye West com camiseta do Cradle of Filth e Jaden Smith com camiseta do Maiden.
Talvez ele ficasse igualmente putaço ao ver a Anitta usando uma camiseta do Overkill.
Claro que um astro do hip-hop / R&B ou uma estrela de reality show podem ser fãs de metaaaaaaaaaal, mas este não parece ser o caso para Dee. Seria só a chamada MODINHA. Um fã tentou argumentar, dizendo que esta seria, apesar dos pesares, uma forma de “mostrar” o metal para as novas gerações. “O que a Gaga faz, falando abertamente sobre as bandas, é o que ajuda a expor a música para novas pessoas. Não apenas vestir uma camiseta”.
Olha só, eu JURO que vou deixar aqui de lado uma parte da discussão de Snider com a galera no Twitter que chegou até a enveredar para o lado da “apropriação cultural” — porque, além de ser um tema bem mais delicado, definitivamente é algo maior, mais profundo e que se aplica a coisas muito mais significativas do que camisetas com seres das trevas saindo do inferno e rasgando suas tripas. Aqui o papo é outro e, portanto, vamos nos focar neste lance aí de “ah, só o VERDADEIRO fã de heavy metal pode usar uma camiseta de metal, sabe”. Aí já temos um problema BEM grande a ser discutido.
Bandas, como um todo, são parte da CULTURA POP. Sejam elas de metal, de punk, de synth wave, tanto faz. Uma vez que elas entram para o mainstream e se tornam populares, elas deixam de ser apenas BANDAS e se tornam ícones. A cara do Gene Simmons com a pintura do Demon e a enorme língua pra fora, vamos lá: isso é algo muito maior do que o Kiss Army. É um ícone pop tão forte quanto as orelhas do Mickey, por exemplo, que até a minha mãe com seus 65 anos e meu filho de pouco mais de 6 aninhos reconhecem de imediato.
Ícones pop são incorporados, reinterpretados e remixados de todas as formas. E não tem nada de errado com isso, assim como não tem nada de errado com a galera comprando camisetas do Ramones na loja de departamentos mais próxima e depois usando a dita cuja em festivais de rock tipo o Lollapalooza ou mesmo trazendo-as para compor um look numa passarela.
Não, pessoa revoltada depois de ver ESTA matéria do G1, isso não é um “desrespeito” ao quarteto punk. É só a resignificação de um símbolo. Pronto. “Desrespeito” seria sair com uma camiseta dizendo “Ramones é uma BOSTA”. Mas, como boa banda punk que são, acho que os próprios Ramones iam aprovar o statement. Tanto quanto fazia sentido os integrantes do Sex Pistols saírem por aí com as suas lendárias camiseta dizendo “I Hate Pink Floyd”. Sabe o que era isso? Estilo. Mas você também podia dizer que era só uma “modinha”.
“Embora possamos entender a frustração de Dee, achamos que toda forma de gatekeeping é uma perda de tempo”, afirmam os caras do Metal Injection. “O heavy metal é pra todo mundo. Já perdemos a conta da quantidade de histórias que ouvimos de fãs de longa data do Maiden que estavam procurando um som na loja de discos, não conheciam a banda, viram a capa com uma arte incrível e decidiram comprar. Bom, adivinha só: mal existem lojas de discos hoje em dia. Mas se um moleque vê uma celebridade com uma camiseta legal do Iron Maiden e decide procurar ‘Number of The Beast’ na internet, então é uma vitória pra todos nós. Isso mantém o metal vivo”.
Já os caras do Metal Sucks, talvez o melhor site especializado no gênero em atividade, complementaram o argumento. “Não acho que estes caras tão usando camisetas de metal de maneira irônica, pra tirar um sarro. Não acho que pessoas não-metal estão querendo zoar a gente ou nossa música. Elas só usam estas camisetas porque são legais. E é isso”.
EXATAMENTE, CARALHO.
Sabe o que é o tal do gatekeeping sobre o qual os caras tão falando ali em cima? O Urban Dictionary explica: “é quando alguém toma pra si mesmo a decisão de que tem ou não acesso ou direito a participar de comunidade ou se identificar com alguma coisa”.
São os fãs de gibis que dizem que apenas quem leu quarenta anos de histórias do Thor é que está habilitado a discutir a cronologia dos filmes da Marvel depois de ver Thor: Ragnarok. São os fãs de fantasia que dizem que apenas que só quem já leu os três O Senhor dos Anéis + O Hobbit + O Silmarillion + todos os contos inacabados do Tolkien pode se dar ao luxo de opinar se as adaptações do Peter Jackson são boas ou não. São os fãs de Star Wars que ficam enfurecidos ao ver um moleque de 20 e poucos anos querer discutir a saga espacial já que “ele só conhece os filmes novos, não estava lá quarenta anos atrás, não viu as versões originais do George Lucas”.
A gente continua gostando muito de você, Dee. Tipo, pra cacete. Mas neste assunto, sei lá, talvez você devesse se estressar um pouco menos e relaxar um pouco mais, meio como o James Hetfield neste vídeo abaixo. E parar de levar um gênero musical inteiro e principalmente a si mesmo tão a sério. Ou, como disse o grande amigo Paulo Martini, vai parecer só um velho mal-humorado gritando pra esta molecada parar de pisar na grama do seu quintal.
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