Três anos depois, diretor finalmente fala a respeito do fim de seu casamento com o estúdio, que terminaria com um projeto dos sonhos abandonado por “diferenças criativas”
Em entrevista concedida na semana passada ao Playback Podcast, o diretor Edgar Wright falava sobre seu novo filme, Baby Driver (batizado aqui no Brasil como Em Ritmo de Fuga, AIAIAI), quando foi questionado a respeito de sua participação como diretor do filme do Homem-Formiga – uma relação que se encerrou oficialmente em Maio de 2014, com aquele clássico argumento “diferenças criativas sobre a visão do filme”.
Até o momento, ele tinha mantido um silêncio quase SEPULCRAL sobre o assunto mas ali, mais descontraído, finalmente se sentiu à vontade e abriu o bico. “Eu acho que a resposta mais diplomática é que eles queriam que eu fizesse um filme da Marvel mas não acho que eles queriam fazer um filme do Edgar Wright. Foi uma decisão que partiu meu coração ter que sair de um projeto no qual trabalhei durante tanto tempo”.
Ele ainda diz que acha engraçado que as pessoas comentem “ah, mas ele e o Joe Cornish trabalharam nisso durante oito anos seguidos”, quando não foi bem assim. “Isso é só meia-verdade. Neste meio tempo, eu fiz três filmes, então não estava trabalhando nisso em período integral. Mas depois de Heróis de Ressaca (The World’s End, de 2013), me dediquei direto a isso por um ano. Eu ia mesmo fazer o filme”. Mas a quebra veio quando a Marvel decidiu trabalhar em uma nova versão do roteiro, sem ele e Cornish. “Tendo escrito todos os meus filmes, é foda seguir em frente sem ser o roteirista e diretor ao mesmo tempo. Acabei me tornando meio que um diretor de aluguel no projeto. Aí você se sente com menos investimento emocional neste negócio e começa a pensar por que razão está ali, na verdade”.
Para o cineasta (que no fim manteve crédito como roteirista no filme ao lado de Cornish e também como produtor executivo), a coisa boa desta separação é que ele teve tempo para se dedicar a um OUTRO projeto dos sonhos, um roteiro que ele já tinha escrito. “E a ironia é que cheguei a pensar ‘bom, se o filme da Marvel for bem, talvez eu tenha mais força pra tirar Baby Driver do papel com o apoio de um estúdio’. Mas outra parada que foi importante é que praticamente toda a minha equipe saiu comigo, em solidariedade, e aí eu tinha que me meter em outro filme pra empregar todo mundo de novo. Quase todos os chefes de departamento do outro filme estão em Baby Driver comigo”.
Até então, a única declaração de Wright tinha sido um tweet, pouco depois deletado, com a palavra “selfie” e no qual constava uma foto de Buster Keaton segurando um Cornetto. Além da referência óbvia ao nome de sua trilogia de filmes (Todo Mundo quase Morto, Chumbo Grosso e Heróis de Ressaca), existe um subtexto bem forte aqui: depois que seu ambicioso filme A General, de 1926, foi um fracasso de bilheteria, Keaton aceitou um trampo com a MGM, que depois afirmou ter sido “a pior decisão de sua vida”. Ouch.
Precisamos levar em consideração aqui que a Marvel era uma entidade BEM diferente quando iniciou o relacionamento com Wright. Estamos falando de um estúdio praticamente independente, iniciante, ainda começando a construir sua marca com dois filmes do Homem de Ferro e o primeiro Capitão América. Mas aí veio a Disney e sua máquina bilionária, fazendo de cada uma das produções da Casa das Ideias um capítulo bilionário de uma história maior. “Kevin Feige e seus homens de confiança comandam a Marvel com uma visão singular, mas aí você pega um autor de verdade e o joga na mistura e, bom, é isso que acontece”, disse uma fonte interna para o The Hollywood Reporter. “Eles não querem que você fale muito e tenha lá grandes visões. As pessoas que nunca trabalharam com eles não sabem como eles operam, mas se você confia neles, as coisas funcionam maravilhosamente”.
Se a gente parar pra pensar, não se trata da primeira nem da última vez em que isso rola com a Marvel. Dá pra gente lembrar desde o Edward Norton tretando pós-O Incrível Hulk e sendo substituído por Mark Ruffalo n’Os Vingadores, passando pelo Terrence Howard perdendo o papel de Jim Rhodes pro Don Cheadle nas continuações do Homem de Ferro, pelo Joe Johnston não voltando pra Capitão América 2 e chegando até ao mundinho complexo do Thor, com Kenneth Branagh se recusando a voltar pra dirigir a sequência, Patty Jenkins sendo a escolhida e vazando logo depois – e quando Alan Taylor assumiu o rojão de O Mundo Sombrio, ele também pulou do barco para o terceiro filme. “Este não seria um filme da Ava DuVernay”, afirmou a diretora, quando explicou porque passou a chance de dirigir o filme do Pantera Negra. “Seriam três anos sem fazer outras coisas bem importantes pra mim”.
