Diário JUDÔNICO da Mostra: cabô :( | JUDAO.com.br

O fim estava próximo. Mas a gente foi à luta e não desistiu. :D

O décimo-segundo dia de maratona começou com Viver é Fácil Com Os Olhos Fechados (Vivir es Fácil Con Los Ojos Cerrados), de David Trueba, que carrega no currículo nada menos do que 16 prêmios internacionais, entre eles o prêmio de Melhor Filme no Goya Awards. Também pudera: este sensível longa espanhol precisa de muito pouco para deixar o espectador com um sorriso no rosto o dia inteiro... a história segue um professor de inglês (Javier Cámara) que, em 1966, usa canções dos Beatles para ensinar o idioma – o título do filme, por sinal, é um trecho de Strawberry Fields Forever.

Eis que o sujeito decide largar tudo e cair na estrada quando descobre que John Lennon, seu maior ídolo, visitará a Espanha para rodar um filme. No caminho, o professor dá carona a dois jovens que, a seu modo, também buscam um sentido para suas vidas... Longa bem divertido, daqueles que não machucam ninguém, mas que alegram o dia de qualquer um. :)

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Viver é Fácil Com Os Olhos Fechados

Já o nacional Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas, pode pegar os desavisados de surpresa. Se você é familiarizado com o trabalho da moça (responsável por um dos últimos grandes trabalhos de nossa terra, o sensacional Trabalhar Cansa), vai ser moleza curtir este híbrido de musical, comédia e terror (??) que acompanha o aprendiz de coveiro Deodato (Eduardo Gomes), que tem medo de cadáveres (!) e se vê em uma enrascada quando se apaixona pela estonteante Jaqueline (a excelente Luciana Paes, sempre se equilibrando entre o sensual e o tosco), funcionária do serviço funerário que chega ao cemitério para reorganizar as tumbas, e passa a ser perseguido pelos mortos (!!) que não querem seus restos mortais perturbados pela reforma que acontecerá no local. Se você não tem problemas em deixar o cérebro do lado de fora da sala de cinema e estiver disposto a relevar os absurdos da trama, receberá em troca uma fita engraçadíssima.

Pra finalizar, duas fitas francesas legais, mas que não farão muita diferença na vida das pessoas: o drama Retorno à Ítaca (Retour à Ithaque), dirigido por Laurent Cantet (velho conhecido da galera indie por conta do ótimo doc Entre os Muros da Escola) que narra o reencontro de um grupo de amigos cinquentões em Cuba depois que um deles retorna de um exílio de anos em Madrid, teatral demais porém com ótimos diálogos; e Amigos da França (Les Interdits), sobre dois primos, um deles vivido pela belíssima Soko, que viajam para Odessa em 1979 e vivem uma rotina recheada de cultura e política – mais ou menos como se você fosse um hipster nos dias de hoje, hehehe – além de algumas confusõezinhas amorosas. Simpático, mas não uma obra-prima.

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Retorno à Ítaca

Dia 13

De volta para a França em mais dois filmes no penúltimo dia da Mostra. O primeiro, o drama Minha Amiga Victoria (Mon Amie Victoria), é um típico longa europeu, com tomadas silenciosas e poucas palavras, que precisam ser “interpretadas” pelo espectador. O que não é ruim: a história acompanha a trajetória de Victoria, menina negra de oito anos que vive com a tia doente e que um dia se vê no meio de uma família de brancos ricos e apaixonada pelo primogênito, Edouard, adolescente de 16 anos engajado em causas sócio-políticas. Alguns anos depois, todos os personagens se reencontram, mas em outra situação: Victoria, já adulta, é mãe de uma menina de sete anos, fruto de uma relação-relâmpago com Thomas, irmão mais novo de Edouard que não quer saber de muita responsabilidade na vida. Pessoalmente, gostei bastante da abordagem deste longa, que não coloca Victoria como uma coitada vítima da sociedade – ao contrário, em nenhum momento ela sofre preconceito pela cor. Vale a visita, mas só quando passar no Telecine Cult. :-D

Na sequência, O Pequeno Quinquin (P’tit Quinquin) foi a grande surpresa do dia. Concebido como uma série de TV e exibido na íntegra pela Mostra, esta comédia de três horas dá um tapa na cara de quem está acostumado com a filmografia sombria de Bruno Dumont (o mesmo dos grandes A Vida de Jesus, Camille Claudel 1915 e O Milagre de Hadewijch) por causa da leveza da trama, mesmo que ela seja um tanto bizarra: policiais excêntricos investigam uma onda de assassinatos em uma cidadezinha do norte da França, onde pedaços de corpos humanos são encontrados escondidos dentro de vacas (!) e são vigiados de perto por uma turma de crianças esquisitas. Como é evidente que esta jóia nunca será exibida em nossos cinemas, devo dizer que você perdeu um dos filmes mais divertidos desta Mostra.

