El Sorprendente Hombre Araña Hecho en Mexico | JUDAO.com.br

A história que tomou a comunidade quadrinística de assalto na última semana, a respeito de uma série de gibis setentistas do Cabeça de Teia feitos no México com uma continuidade própria não é BEM assim. Mas é maravilhosa de qualquer jeito.

Quem lê quadrinhos de super-heróis tá mais do que acostumado com o conceito de “realidades paralelas”. Mundos tipo aqueles em que o foguete que trazia Kal-El do moribundo planeta Krypton, por exemplo, não cai perto de Smalville mas sim lá na Rússia. Ou então um no qual o anel do igualmente moribundo Lanterna Verde Abin Sur não escolhe Hal Jordan como seu novo portador, mas sim Bruce Wayne. Ou mesmo, sei lá, um universo no qual poderíamos tentar entender o que teria acontecido com a vida de Peter Parker caso o grande amor de sua vida, Gwen Stacy, não tivesse morrido naquela chocante tragédia pelas mãos do Duende Verde.

Esta última, aliás, é uma realidade que já foi algumas vezes repensada na trajetória recente da Marvel mas que, na semana passada, voltou com força total à tona quando, em sua conta no Twitter, o presidente da IDW Publishing, Chris Ryall, fez uma provocação e perguntou aos leitores que HQ eles gostariam de ver reunida num encadernado completo, começo meio e fim, e que jamais tinha saído neste formato.

A resposta mais inusitada coube ao usuário que atende pela arroba de @comickeys: “nos anos 70, a editora La Prensa não acreditava que os mexicanos leriam uma história do Homem-Aranha depois da morte da Gwen Stacy. Eles então criaram 45 números originais que se passavam depois de The Amazing Spider-Man 119 nos quais ela vive. Isso nunca foi traduzido ou replicado”.

E aí o mundo dos gibis EXPLODIU.

“Até que eu consiga confirmação dos altos escalões, estou tratando esta história como uma lenda urbana”, afirmou Dan Slott, que além de ter escrito os gibis do Homem-Aranha durante mais de uma década, sempre foi um fã declarado do personagem. Marcado de imediato no Twitter por um monte de leitores que tiveram suas cabeças explodidas pela revelação mexicana, no entanto, ele tratou de dizer que amaria também ver este material transformado num encadernado e mais: com Gerry Conway e Ron Frenz escrevendo uma história final para encerrar a cronologia paralela de vez.

Uma realidade alternativa apresentada aos leitores mexicanos como sendo a realidade DE FATO? Wow, isso sim é uma ÓTIMA história. Pena que ela não foi beeeeeeeeeem assim. A começar por: sim, tivemos diversas histórias inéditas, que não eram apenas licenciadas e com o texto traduzido pela editora local, mas sim escritas e desenhadas por lá. Mas este papo de que foi uma cronologia nova sem a morte da Gwen Stacy não, não aconteceu muito beeeeeem assim.

A história começou bem antes, na verdade, lá por volta dos anos 50, quando o importante jornal mexicano La Prensa criou a sua própria editora, a Editora de Periódicos S.C L. La Prensa. Além de terem adquirido os direitos de publicação para títulos em quadrinhos como Dick Tracy e The Spirit, em 1952 eles começaram a publicar algumas coisas vindas tanto da Atlas quanto da Timely Comics, antes mesmo da Marvel simplesmente existir. Logo, já rolava um relacionamento bom o suficiente para que os mexicanos pudessem pleitear, assim que Stan Lee e Jack Kirby viraram o mundo dos gibis do avesso com aquele tal Quarteto Fantástico de 1961, a publicação destes maravilhosos quadrinhos com heróis que eram gente como a gente.

Uma das editoras pioneiras na publicação dos personagens da Casa das Ideias na América Latina, distribuindo suas publicações não apenas no México mas também para Argentina, Chile, Uruguai e Peru, além das maiores comunidades hispânicas nos EUA (principalmente na Califórnia e na região de Miami), La Prensa fez sucesso principalmente com a sua versão do sucesso The Amazing Spider-Man, deliciosamente batizada em espanhol como El Sorprendente Hombre Araña.

O grande ponto aí é que a publicação no México, inicialmente no mesmo esquema de uma Panini da vida (ou seja: temos as histórias originais, traduzimos e levamos pras bancas sem tirar nem pôr), começou em junho de 1963, apenas três meses depois que a Marvel colocou na rua, lá nos Estados Unidos, a primeira edição do gibi solo de Peter Parker, aquela mesma em que ele resolve pedir um emprego pra galera do Quarteto Fantástico.