Amigos famosos deram apoio ao Wright na época. Joss Whedon, que como vocês bem sabem já tinha trabalhado com a Marvel antes num par de filmes aí e encerrou a ~parceria de uma maneira, digamos assim, pouco amigável, também recorreu à metáfora do sorvete, num tweet em que parecia saudar Wright. Já seu colaborador frequente, o ator Simon Pegg, foi ainda mais direto. “Foi uma vergonha”, disse ele, pra Sky News. “Eu acho que a Marvel queria algo particularmente em linha com seus desejos, mas se você contrata alguém com uma visão, tem que esperar que ele ou ela façam o filme deles, um filme de Edgar Wright. E era isso que o roteiro era. Interessante, uma verdadeira jornada de personagem. Não posso falar muito porque não estava envolvido diretamente, mas acho que foram eles que saíram perdendo”.
Ao Guardian, no entanto, Feige defendeu o estúdio das acusações de que eles seriam um “estúdio maléfico, com medo de uma visão criativa que pensa fora da caixa, bwahahahahahahaha” e usou Guardiões da Galáxia e Capitão América 2 como exemplos de que suas produções falam por si mesmas como potenciais visões mais ousadas. “Nossos filmes são bastante colaborativos, mais até do que ele estava acostumado. E eu respeito isso”.
Sobre a questão com Edgar Wright, o chefão do Marvel Studios diz que rolou uma combinação de fatores. “Sentamos em uma mesa e percebemos que não estava funcionando. Uma parte de mim desejava que pudéssemos ter percebido isso antes, nestes oito anos, mas foi melhor que isso tenha acontecido em algum momento, para nós e para ele, e que não tenhamos seguido em frente com a produção. Combinamos de escrever um comunicado. Mas o que diríamos nele? ‘Diferenças criativas’. E eu disse: é o que todo mundo diz e ninguém acredita. E o Edgar disse: mas neste caso é verdade”.
Todavia, contudo, porém, lembremos sempre de uma entrevista para a MTV, em 2013, na qual Kevão chegou a dizer que Edgar Wright era a única razão pela qual a Marvel estava fazendo o filme do Homem-Formiga. “É um filme de origem, claro que firmemente plantado no MCU, mas pela perspectiva de Edgar Wright. É um lugar diferente, que não vimos ainda”.
A relação do diretor britânico com o Homem-Formiga era bem de fã MESMO, como ele explicou em entrevista ao SuperHeroHype, revelando que o primeiro tratamento de roteiro foi escrito antes ainda de Todo Mundo Quase Morto (2004). “Eu tava em Los Angeles e aí visitei a Artisan Entertainment. Na época, eles tinham os direitos de alguns personagens menos conhecidos da Marvel (graças ÀQUELE acordo fechado por volta do ano 2000) e me perguntaram se eu era fã da editora e se tinha interesse em alguns daqueles títulos. O que me saltou aos olhos imediatamente foi o Homem-Formiga”. O motivo? Wright era fã do gibi Marvel Premiere de 1979, no qual David Michelinie fazia uma espécie de origem para o Scott Lang. “O que eu gosto no Homem-Formiga é que ele não tem um poder secreto, não é nada sobrenatural ou genético. Não tem raios gama. É apenas o uniforme e o gás. Aí, pensei em algo muito visual, cheio de ação, mas muito divertido”.
Foi escrito um tratamento de roteiro, que é tipo um rascunho, numa parada mais filme de assalto, com Scott Lang como ladrão, e mostraram pra Artisan, que devolveu com “bem, a gente queria algo mais família”. Ou seja: muito provavelmente, a Marvel jamais viu a cara deste material.
De qualquer maneira, eis que, três anos depois, Wright conheceu Feige na San Diego Comic-Con, em um papo casual sobre HQs. Na época, ele era só produtor e não o bambambam da porra toda. Mas, mesmo assim, rolou a fatídica pergunta: “e aí, tu tem interesse em algum dos nossos títulos?”. E eis que o Wright mandou de volta um: “cara, você quer ler o tratamento que a gente escreveu sobre o Homem-Formiga? E pela cara de surpresa, era mesmo a primeira vez em que eles ouviam falar daquilo”. Tudo isso, lembrando, antes mesmo do PRIMEIRO Homem de Ferro ter sido lançado.
O projeto foi então apresentado oficialmente pro Feige e pra um certo Avi Arad, na época ele sim o chefão da porra toda. Ambos amaram e mandaram a dupla seguir em frente. No final de 2007, rolaria o tal primeiro rascunho oficial, com Scott Lang, um Hank Pym mais velho, sua filha Hope Van Dyne e um vilão chamado Greydon Clark (?), que usaria uma versão avançada do uniforme do Homem-Formiga de nome NanoWarrior (???). Basicamente, a ideia original seria misturar Hank Pym e Scott Lang, como o roteiro final acabou fazendo. “Teríamos um prólogo no qual veríamos Pym em ação nos anos 60, numa pegada meio Tales to Astonish, cortando então pros dias de hoje, a história de Lang, como ele conseguiu o uniforme, como encontra com o Hank e como eles passam a trabalhar juntos”.
