Anti-herói brasileiro criado por Luciano Cunha se torna inesperado hit nas redes sociais
Fanático por gibis (“eu praticamente me alfabetizei com quadrinhos”, confessa), o designer gráfico carioca Luciano Cunha conta, meio envergonhado, que nunca leu uma HQ completa de Frank Castle, o Justiceiro. “Nunca foi um dos personagens que mais gosto na Marvel, a única fase que mais me atraiu foi quando Tim Bradstreet fazia as capas. Eu achava aquelas artes coisa de outro mundo, mas aí eu abria o gibi e era outro traço”, explica, sorrindo, num papo exclusivo com o JUDÃO.
Mesmo assim, é impossível não pensar no matador de camiseta de caveira ao ler uma história do Doutrinador, personagem criado por Cunha e que ganhou status cult quando começou a ser publicado gratuitamente na internet.
Arriscando rabiscar seus desenhos desde os 6 anos de idade, ainda adolescente, aos 16, foi parar na equipe que produzia a revista do Menino Maluquinho para a Editora Abril. Aquela foi sua primeira experiência profissional – até ser dispensado com o fim da revista, na crise do governo Collor. “Daí eu já sentia que não dava pra me sustentar com quadrinhos e migrei naturalmente pra publicidade”, conta, revelando que em seguida cairia na área de arte de alguns jornais, fazendo ilustrações e infográficos.
Em 2008, Cunha criou uma primeira versão do Doutrinador, “meio de bobeira, só pra voltar a desenhar pois estava meio enferrujado”. Mas a intenção inicial não era publicar nada, pelo menos a princípio. “Entre os amigos ele já era sucesso, as pessoas adoravam, mas eu fazia como, digamos, uma terapia mesmo”. Depois de produzir cerca de 40 páginas com o personagem, Luciano meteu na cabeça que aquilo tinha potencial. Enviou o material para 14 editoras – e 11 delas responderam dizendo que gostaram do que leram, mas preferiam não publicar por medo de processos envolvendo políticos. Aí, o Doutrinador acabou engavetado.
Só que a carreira do camarada não estava encerrada. “Cinco anos depois, por pura pilha de amigos do trabalho, desengavetei o personagem e comecei a postar nas redes sociais”. O Doutrinador, usando camiseta de banda de rock por baixo da jaqueta, ganhou uma máscara a la Sandman clássico – e uma postura ainda mais soturna e sombria.
No final de 2013, quando o primeiro arco de histórias começou a chegar ao seu clímax, Luciano resolveu realizar aquele clássico sonho de todo fã de quadrinhos e carregar as histórias do ambiente virtual para o impresso. Mas depois de negociar, sem sucesso, com algumas editoras, percebeu que era a hora de fazer por conta própria... de novo. Criou o selo Edições Anti-Herói, botou a mão no bolso e lançou a edição impressa de luxo, com 84 páginas coloridas e capa dura, sem Kickstarter ou Catarse nenhum. Foram mais de 200 cópias vendidas via Facebook nos primeiros 15 dias, indo para países como Argentina, Uruguai, Japão, Reino Unidos e EUA.
Aliás, o segundo volume de histórias, batizado de The Dark Web, passou então a contar com um roteirista convidado – o músico Marcelo Yuka, ex-O Rappa, conhecido por seu trabalho extremamente politizado. “O Yuka me contatou pelo Facebook, me chamou pra ir até a casa dele porque adorava o personagem e queria me conhecer”, conta Cunha. “Ficamos amigos, é muita coisa, muitas ideias em comum. Mas não acho que faremos outra, ele se envolve em muitos projetos ao mesmo tempo, é uma coisa frenética e é uma figura admirável por toda a sua capacidade de dar a volta por cima, se reinventar e ainda ser tão relevante”.
Com o sucesso do primeiro volume, a editora Redbox se interessou em lançá-lo junto com o segundo, em maior escala, iniciando também carreira internacional via AK Press, editora californiana que vai lançar o Doutrinador em inglês (“The Awakener”) e em francês (“L’Évelleur”).
A intenção de Luciano Cunha é que o Doutrinador comece a trilhar um importante caminho também FORA das páginas dos gibis. Já existe, por exemplo, uma estatueta colecionável em produção, atendendo a pedidos dos leitores. Um mobile game, que “está em marcha lenta devido à crise, literalmente. É outro produto caro demais e os investidores estão receosos com o panorama atual da economia”.
E até mesmo o piloto de uma série de TV, com o qual o criador está empolgadíssimo. Mas... “Não posso dar muitos detalhes”, diz, em tom de suspense. Alguns, pelo menos, a gente arrancou. “O que posso dizer é que foi um esforço conjunto de três produtoras cariocas pra fazer um piloto de série live action. É claro que sou suspeito, mas ficou bom pra cacete”, brinca”. “Tudo ficou extremamente bem feito. Imagina pra mim, poder acompanhar uma produção de alto nível, sendo o autor e opinando nas ações... foi extremamente prazeroso. Eu não tinha contato com o universo do cinema e pude ver de perto como o brasileiro é competente pra caramba, como vencemos a ausência de recursos com muita criatividade e suor”.
Cunha revela que, mesmo assim, o produto final ficou muito caro. “Não é uma produção simples, tem ação, tiro, explosão, maquiagem, a trilha sonora, é muita despesa. Então decidimos procurar primeiro um player internacional do mercado, que tenha grana pra bancar o projeto, pois sabemos que dificilmente um canal brasileiro teria bala na agulha pra investir”, afirma. “Mas estamos confiantes de que vai dar tudo certo”.
O Doutrinador também anda bem encaminhado no mundo da música, veja só. Depois de ganhar uma homenagem musical da banda carioca Possessonica, que gravou A Forra (que tem até clipe!) inspirada no mascarado, ele passou a usar um figurino bastante especial: uma camiseta da maior banda brasileira de heavy metal.
“O Sepultura veio através de um amigo em comum com o Andreas Kisser, líder e guitarrista. O Doutrinador usava uma camisa do Motörhead por baixo do casaco, mas eu não tinha aprovação da banda pra usar a logomarca, então assim que decidi publicar de forma independente o primeiro arco de histórias, esse amigo me passou o e-mail pessoal do Andreas”.
Cunha mandou a ideia para o músico, que adorou e liberou oficialmente o Doutrinador para usar uma camisa do Sepultura. “Simples assim. Eles vendem a primeira edição na loja oficial deles na internet”, diz. Isso quer dizer que, talvez, venha uma música-tema por aí? “Não acho, não por enquanto, a agenda deles é muito apertada, ainda mais agora que a banda está comemorando 30 anos de estrada. É uma rotina muito doida também, pode apostar”.
Apesar de deixar claro, a todo momento, que o Doutrinador é uma obra de ficção e que seus personagens são apenas “representações da realidade”, ele sabe que é o tipo de provocação que pode atrair a atenção de algumas pessoas que se sintam, digamos, retratadas.
“Já fui processado por um deputado federal famoso, fiquei com muito medo de tudo, mas tive a ajuda profissional de dois amigos de infância que são ótimos advogados e eles resolveram isso pra mim”, conta. “Eles me aconselharam a não usar o processo pra dar mais publicidade ao trabalho e acho que foi a melhor coisa a fazer. Agradeço a eles por isso”.
Para ler as histórias do personagem e tirar suas próprias conclusões, basta CLICKAR neste link aqui, ó.
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