Só que, além de ter uma diferença de timing beeeeem menor do que este gap de 1 ou 2 anos aos quais estamos acostumados entre o que saiu nos EUA e o que sai aqui no Brasil (sempre lembrando que, no caso da Editora Abril, a diferença era muito maior), a revista fez tanto sucesso entre os leitores mexicanos que La Prensa resolveu torná-la quinzenal.

Qual o problema com isso? Bom, não tinha histórias o suficiente do Homem-Aranha já produzidas até então pra suprir esta demanda. Lembremos: começo dos anos 1960, começo da Marvel como conhecemos, existia apenas UMA revista do Cabeça de Teia. O que fizeram? Começaram a colocar, dentro da mesma revista, umas histórias dos Vingadores e também da revista Tales to Astonish, em especial de ninguém menos do que o Homem-Formiga original, o Hank Pym. Por que, né, gente, vamos lá, herói-aranha, herói-formiga, dá tudo no mesmo, a galera vai continuar comprando...

O mais impressionante é que, sim, continuou. E El Sorprendente Hombre Araña tornou-se um fenômeno editorial.

Quando chegou ao número 44, a revista mexicana acabou voltando a ser mensal, ainda que temporariamente, já que os personagens que eram usados para tapar o buraco do Aranha também ganharam seus próprios títulos mexicanos distribuídos pela mesma editora. Mas aí Steve Ditko saiu da equipe criativa e entrou em cena o desenhista que fez o FUROR pelo Escalador de Paredes subir às alturas (é, eu fiz isso) nos países latinos: John Romita. A galera naquele momento queria mais, muito mais. O gibi voltou a ser quinzenal, depois se tornou, pasmem, semanal e a ele se somaram as versões em tiras publicadas por La Prensa, no caso o jornalão mesmo.

O que fazer com toda esta demanda, sendo que simplesmente não existiam mais histórias para suprir isso? Conforme conta em uma matéria sobre o assunto Edgar Olivares (@robotdice), editor do site mexicano de cultura pop Codigo Espagueti, um diretor da editora La Prensa voou para Nova York, nos escritórios da Marvel, em busca de uma permissão especial: produzir material próprio, criado com uma equipe 100% mexicana.

Segundo consta, o cara ainda foi com material em mãos pra ajudar no convencimento dos executivos ianques, um monte de exemplos produzidos por desenhistas de seu departamento editorial que provariam o quanto os mexicanos teriam capacidade para conduzir a tarefa. E surpreendentemente, não apenas a Marvel topou como, daqueles desenhos todos, opinou sobre quem deveria ser o responsável pelos gibis — no caso, José Luis Durán.

Durán, hoje com 86 anos, um garoto natural de Toluca, capital do Estado do México, que desenhava desde pequeno. Apesar da pouca idade, ele já tinha bastante experiência com gibis por conta de seu trabalho, ao lado de José G. Cruz, no título Santo, el Enmascarado de Plata. As HQs contavam a história de Rodolfo Guzmán Huerta, mais conhecido pela alcunha de El Santo, um dos mais icônicos e celebrados lutadores mexicanos, que ao longo de cinco décadas de atuação se tornou o símbolo do sucesso do “homem comum” ao ser celebrados nos gibis e também em produções pra cinema.

O homem comum que alcança feitos extraordinários... te lembra alguém? É isso aí: Durán começou a desenhar o Homem-Aranha nas tiras para os jornais, fazendo mais de 1.000 delas em sua carreira. A partir do número 123 de El Sorprendente Hombre Araña, lançado em 15 de Março de 1972, Durán seria o responsável pelos desenhos das HQs, em sua maior parte escritas por Raúl Martinez, que durariam belas 45 edições. Esta primeira história, um arco dividido em três partes, inaugurou as muitas aparições de vilões que jamais surgiram nos gibis americanos, tipo El Hombre de Hierro (não, não era Tony Stark), El Hombre Gigante (nada a ver com o Hank Pym) e El Puercoespín (é, um tal Porco-Espinho mesmo... Mas nada a ver com o Sonic).

O que o CBR sacou ao checar as capas das edições subsequentes, no entanto, é que os mexicanos não publicaram APENAS as histórias de Durán, mas também as intercalaram as histórias americanas originais, encaixando (ou pelo menos tentando) tudo numa mesma narrativa, criando então a sua própria linha temporal. No entanto, se você olhar as capas, vai sacar de imediato QUAIS eram as edições produzidas inteiramente no México. Porque na maior parte delas temos uma mulher, seja ela Gwen Stacy ou não, numa pose bastante sensual na capa, sugestiva, envolvente. Pode perceber.