Para a Empire, em 2008, Wright contou que estava trampando na segunda versão do roteiro, com indicações de que, talvez, algo não estivesse caminhando MUITO bem já ali. “Vai ser menos abertamente cômico do que qualquer outra coisa que já fiz. É mais um filme de ficção científica com aventura de ação total, mas com um elemento cômico. Certamente, não é uma paródia de super-herói ou uma homenagem pra Querida, Encolhi as Crianças”.
Em 2010, na mesma San Diego Comic-Con, quando o elenco dos Vingadores foi apresentado e o Homem-Formiga não estava ali listado, parecia tudo bem. Edgar Wright disse ter falado com Feige, agora presidente da Marvel Studios, a respeito do assunto, mas “o roteiro que eu escrevi, sabe, a cronologia dele ou a forma que funciona, não se encaixa com o que eles tão fazendo”. Pouco depois, Cornish contou ao Digital Spy que rolaria até uma referência ao Homem-Formiga no filme do Thor, mas que acabou sendo cortada da versão final do filme.
Mas foi em 2013 que a gente começou a cheirar uma certa, digamos, desarmonia por aqui. Porque, ao mesmo tempo em que Feige disse ao EW que o roteiro precisaria ser reescrito para que o filme se adaptasse mais ao agora estabelecido MCU, que não existia quando o projeto surgiu, Wright fez questão de destacar pra galera do IndieWire que Homem-Formiga seria bastante autônomo na forma como se ligaria aos outros. “Eu gosto de torná-lo autônomo porque acho que a premissa precisa de tempo. Eu quero trazer esta premissa pro mundo real, que é o motivo pelo qual acho que Homem de Ferro funciona. É um universo bem simples”.
Viriam então mais pedidos de revisão do roteiro, o Jaqueta Amarela entra no circuito, e em Abril de 2014, Wright viaja pra LA só pra descobrir que Feige estaria pedindo um NOVO rascunho do roteiro sem a participação de Wright ou Cornish – e o diretor não teria controle sobre o trabalho destes roteiristas. Foi aí que o caldo entornou.
No fim, quando Peyton Reed assumiu a direção (depois que Adam McKay negou o cargo), Paul Rudd, o próprio protagonista do filme, se envolveu no processo de revisão do roteiro, junto com o amigo McKay e afirmou claramente que tinha muito de Edgar e Joe ali, mas que novas cenas, sequências e personagens foram adicionados. Na visita do io9 ao set, o próprio Reed descreveu o roteiro original de Wright e Cornish como sendo a “espinha dorsal” do filme. “É uma história de roubo, a tocha sendo passada de Hank pro Scott, tipo aquelas tramas de mentor e pupilo”. Mas, em termos de tom, ele afirma que a coisa se tornou algo bem diferente. Um exemplo? O papel de Hope Van Dyne. A própria Evangeline Lilly conta que colou em Rudd e McKay e disse pra eles darem uma “bombada” na sua participação. O resultado é que ela tem uma importância maior no arco principal, além de algumas cenas mais “físicas”, coisa que também não existia no original.
Outras coisas que vieram da trinca Reed + Rudd + McKay: a presença do Falcão (o que, vamos combinar, era meio que esperado que fosse rolar de alguma forma, dado o pedido de integração do Feige), toda a lisérgica sequência no universo quântico (que os leitores dos gibis bem conhecem como o microverso) e, pasmem, veio deles também a ideia da SENSACIONAL cena em que o Luis explica como conseguiu descobrir a vítima da vez para o roubo perfeito. “Isso não existia nas versões anteriores”, contou Reed ao Uproxx. “E eu achei que faria um baita sentido, quis trazer isso pra trama”. E justamente isso, que parecia puramente Edgar Wright. Ora, ora, que surpresa. ;)
No fim, Homem-Formiga PERFORMOU bem com seus quase US$ 520 milhões em todo o mundo, garantindo a sequência, Ant-Man and the Wasp, pra Julho de 2018. E enquanto isso, a gente fica aqui pensando: será que Wright assistiu ao filme de Reed? E se sim, bom, o que diabos ele achou?
“Eu não vi o filme e nem o trailer. Seria algo como se você me perguntasse ‘você quer ver sua ex transando?’ Tipo, ‘nah, tou de boa'” disse o diretor em entrevista ao Uproxx. “Eu disse pro Paul [Rudd, o próprio Homem-Formiga] — ele sabe que eu não vi — ‘eu não vi o filme, nem vou ver. Mas eu te vi em Guerra Civil, e você era a parte mais engraçada”.
Isso não significa, porém, que Wright nunca tenha chegado PERTO de assistir ao filme. “O mais próximo disso foi quando alguém perto de mim num avião começou a ver. Quando eu percebi, eu pensei ‘bom, talvez eu devesse trabalhar um pouco no meu laptop'” — e o diretor garante que não chegou nem a dar uma OLHADELA.
Perguntado se ele chegou a conversar com Peyton Reed, a única coisa que Edgar Wright disse foi pra que ele “não só use os storyboards”. “Aí eu nunca mais falei com ele”.
Eu tenho zero arrependimentos sobre não fazer o filme. Zero. A única coisa que me arrependo é o tempo perdido, meu e do Joe Cornish. É meu único arrependimento
Então tá!