Diário JUDÔNICO da Mostra: Bizarrices dentro e fora das telas | JUDAO.com.br

Bora lá para mais Mostra Internacional de Cinema, que está em sua 38.ª edição a todo vapor, em várias salas de cinema de SP até o próximo dia 29. E eu preciso de uma cama com urgência. :)

Claro que um festival do porte da Mostra não apresenta apenas filmes bons. Tem muita coisa furreca escondida por aí. Bem, montar uma seleção de quase 400 filmes bons não deve ser mesmo fácil.

O Medo (La Por), primeiro filme visto no oitavo dia, infelizmente é uma destas tosqueiras. Este drama espanhol dirigido pelo veterano Jordi Cadena até apresenta uma trama que, bem trabalhada, renderia um grande trabalho – uma família é assombrada pela violência doméstica que sofre por parte do pai. Então temos um garoto de uns 15 anos, Manel, que vê diariamente sua mãe sofrer abusos do violento pai, e entra em conflito consigo mesmo porque tem a sensação de que poderia fazer alguma coisa para evitar. O problema é que a história é bastante superficial (a metragem de 80 minutos realmente não dá muito tempo para se desenvolver personagem a personagem) e não explica muitas coisas. Não sabemos, por exemplo, por qual motivo o pai se comporta como um vilão de desenho animado. E a fita é recheada de “momentos de reflexão”, em que a câmera passa cinco minutos passeando pelo cenário sem nada acontecer. E o final... que final é aquele? Olha, eu já vi filmes longos que passam voando, mas fitas com 80 minutos de duração que parecem durar uma eternidade, isso é mais difícil... evite.

Já o segundo filme valeu a pena, mas sou suspeito para falar. Porque sou mesmo um grande fã do trabalho do publicitário e cineasta bissexto Roy Andersson (se você nunca ouviu falar dele, procure seus sensacionais comerciais no YouTube e não se arrependerás). É dele um dos longas mais bizarros, talvez O MAIS bizarro, deste ano: Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência (En Duva Satt På En Gren Och Funderade På Tillvaron). Sim, este é o título. Aliás, preciso dizer que metade do público presente na sessão, cujos ingressos esgotaram-se uma hora depois da abertura da bilheteria, estavam lá por causa desse título pequenininho mesmo. :)

Pombo

Sobre o filme... bem, é difícil até explicar. Não é exatamente uma produção com começo, meio e fim. Este Um Pombo é a terceira parte de uma trilogia “sobre o que é ser um ser humano”, que começou em 2000 com o filme Canções do Segundo Andar e continuou em 2007 com o excepcional Vocês, Os Vivos. Assim como os outros, este terceiro filme nada mais é do que a colagem de várias vinhetinhas (quase quarenta), com pouca ou nenhuma ligação, que retratam o cotidiano do ser humano e situações meio absurdas. O cinema de Andersson, assim como seus comerciais, é habitado por pessoas apáticas, sem cor (literalmente), em ambientes fixos e nenhuma movimentação de câmera, o que dá um ar de sonho a tudo aquilo. É um cinema esquisito, quase experimental, muito particular à obra de Andersson e que pode causar estranhamento aos desavisados. Mas que diverte com muita facilidade – a vinheta em que o exército do Rei Carlos da Suécia do século 18 invade um botequinho dos dias de hoje é antológica, assim como a maravilhosa sequência de três historinhas que abre o filme, chamada “Encontros com a Morte partes I, II e III”.

Foi nesta sessão também que as bizarrices estenderam-se ao mundo real, já que pude conhecer finalmente duas lendas urbanas que correm as sessões da Mostra: a) o velho rico que não gosta de tomar banho (que eu, pessoalmente, sempre achei que não existia, mas infelizmente pude comprovar sua veracidade), e b) a velhinha que entra na sessão só pra gritar e amaldiçoar os outros espectadores – bizarro ver aquela senhorinha miudinha de uns 140 anos sendo carregada para fora do cinema pelo segurança troglodita. :)

Só pra constar, Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência foi o grande vencedor do Leão de Ouro do último Festival de Veneza. E se você tem a mente aberta para qualquer espécie de cinema além do convencional, é sua obrigação ver essa pequena pérola.