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O Pequeno Quinquin

O Último Dia

E pra encerrar o evento (ufa!), não exatamente um filme, mas um experimento que concentrou o maior índice de desistência de público. A sessão de Os Convidados (The Guests) começou com o cinema lotado e, ao final da sessão, deveria ter somente umas 30 pessoas (!). É que de fato precisa mesmo de disposição para absorver esta brincadeira experimental do cineasta Ken Jacobs, que aproveita-se da recente descoberta de um material rodado pelos irmãos August e Louis Lumière em 1896, Entrada de um Casamento na Igreja (no caso, o casamento da irmã deles), para revisitar uma técnica de construção do 3D desmontando cada frame do curta e brincando com a montagem de forma isolada em cada um deles, meio que “forçando” várias formas de tridimensionalidade nas imagens.

O motivo da desistência: imagine um curta de pouco menos de um minuto, esticado em 70 minutos. Este é Os Convidados: cada frame permanece congelado por pelo menos um minuto e alguns segundos, como se você estivesse assistindo a um filme na menor velocidade do quadro-a-quadro. Passar uma hora vendo uma sequência de segundos exibida quase pausadamente é punk. Recomendado somente para aqueles que curtem cinema enquanto técnica mesmo. E eu ainda acho que tem mão do David Lynch nesse negócio, já que fiquei o tempo todo esperando que o mendigo macabro do Mulholland Drive aparecesse no cantinho, ou que alguém levantasse da poltrona e soltasse em alto e bom som: Club Silencio! No hay banda! :-D

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Os Convidados: entendedores entenderão

Ah sim: também estive na sessão de À Procura (The Captive), de Atom Egoyan e estrelado por Ryan Reynolds. E nem tenho muito o que dizer desse troço, porque é tão bom, mas tão bom, mas TÃO BOM, que eu dormi com 15 minutos de projeção. Sério, FUJA! Egoyan, que fez excelentes trabalhos como O Doce Amanhã, provavelmente morreu e foi substituído por um sósia sem talento. Cara... como diria o Deus da Tribo da Polinésia, “errou feio, errou rude”. :-P

Cabô Mostra, cabô

O evento de encerramento e a premiação dos melhores longas da Mostra aconteceu nesta quarta-feira (29). Entre Mundos (Alemanha) foi eleito o melhor filme de ficção pelo Júri, que premiou o também alemão A Guerra das Patentes como melhor documentário. Já o público escolheu três fitas de ficção: o excelente argentino Relatos Selvagens (que já está em cartaz no circuitão e merece ser visto), o suíço Sam e o filipino Do Que Vem Antes (aquele de cinco horas e meia). Entre os representantes brazucas, foram escolhidos pelo público A História da Eternidade (ficção) e Cássia, documentário que narra a ascensão da cantora Cássia Eller. Já a crítica premiou Leviatã, o suspense russo que foi tema de muita rodinha de bate-papo nos corredores da Mostra.

Outros longas também premiados: A Ilha dos Milharais (Geórgia), Retorno à Ítaca (França), O Pequeno Quinquin (França), Casa Grande (Brasil) e A Gangue (Ucrânia), que levou o prêmio de melhor roteiro.

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Dólares de Areia

E sem dúvida, um dos momentos mais belos de toda a Mostra foi a entrega do prêmio Humanidade a Geraldine Chaplin, que esteve presente por dois motivos: a divulgação do bacana Dólares de Areia (Dolares de Arena), filme de encerramento, e a celebração dos 100 anos de O Circo (The Circus), um dos melhores trabalhos de seu pai, Charles Chaplin, que será exibido em cópia restaurada ainda esta semana no Parque do Ibirapuera, ao ar livre e em sessão gratuita, com acompanhamento da Orquestra Experimental de Repertório da Fundação Theatro Municipal de São Paulo. Imperdível.

E a lição que fica desta 38.ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: muitos filmes bons, alguns filmes ruins, gente esquisita, um pouquinho de falta de organização, salas de cinema com funcionários extremamente grosseiros... mas um ambiente sensacional com uma pancada de gente unida e movida pelo amor incondicional à Sétima Arte. Duas semanas respirando cinema é amor demais no coração. E que venha a 39.ª Mostra! Vou precisar de muita força pra aguentar.

E nada de bolachas de morango. :)