A despedida do embaixador do blues | JUDAO.com.br

B.B. King era mais do que uma lenda do gênero. Ele era o nome que se tornou sinônimo de blues… até para quem não gostava de blues.

Dizer que Riley Ben King, mais conhecido pelo por B.B. (“Blues boy”, apelido que ganhou em sua época trabalhando com rádio), era uma lenda do blues pode ser um clichê tão grande quanto a armadilha óbvia de aproveitar o sobrenome e chamar o sujeito de “rei”. B.B. King era até mais do que isso. Um dos nomes mais conhecidos deste gênero musical, foi o cara que ajudou a popularizar o blues, em parcerias e aparições que transcendiam o nicho – como disse certa vez o estudioso Francis Davis em The History of the Blues, tal qual Louis Armstrong fez com o jazz. King se tornou ainda maior.

Ele era, com toda a propriedade, o grande embaixador do blues. Você não precisaria, necessariamente, ser fã de blues para curtir ou pelo menos já ter ouvido B.B.King tocar.

Na madrugada desta quinta-feira (14), a sua lendária guitarra Gibson ES-355 batizada de Lucille se calou. Aos 89 anos, dono de uma saúde frágil há uns bons anos, B.B. King morreu. Desde o começo do mês, vinha sendo tratado em casa – o que é, antes de tudo, difícil de imaginar para quem conhece a carreira do cantor e guitarrista. Porque, mesmo debilitado, King nunca parou. Jamais desistiu.

Mesmo sendo obrigado a tocar sentado, a fazer intervalos maiores entre as canções, ele sempre quis estar ativo, tocar, dedilhar sua Lucille. Só pra se ter uma ideia, um artigo da Rolling Stone publicado em 1998 estimava que King já tinha feito, até aquele momento, 15.000 shows. Foram mais de 65 anos na estrada – mantendo uma média de 300 apresentações ao ano, até que na última década acabou sendo obrigado, pela idade, a diminuir este número para 100.

BBKing_03

“Mesmo tendo uma importância descomunal dentro do blues, talvez a maior contribuição de B.B. King para o gênero tenha acontecido fora do blues”, opina o escritor e quadrinista Rob Gordon, cuja premiado título Terapia é essencialmente calcado no blues como trilha sonora. “Faz décadas que o blues deixou de ser um gênero popular e com vendagens astronômicas, mas se o grande público não ouve mais blues, não existe uma pessoa que não tenha sequer ouvido falar de B.B. King”. Gordon diz ainda que nenhum outro grande nome do gênero, atualmente, tinha o mesmo alcance, a mesma popularidade, o mesmo espaço na mídia. “Já faz anos que o público casual enxergava o blues apenas na forma de B.B. King”.

Bonachão, de sorriso fácil e largo mas dono de uma personalidade bem forte, King era um virtuoso da guitarra desde antes deste rótulo caber para nomes como Joe Satriani ou Steve Vai – e se a gente for falar sobre influências musicais, branquelos do rock com temperos de blues como Eric Clapton (que, aliás, se tornou seu amigo pessoal) devem tudo para o senhor B.B., que era um homem de excessos: comida, jogatina (tanto é que se mudou oficialmente para Las Vegas em 1975) e, claro, mulheres. O próprio músico dizia ser pai de 15 crianças... com 15 mulheres diferentes.

Sempre listado naqueles rankings de melhores guitarristas de todos os tempos, o filho de catadores de algodão do Mississippi comprou a sua primeira guitarra aos 12 anos, pelo valor de US$ 15. De estilo econômico, sem muitas firulas, costumava dizer que fazia “uma nota valer por mil”. Mas tamanha simplicidade não o fazia menos sofisticado, com solos belos e poderosos, transferindo para Lucille um tipo de emoção profunda que é a cara do blues, em sua essência.

Principal responsável pela popularização do blues elétrico, das guitarras ligadas em amplificadores, levando o blues para grandes cidades e principais centros urbanos, foi na década de 1950 que emplacou alguns de seus maiores hits, como 3 O’ Clock Blues (1951), You Upset Me Baby (1954) e Sweet Sixteen (1959). Mas foi na década seguinte, quando estouraram as bandas inglesas de rock influenciadas pelo blues como os Stones e o Cream de Clapton, que um público mais jovem e amplo conheceu o trabalho do velho mestre. Um mestre que, veja, de velho tinha apenas a idade: “Deus, não sei como eu vivi até hoje sem isso”, afirmou a um jovem repórter, de acordo com a RS gringa, depois de ensinar as vantagens de transferir discos de vinil para arquivos MP3.

Sabe quem Jimi Hendrix considerava um dos maiores guitarristas do planeta? King. Sabe qual foi a resposta de John Lennon quando lhe perguntaram qual era a sua maior ambição musical? Tocar guitarra como B.B.King. A lista, meus caros, não tem fim. “Ele é, sem dúvida alguma, o mais importante artista que o blues já produziu”, afirmou Eric Clapton em sua biografia. “E um dos sujeitos mais humildes e genuínos que eu desejaria conhecer na vida. Em termos de escala e importância, eu acredito que, se Robert Johnson tivesse reencarnado, ele provavelmente seria B.B. King”.

“The blues are the roots, the others are the fruits”, diz o velho ditado, sobre o fato do blues ter influenciado uma série de outros estilos musicais. Sim. Isso é fato. E hoje, num dia frio de outono, podemos dizer que não está mais entre nós um dos principais semeadores desta semente. “Para os fãs de blues, hoje morreu um gênio. Para o resto do mundo, hoje quem morreu foi o blues”, finaliza Gordon.

We are no longer riding with the king. Too bad. Too sad. Too blues.