Dr. Feelgood: 25 anos de sexo e MUITAS drogas | JUDAO.com.br

O mais comentado e premiado disco do Mötley Crüe faz aniversário no mais emblemático ano da história da banda…

Parece sintomático, senhoras e senhores, que o disco mais bem-sucedido comercialmente da carreira do quarteto conhecido como Mötley Crüe complete 25 anos exatamente no mesmo ano em que a banda inicia a sua turnê de despedida definitiva dos palcos. Seu quinto trabalho de estúdio, Dr. Feelgood chegou ao topo das paradas de sucesso da Billboard em 1989, seu ano de lançamento – vendendo a bagatela de 6 milhões de cópias apenas nos EUA.

No entanto, Dr. Feelgood também carrega duas marcas dolorosas não apenas para a banda, mas também para seus congêneres. Este foi o último disco de estúdio antes da saída do vocalista Vince Neil – em um dos muitos e recorrentes episódios de desentendimentos entre os integrantes do Crüe. Substituído por John Corabi no álbum auto-intitulado de 1994, Neil voltaria ao grupo em Generation Swine, lançado em 1997. No entanto, o seu afastamento foi inegavelmente o ponto de partida de uma era de declínio para a banda – o retorno se mostraria um fracasso de vendas e forçaria o grupo a abandonar a Elektra, sua gravadora, para montar seu próprio selo musical.

Mas também é fácil dizer que Dr. Feelgood foi o canto do cisne do glam metal, o hard rock farofa que dominou as rádios e as emissoras musicais na década de 80 mas que, nos anos 90, iniciou um declínio visível – causado, em grande parte, pelo surgimento do grunge. Um tipo de música mais cru, mais básico, bebendo na fonte de simplicidade e fúria do punk, o grunge dos moleques de camisa de flanela derrubou a popularidade de uma dezena de bandas calcadas na fórmula do laquê, da maquiagem, da pirotecnia e de toda a sorte de exageros. Os adolescentes da década de 90 passaram a não se identificar mais com os crües e seus clones, mas sim com a horda de amigos de Kurt Cobain e seus parceiros de Seattle. Mas isso é outra história ...

Motley Crue

É muito, mas muito fácil entender as razões do sucesso de Dr. Feelgood. Sem qualquer pretensão de ser mais do que apenas diversão (e das boas!), o álbum é um precioso apanhado de hits, canções alucinadas e contagiantes, com refrões impossíveis de resistir. A produção ficou a cargo do canadense Bob Rock, que já trabalhou com nomes como Bon Jovi, The Cult, Skid Row, The Offspring, Cher e Bush. Graças ao som da bateria neste trabalho de Rock com Dr. Feelgood, aliás, foi que Lars Ulrich pediu para que ele viesse se juntar ao Metallica na produção do que viria a ser o chamado Black Album – não por acaso, o disco que se tornaria também o grande sucesso comercial do quarteto outrora thrash.

A faixa-título tornou-se um clássico absoluto do Crüe, tão indispensável em seu setlist quanto Girls, Girls, Girls. Embora a mídia trate Theodor Morell, o médico particular de Adolf Hitler, pela alcunha de Doctor Feelgood – graças às técnicas pouco ortodoxas para livrar o irascível patrão da dor – a canção faz referência direta à figura do traficante de drogas. Inspirado por uma dezena de traficantes que conhecia, o baixista Nikki Sixx não teve dificuldades para forjar a história de Jimmy, um vendedor de entorpecentes na região de Hollywood que tinha conexões tanto com a máfia mexicana quanto com a polícia. A vida imita a arte, a arte imita a vida? Só Sixx sabe.

Por sinal, outra canção emblemática do disco (e aquela que eu considero a minha favorita da banda) é também inspirada em uma história real: Kickstart My Heart. No dia 23 de dezembro de 1987, o próprio Sixx sofreu uma overdose de heroína. A caminho do hospital, o músico foi declarado oficialmente morto – mas um dos médicos, que era fã do grupo, trouxe Sixx de volta à vida injetando duas doses de adrenalina em seu coração. Lenda urbana ou não, o fato é que a canção cravou em pedra mais uma das muitas histórias do Mötley Crüe envolvendo cocaína, heroína e toda coleção de drogas que eles já ousaram experimentar. “Eu escrevi a música muito rápido e trouxe pros ensaios”, contou Sixx em um papo com a revista Rolling Stone. “Achei que era algo para jogar fora, tinha cara de sobra do ‘Too Fast For Love’. Mas se encaixou no álbum melhor do que deveria”.

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O Crüe de ontem

Dr. Feelgood ainda tinha espaço para outra história real, esta bem mais graciosa e, por que não dizer, romântica. Para a balada Without You, Sixx se inspirou no romance do baterista Tommy Lee com a atriz Heather Locklear (da primeira versão da série Melrose Place). “É uma música sob a perspectiva de Tommy, sobre como a vida não seria a mesma sem ela. Era um bom relacionamento na época. É uma espécie de momento romântico. Me desculpem por isso”, explica Sixx, tirando onda. O casamento dos dois ruiria em 1993 – e depois Lee começaria seu famoso relacionamento com a igualmente loira Pamela Anderson. Rompimentos, aliás, são o tema de outra ótima canção do álbum, Same Ol’ Situation. É essencialmente uma faixa que versa sobre um cara abandonado pela namorada – que resolve ficar com outra mulher. Exato. Lesbianismo. “Eu amo porque, quando a gravadora a ouviu, logo pensaram ‘Oh, esta música é perfeita para ser um single’. E nós pensamos, ah, maravilha. Depois a gente conta pra eles que é sobre lésbicas”, revela Sixx, às gargalhadas.

Aqueles com ouvidos mais apurados devem prestar atenção redobrada em She Goes Down, que canta sobre o tema da lealdade/fidelidade (“por mais que nós não sejamos os caras mais fiéis do mundo”, confessa Sixx). O vocalista Vince Neil dá a dica: “Tem um sexo rolando no fundo, bem lá no fundo, se vocês prestarem atenção. Não podemos dizer quem está envolvido, mas a prostituição é legalizada em Vancouver”, afirma, a respeito do local no qual rolaram as gravações, o estúdio canadense Little Mountain Sound Studios. Aliás, o trabalho no famoso estúdio facilitou as participações especiais do disco – em She Goes Down, por exemplo, o vocalista do Cheap Trick, Robin Zander, ajuda nos backing vocals. Já em Sticky Sweet, o elenco de vozes de fundo foi ainda mais estrelado – o cantor Bryan Adams vive na cidade, então foi fácil convocá-lo. E como o Aerosmith estava gravando Pump no mesmo lugar, não demorou até que Steven Tyler também fosse dar o ar de sua graça ... e de sua voz.

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O Crüe de hoje

“Esta é uma grande música. Temos tocado por anos. É uma espécie de canção para fazer a galera se sentir bem. Quando ela surge, todo mundo quer cantar junto”, afirma Neil a respeito de Don’t Go Away Mad, outra das minhas favoritas do grupo. Mas aqui fica a dúvida: no que Sixx teria se inspirado para escrevê-la? Diz ele que ouviu a frase “don’t go away mad – just go away” em um filme, gostou e achou que ela daria uma boa ideia para uma música. O atual líder e principal compositor do Crüe só não consegue se lembrar em qual filme teria sido. Mas tudo bem, a gente ajuda o sujeito: temos quase certeza que foi em O Destemido Senhor da Guerra (Heartbreak Ridge), de 1986, dirigido e estrelado por Clint Eastwood.

De nada, Sixx. Mas basta usar o Google de vez em quando.