RESENHA! Doutor Estranho

Não é mágica nem tampouco feitiçaria. É apenas um filme simpático, divertido e honesto, com bom humor e sem a GRANDILOQUÊNCIA que se esperava

Olha só, não se deixe enganar pelas belíssimas cenas de cidades se dobrando, portais cheios de luzes se abrindo, espíritos saindo do corpo ou mesmo pela trilha sonora pomposa dos trailers. Tá, tudo bem, os efeitos especiais de Doutor Estranho são mesmo lindos, merecedores de se ver numa tela enorme, um IMAX em toda a sua glória. Visual realmente deslumbrante, lisérgico, multicolorido, como era de se esperar.

Mas vou te contar um segredo: este filme é BEM menos megalomaníaco do que você possa imaginar. É beeeeeem menos filme-evento do que parece. Na verdade, dá até pra dizer que é um filme menor da Marvel, e não que haja algum problema com isso. Mas se formos comparar, ele se parece bem mais com o Homem-Formiga do que com Guerra Civil. De novo: considere isso um elogio. Bom filme, divertido, bem amarrado, com personalidade, infinitamente melhor, por exemplo, do que os dois filmes do Thor (pobre Deus do Trovão, ainda bem que uma nova chance está a caminho).

Vamos pensar assim, traçando um paralelo com a mídia original: a estreia do Mago Supremo da Terra nas telonas não é uma graphic novel com artistas estrelados ou uma daquelas sagas que reúnem dezenas de gibis e personagens. É mais como uma boa história em uma HQ de linha, mensal. Não é “uau, que simplesmente DUCARALHO”. Tá mais pra um “olha só, bem legal, hein?” um pouco mais contido.

Estamos falando aqui de uma história de origem, sem grandes invencionices, daquele jeito que a Casa das Ideias bem se acostumou a contar desde o primeiro Homem de Ferro – aliás, o médico talentoso, brilhante e bem-sucedido vivido por Benedict Cumberbatch tem um quê da arrogância e do egocentrismo de Tony Stark em sua jornada de redenção. Um acidente o tira de sua vidinha perfeita e milionária e o faz questionar o seu futuro, buscando uma reinvenção. No caso de Stark, pela ciência; no caso de Strange, a chave é a magia, campo ainda inexplorado neste universo compartilhado da Marvel, que ele procura para curar suas até então infalíveis mãos de neurocirurgião.

Doutor Estranho

Doutor Estranho não é aquela história tradicional de super-heróis, com dezenas de sequências de pancadaria, treta e confusão. Num certo ponto, é um filme até bem calmo. Dá pra contar nos dedos as cenas de lutas, aliás (e uma ambientada justamente no hospital onde Strange trabalhava, com dois personagens em suas formas astrais, é de fato BEM legal). Existe sim uma pegada filosófica interessante, uma discussão sobre a mortalidade, que começa pelos primeiros ensinamentos da Anciã de Tilda Swinton, passa pelas trocas de experiências com o Mordo de Chiwetel Ejiofor e se completa na figura de Kaecilius, o vilão vivido por Mads Mikkelsen que outrora buscou um ritual proibido para despertar um ser antigo de outra dimensão com o objetivo de encontrar a vida eterna.

O ponto a se destacar aqui, no entanto, é que o filme tem uma boa dose de humor (sim, sim, tem piadinha sim, viva com isso), mais até do que pensei inicialmente que pudesse rolar e, em alguns casos, um humor bobo, inocente, meio Sessão da Tarde. Neste sentido, lembra bastante o jeitão cool e descolado dos Guardiões da Galáxia e seu espírito de filme dos anos 80. Basta ver as primeiras interações entre o bom doutor e seu futuro parceiro Wong, na biblioteca sagrada de TOMOS DO CONHECIMENTO. Mas dava, talvez, pra ter segurado um pouquinho mais a mão porque, em certas passagens, isso acaba quebrando a seriedade que se esperava de uma DIGRESSÃO quase “religiosa”, que se dissipa como mágica (viram o que eu fiz aqui?) em meio a uma referência pop espertinha ou uma frase de efeito certeira.