Mas aí chegamos na edição 128 de El Sorprendente Hombre Araña, aquela tal do casamento de Gwen Stacy com Peter Parker, o papo todo que gerou a comoção recente nas redes sociais. Aí é que está a parte do NÃO desta conversa inteira, já que NÃO, La Prensa não criou uma linha temporal alternativa na qual Gwen Stacy, personagem favorita de Durán, estava viva. Ou, pelo menos, não do jeito que foi noticiado. Porque, neste gibi, se você ler a história até o final, vai sacar que o casamento entre Peter e Gwen é na real um sonho de um Homem-Aranha desacordado durante uma luta contra o Duende Verde. Lembra aquela capa da Turma da Mônica Jovem com a Mônica e o Cebola casando? Foi tipo isso.

Maaaaaaaaaaaaas, ainda assim, chegando no FIM da história, vemos Peter conversando com a Tia May e ficando claro que, de alguma forma, Gwen ainda estava viva e que ele ainda queria que aquele sonho se tornasse realidade. Como os mexicanos conseguiram esta proeza?

Simples: com suas próprias histórias originais entrando no meio das publicações, eles se distanciaram aproximadamente QUATRO anos do que vinha sendo publicado nos EUA. Portanto, ganharam frente o suficiente para poder evitar o assunto “morte da Gwen Stacy” a todo custo. Afinal, as sofridas idas e vindas do casal tinham o potencial de novelão que os latinos-americanos (incluindo a gente, aqui mesmo, do Brasil) tanto amam, misturando muito drama e muito romance — por que desperdiçar isso com a morte da namoradinha do sujeito?

No começo dos anos 1970, no entanto, La Prensa começou a cancelar seus títulos Marvel, incluindo aí El Sorprendente Hombre Araña em 1973. Um ano depois, o grupo editorial OEPISA (Organización Editorial de Publicaciones e Impresiones S.A.), através da Macc División de Historietas, adquiriu os direitos de publicar estas histórias, com Durán no papel de diretor de arte da iniciativa. Então, além do Aranha, eles continuaram também com as histórias mexicanas do Nick Fury e ainda ousaram fazer as suas próprias versões do Punho de Ferro... mas estas sem a autorização formal da Casa das Ideias. Pra completar, ainda inventaram uma tal La Chica de Kung Fu, que funcionava como um spin-off das aventuras do Shang-Chi.

A aventura se encerraria de vez em 1979, quando a Macc cancelou de vez suas publicações Marvel. E infelizmente se conservam, desta época, não apenas raras edições publicadas, como pouquíssimos exemplares das artes originais, que eram fisicamente entregues ao editor (lembrem-se, estamos falando de 1970, sem arquivos digitais) e acabavam não sendo devolvidas.

“Aprendi a ler com as tiras de jornais, nas edições dominicais. Ali nasceu minha paixão pelos gibis”, conta Durán, nesta rara entrevista em vídeo. “Talvez esse fosse o meu destino. Eu acho que todos nós nascemos para fazer alguma coisa na vida, certo? Disseram-me que eu era cartunista, acreditei nisso e me dediquei às histórias em quadrinhos”.

X-MEN’S!

Importante lembrar, contudo, que este tipo de situação também já rolou aqui no Brasil — basta lembrar de 1969, antes mesmo das publicações mexicanas, quando a editora GEP – Gráfica e Editora Penteado publicou cerca de 10 histórias não-oficiais dos X-Men, todas sem autorização e produzidas pela dupla Gedeone Malagola e Walter Gomes.

E, claaaaaaro, não vamos nos esquecer do glorioso momento em que a Editora Abril publicou a saga Guerras Secretas pela primeira vez por aqui. Ansiosos para capitalizar em cima do barulho que a coisa toda estava fazendo lá fora, os editores adiantaram a coisa PRA CARAMBA dentro da cronologia que vinha sendo trabalhada nos gibis mensais. Como consertar a cagada e não pirar a cabeça dos leitores?

Ah, simples: modifica uns quadrinhos e uns diálogos no começo pra justificar o visual punk e o cabelo moicano da Tempestade, por exemplo, e depois inclui uns quadrinhos no final pra dizer que ela voltou ao normal. E que tal fazer o Homem-Aranha voltar ao uniforme azul e vermelho, sem o simbionte, para que as histórias continuassem como se o uniforme preto que ele adotou na trama simplesmente não existisse?

Se isso não é manipular a linha do tempo, olha, sei lá o que mais seria.