O seriado do Homem Sem Medo está entre os pontos altos do Universo Cinematográfico da Marvel, pau a pau com Capitão América 2
Ao final dos 13 episódios da primeira temporada de Demolidor, nova série da Marvel, não fica apenas claro que estamos diante do melhor produto televisivo (?) da Casa das Ideias até o momento. Estamos diante de um dos melhores produtos do Universo Cinematográfico da Marvel, o doravante denominado MCU e, o principal nesse momento: é diferente de tudo o que já vimos até agora, nos personagens, na história, no tom.
Demolidor é melhor do que os dois filmes do Thor, do que Homem de Ferro 2, Homem de Ferro 3, do que o primeiro Capitão América. Nem se compara com Agents of SHIELD e Agent Carter, que são divertidas e a gente adora. A Marvel agora tem a sua versão definitiva do “dá pra fazer isso”, “história boa é história boa”. A Marvel agora tem o seu Batman: O Cavaleiro das Trevas.
O Demolidor é um personagem construído com calma, com cuidado, sem afobação. Todo o processo de como ele chega ao uniforme vermelho — e ao seu nome definitivo — faz um sentido danado. É tudo distribuído ao longo dos episódios: as lembranças dos comentários de seu pai boxeador sobre a cor vermelha, as conversas com o padre local sobre a existência do diabo, os conselhos da Claire quando ele apanha pra valer, a descoberta da couraça protetora que Wilson Fisk usa por baixo do terno... Tudo vai desembocar em uma roupa que combina com as vestimentas que vemos em heróis mais “humanos” como o Capitão América e o Gavião Arqueiro e que, acima de tudo, faz sentido — inclusive a maneira com a qual ela foi feita, por quem.
As cenas de luta são poderosas, intensas, surpreendentes... e reais, ainda que claramente coreografadas em sua maioria. O Demolidor ainda não é o ginasta brilhante, o acrobata genial. Ele aprendeu muito com Stick, sabe, mas ainda está começando a colocar isso em prática. Ele vai apanhar muito (Nobu mandou lembranças com cheiro de churrasco), bem mais do que qualquer Steve Rogers ou Clint Barton — é só se lembrar daquela cena do segundo episódio, do corredor, que fez todo mundo lembrar de Oldboy e que se tornou um dos pontos altos da série, além de ajudar a definir a relação entre Murdock e Claire. Ou melhor: as relações.
Uma delas, assim como com a menina da Grécia na época da faculdade, “não deu certo”. A outra, meio que no esquema “médico e paciente”, funcionou... O que torna muito estranho o sumiço da personagem depois das explosões, parecendo que por conta de “conflitos de agenda” a Rosario Dawson acabou não podendo gravar, ou sei lá o que. Porque, porra, justo na maior surra que o cara leva ela não aparece nem por um segundo?
Mas o Homem de Máscara, o Demônio de Hell’s Kitchen, o ATREVIDO, o Demolidor também bate. E quando bate... O Rei do Crime tá aí como exemplo. Ou na cadeia.
Por falar no Rei do Crime, PUTAQUEPARIU. Olha, todos os principais coadjuvantes funcionam muito bem, de verdade. Do Foggy que consegue ser mais interessante do que um alívio cômico simples à Karen Page apaixonante que não é apenas a mocinha em perigo, passando por Leland Owlsley, pelo ótimo Ben Urich, pelo canalhíssimo Stick e pelo fleumático braço-direito de Fisk, James Wesley. Todos estão incríveis, afiadíssimos. Mas esse cara, bicho, dá medo.
ASSUSTA.
Nunca tá calmo, sempre de dentes trincados. Bipolar, parece que tá sempre segurando um grito na garganta, controlando uma fera dentro de si querendo rosnar, urrar, bater e chutar. E quando Fisk parte pra porrada, parece um gigantesco gorila descontrolado, numa demonstração de pura selvageria. É o lado mais predatorial do ser humano, brilhantemente representado por Vincent D’Onofrio — que, digamos assim, poderia fazer uma participação um tanto interessante num filme que estreia em 28 de Julho de 2017...
Apesar de ser tão diferente de tudo que estamos acostumados a assistir na TV e no cinema desde 2008, as conexões com o restante do Universo Marvel estão todas lá. O escritório de Ben Urich tem capas de jornal que mencionam não apenas a Batalha de Nova York, mas também o incidente envolvendo o Hulk e o Abominável, naquele filme ainda com o Edward Norton; a oportunidade para o crescimento do Rei do Crime vem justamente da reconstrução da cidade pós luta entre Vingadores e os Chitauri; a luta definitiva de Jack Murdock é contra Carl “Crusher” Creel, o futuro Homem-Absorvente; em seu ginásio de treinamento, existe um cartaz que anuncia a luta de um Barton que, caceta, não deve ser coincidência e possivelmente é pai do nosso Clint; homens de armadura, martelos místicos, Hulk e Capitão América são citados recorrentemente nas conversas, como elementos corriqueiros de pessoas que estão começando a descobrir os super-heróis.
Mas é muito legal treinar o olhar para enxergar também as referências às próximas séries, porque elas estão a caminho e devem ser todas ultraconectadas entre elas: o símbolo nos papelotes de cocaína distribuídos pelo time de cegos da Madame Gao é nitidamente aquele que fica no peito de um dos inimigos do Punho de Ferro, o Serpente de Aço (que, por sinal, esteve ligado à HYDRA... Sacou o que fizemos aqui?); quando Gao vai embora, ela menciona para Leland uma certa terra natal que não é a China, mas sim um lugar “muito mais distante”. Alguém pensou na terra mística de K’un-Lun, onde Danny Rand foi treinado para se tornar o Punho de Ferro? Ou, quem sabe, o reino lendário de Ku’n-Zi, dominado pela assustadora senhora conhecida como Crane Mother – que, engraçado, poderia ser a própria Gao, não?
E quanto ao próprio Demolidor? Stick e o homem com as costas cheias de cicatrizes, que parece e muito com Rocha/Stone, indicando talvez a aparição da organização Chaste/Casta? Tá OK, nos gibis o Rocha é pupilo de Stick, mas ainda assim... Nobu, vestido de ninja com uma roupa vermelha, vá, o cara com certeza não era da Yakuza, mas sim do Tentáculo, que agora tem garantido um pedaço da Cozinha do Inferno, em cartório – e que pode ser facilmente transformado em algo similar à Terra das Sombras, não?
Sabemos que, em algum momento, a Marvel vai errar. Vai colocar os pés pelas mãos, vai contar uma história ruim. Porém, com Demolidor, a Casa das Ideias não só coloca a barra da expectativa putaquepariumente no alto em relação as séries de Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro, como mostra a quem quer que esteja com medo de que os “universos coesos” possam estragar o cinema, que uma história bem contada SEMPRE será uma história bem contada, seja ela stand-alone ou parte de algo maior.
Isso e o fato de que Demolidor é a primeira produção da Marvel Studios de algo cujos direitos estavam nas mãos de OUTREM. É a primeira comparação entre quem “faz porque tem os direitos” e quem “faz porque sempre fez”. E sabemos qual é a próxima, né? :)