Outros filmes importantes do dia 08: Detetive D – O Dragão do Mar, pancadaria épica chinesa do diretor Tsui Hark (e parte também de uma trilogia sobre este personagem que integra a polícia imperial); O Reino da Beleza (Canadá), o novo trabalho do consagrado Denys Arcand (de As Invasões Bárbaras); e Dancing Arabs (Israel), elogiadíssimo drama romântico de Eran Riklis, o mesmo de Lemon Tree e A Noiva Síria, dois filmes adorados pelo público da Mostra de outros anos.

Dia 09

Este foi o dia do suspense. Primeiro, porque os dois filmes vistos eram do gênero. E segundo, porque ambos me deixaram bastante aflito... querendo saber se ia demorar muito para acabar, porque são ruins prá cacete. :-P

3 Beleza

Bem, é exagero dizer que o primeiro deles, o venezuelano 3 Belezas (3 Bellezas), é tão horroroso assim. Na verdade, há muitos momentos divertidos nesta história de três irmãos, um rapaz e duas garotas, que sofrem o terror nas mãos da mãe que quer a todo custo ver um dos filhos vencer um concurso de beleza na Venezuela. Esta comédia de humor negro, que contou com a presença do diretor Carlos Caridad Montero na sessão, só desperdiça excelentes ideias e perde muito tempo de sua narrativa em momentos bobos, como a sequência em que a família adere ao fanatismo religioso. Mas não chega a doer na alma do espectador, e o final é extremamente criativo – mesmo que demore um século para chegar (!). E a rivalidade entre as duas irmãs, as belas Fabiola Arace e Josette Vidal Restifo, compensam o ingresso.

Já o segundo filme é tenebroso mesmo. A Professora do Jardim de Infância (Haganenet), drama israelense, é instigante em sua trama: a professora do título descobre que um dos alunos, o pequeno Yoah, de cinco anos, tem uma inteligência fora do comum – mesmo sem saber ler e escrever, o menino cria poemas de cabeça usando palavras cujo significado jamais poderia conhecer. Por ser aluna de um curso de poesia, a professora percebe que está diante de um talento nato e passa a explorá-lo, tomando para si a autoria dos tais poemas. Claro que uma hora a casinha dela cai... Lotado de cenas desnecessárias de nudez e outras que em nada complementam a trama, esta fita, que já é excessivamente longa para sua história (duas horas de projeção), desagrada com facilidade e não desenvolve nenhum dos personagens, o que impede o espectador de criar qualquer vínculo com eles e consequentemente tomar um partido. O público presente na sessão consultava as horas no celular de cinco em cinco minutos, e ouvi uns dois “finalmente” quando a sessão acabou... Provavelmente um dos menos votados de toda esta edição da Mostra. :)

Outros filmes importantes do dia 09: O Segredo dos Diamantes, aventura juvenil nacional dirigida por Helvécio Ratton (o mesmo de Menino Maluquinho); A Guerra das Patentes, poderoso documentário alemão que por enquanto toma o primeiro lugar entre os docs mais bem avaliados da Mostra; e Antoine & Collette (1962) e Noite Escura Calcutá (1964), curtas-metragens clássicos exibidos em sessão única e dirigidos em parceria entre Marin Karmitz e François Truffaut, este último um dos nomes mais importantes do cinema europeu e criador do lendário movimento cinematográfico Nouvelle Vague.

E a lição que fica destes dias: nem toda grande história rende um grande filme, isso é fato. E confesso que fiquei esperando a véia louca aparecer na sala de cinema gritando com a gente. Eu tenho medo dela. :(