Nada, no entanto, que chegue a atrapalhar muito a experiência. Porque, olha só, xô te contar, este é um filme da Marvel, não é como se a gente estivesse necessariamente esperando um tratado teológico aqui, é tudo bem simples e fácil de entender, nada de “este é A Origem com super-heróis”, não vai “explodir sua cabeça”. Complexidade, pero no mucho.

A solução final que Stephen Strange encontra para derrotar as FORÇAS DO MAL é um exemplo, uma sacada inteligente e com a dose certa de bom humor. Aliás, quando o assunto é humor, o clima em muito se beneficia do carisma do Benedito, que tá soltinho, bastante à vontade no papel. Novamente à comparando com o Ferroso, Cumberbatch está em seu melhor modo Robert Downey Jr, dominando todas as cenas e se mesclando ao personagem de maneira impressionante. Deve ser um segredo que só os Sherlocks Holmes conhecem mesmo, né? ;)

Doutor Estranho

O maior problema de Doutor Estranho, e isso é preciso reforçar sempre, é aquele que a gente BEM conhece das incursões Marvel nos cinemas, em especial nos filmes de origem: o vilão, que aqui é aquele tradicional doppelgänger do personagem principal. Tá bom que o Mikkelsen é um puta ator e, em certo diálogo com o Strange, tenta dar um pouco mais de profundidade ao seu personagem, mas ele se parece apenas com uma versão sombria e mais habilidosa do próprio Estranho, só que com aquele efeito esquisito nos olhos (que me dá um pouco de nervoso). Não estamos falando daquele que é exatamente o mais interessante dos antagonistas, né?

Numa trama relativamente curta – pros padrões Marvel, claro, com suas PARCAS 2h – e com elenco enxuto, um acerto importante aqui é que este ainda é um Doutor Estranho em formação. Ele não se torna o Mago Supremo do nosso planeta assim, do dia pra noite, não sai por aí todo fodástico invocando as Faixas Escarlates de Cyttorak para imobilizar seus inimigos. O sujeito está em fase de aprendizado, ainda bem vacilante, fazendo uma bosta atrás da outra e contando com a sorte pra coisa não ficar ainda pior. Strange é odiável em um momento e adorável logo depois justamente porque é gente como a gente. Talvez com uma capa mais estilosa.

Strange é odiável em um momento e adorável logo depois justamente porque é gente como a gente. Talvez com uma capa mais estilosa.

Ao final, bem aberto, o resultado que fica é um gosto de “quero mais”, uma vontade genuína e não apenas “porque é Marvel” de ver o que aconteceria com ele mais pra frente, de vê-lo interagindo com o restante da galera o quanto antes. Sinal de que o personagem funcionou bem, no fim das contas. ;)

Ao som de uma competente trilha de Michael Giacchino que tem uma levada de rock progressivo viajandão dos anos 70 (toca até Interstellar Overdrive, da fase alucinada do Pink Floyd sob comando de Syd Barrett), vemos não apenas menções ao Tribunal Vivo (entidade cósmica que tem lá sua importância nas sagas do Infinito da Marvel) e ao Daniel Drumm (o irmão falecido de Jericho, que mais tarde se torna o Irmão Vodu), mas também a confirmação de uma teoria a respeito do Olho de Agamotto (nenhuma graaaaande novidade aqui, vai?).

Sobre elas, sempre elas, as cenas extras, temos duas. A finalzona mesmo, aquela que rola depois dos créditos finais completos, era até meio óbvia para quem conhecia a mitologia do herói nas HQs — pode ser, digamos, meio broxante pra quem não lê gibis. Mas a cena extra que vem no meio dos créditos, esta sim, é uma conexão direta do Estranho com o restante do MCU, reta e funcional. Mas depois a gente fala mais sobre isso. ;)