Porém, todavia, contudo, a editora garante que isso NÃO significa o fim dos gibis de temática adulta
Pronto, o que era uma boataria correndo nos bastidores do mundinho dos quadrinhos agora virou oficial: a DC Comics vai extinguir de vez, a partir de Janeiro de 2020, o icônico selo Vertigo de suas publicações. A ideia é fazer não apenas uma reestruturação de suas divisões impressas mas também uma mudança no significado de sua marca principal. Outras submarcas, como o DC Zoom e o DC Ink, ambos focados em públicos mais jovens, também vão desaparecer.
A partir de agora, teremos apenas três novos selos para identificar o material lançado pela editora: DC Kids, para leitores entre 8 e 12 anos; apenas DC, para leitores acima de 13 anos; e o DC Black Label, que inclusive já vinha sendo usado em alguns lançamentos recentes, para leitores acima dos 17, com histórias podem envolver mais violência, sexo e afins. É desta forma que as capas deixarão claro qual é o ~público-alvo de cada HQ. Vale lembrar ainda que selos de duração limitada, que não são iniciativas editoriais permanentes, tais quais o Young Animal de Gerard Way ou então o The Wild Storm de Warren Ellis, permanecem independentes.
Basicamente, é assim: o que já tiver sido anunciado como futuras publicações para a Vertigo em 2020 entra automaticamente debaixo do guarda-chuva DC Black Label — aquele mesmo que já publicou Batman – Damned (a história da polêmica cena da bat-piroca) e será a casa dos vindouros Superman – Year One (escrito pelo Frank Miller), Batman: Last Knight on Earth (de Scott Snyder e Greg Capullo) e Batman: Three Jokers (de Geoff Johns e Jason Fabok), entre outros. O mesmo caminho seguirão as séries atualmente publicadas como Vertigo.
“Estamos retomando um tipo mais simples de apresentação da marca DC, que esteve presente ao longo da maior parte de nossa história até que lançamos, em 1993, o selo Vertigo, que serviu de casa para publicações mais radicais”, explica o editor-chefe da DC, Dan DiDio, em comunicado oficial. “Este tipo de material é agora mainstream ao longo de todos os gêneros, então pensamos que talvez seja o momento certo para trazer mais clareza à marca DC e reforçar nosso compromisso em contar boas histórias para nossos fãs de todas as idades. Este novo sistema substituirá as classificações indicativas que usamos atualmente em nossas revistas”.
Pouco depois do anúncio, que obviamente pegou de surpresa a comunidade quadrinística, incluindo aí não só fãs mas também criadores que já escreveram pro selo, outro dos homens fortes da DC resolveu se manifestar, para deixar claro que a ideia é, sim, continuar fazendo HQs experimentais e autorais para o público adulto, ainda que sob outro nome. No caso, ninguém menos do que Jim Lee, o Chief Creative Officer da DC Entertainment, que assumiu o cargo no lugar de Geoff Johns.
“Nossa decisão de colocar todos os nossos conteúdos sob uma única marca DC é apenas isso”, afirmou Lee no Twitter. “Publicações maravilhosas como o Sandman Universe vão continuar. Grandes planos para o segundo ano do Young Animal. Iniciativas relâmpago e gibis autorais vão permanecer como uma grande da DC. Nenhum gibi está sendo cancelado ou mandado embora”.
Portanto, até o momento, títulos como High Level (mistura de fantasia e mundo pós-apocalíptico escrito Rob Sheridan), Goddess Mode (alta tecnologia e inteligência artificial, da dupla Zoë Quinn e Robbi Rodriguez), American Carnage (Bryan Hill e Leandro Fernandez contando a história de um agente do FBI infiltrado num grupo de supremacistas brancos) e Lucifer (aquele que não tem NADA A VER com a série de TV mas que mesmo assim teoricamente serviu de fonte de inspiração) tão garantidos.
Surgida em 1993 pelas mãos de Karen Berger, a Vertigo era uma iniciativa com o objetivo de poder contar histórias instigantes e criativas sem ficar preso sob as restrições do Comics Code Authority ou mesmo sob a louca cronologia regular dos super-heróis da DC tradicional. As HQs publicadas permitiam inclusive que os autores mantivessem os direitos sobre algumas de suas publicações. A lista de criações que nasceram sob a sua BATUTA de duas décadas é inegavelmente surpreendente: Sandman, Preacher, V de Vingança, Transmetropolitan, Hellblazer, Homem-Animal, Monstro do Pântano, Patrulha do Destino... Uma verdadeira metralhadora de clássicos, escritos por um exército de grandes talentos que tiveram sua primeira grande chance naquele espaço: Neil Gaiman, Alan Moore, Grant Morrison, Garth Ennis, Warren Ellis, Peter Milligan. Só coisa fina.
“Foi a fermentação letal de chá forte e tédio político, fadiga pós-Império e por ser quase, mas não completamente, unidos aos EUA”, tentou explicar o próprio Milligan, numa entrevista exclusiva pro JUDÃO.com.br, sobre a efervescência quadrinística daquela época, durante a chamada Invasão Britânica. “Mas eu ainda acho que a Vertigo é surpreendente – estamos tão acostumados com isso que raramente percebemos o qual surpreendente e original ela é – e eu não vi nada que me faz pensar que as pessoas de lá querem mudar isso”>
Com a criação da DC Entertainment, presidida por Diane Nelson (a responsável por levar Harry Potter aos cinemas), rolou o reboot do Universo DC. Personagens tradicionais como Monstro do Pântano e John Constantine foram parar no Universo DC principal, fora da Vertigo, enquanto sucessos mais recentes como DMZ, 100 Balas, Fábulas, iZombie, Escalpo e Y: O Último Homem, por um motivo ou por outro, foram encerrados. Pra piorar, Karen viu seu poder diminuído, sendo obrigada a se reportar para Bob Harras, o novo editor-chefe da DC Comics, e não mais pra presidente Diane Nelson. Então Karen saiu — foi editar coisas numa Image Comics hoje muito mais focada em quadrinhos de autor e lançou sua própria linha de gibis na Dark Horse.
A bomba ficou pra Shelly Bond, a editora-assistente que tinha mais de duas décadas de casa, igualmente pressionada pelas tais franquias que poderiam virar filme, série de TV, o pacotão completo. Tentou um grande relançamento, que não deu lá muito certo. E igualmente acabou não resistindo. Na IDW Publishing, então ela foi lançar oficialmente a sua própria Vertigo, o selo Black Crown.
A decisão, tá na cara, é total e puramente comercial e muito menos editorial. Pra vender mais e melhor, fortalecendo a marca “DC”. Afinal, é mais importante ter uma série como Patrulha do Destino ou Monstro do Pântano sendo associada às duas letrinhas-mães do que à Vertigo, por exemplo. É vender a DC em todas as pontas, de maneira integrada e única. Os marketeiros amam ressaltar em suas apresentações a coisa toda do “vender 360”. Eis o ponto.
Se com isso pelo menos o ESPÍRITO e a LIBERDADE da Vertigo serão mantidos dentro do tal Black Label, bom, aí já são outros quinhentos.