Eli Roth e o inferno verde do politicamente incorreto | JUDAO.com.br

Cineasta começa campanha de divulgação de seu longamente adiado filme de terror na Amazônia… com um pôster que expõe um mundo de babaquice

Dois anos (e uma confusão envolvendo a relação entre a produtora e a distribuidora) depois, finalmente o cineasta Eli Roth está conseguindo lançar o seu The Green Inferno, filme de terror independente inspirado nas clássicas produções italianas sobre canibais dos anos 1980.

Os fãs de sua obra estão em polvorosa e, inteligentemente, ele está usando todos os artifícios para colocar lenha na fogueira do interesse — além dos países que chegaram a proibir o filme, essas coisas.

A trama gira essencialmente em torno de um grupo de estudantes ativistas de Nova York que parte para a Amazônia com o objetivo de defender uma tribo indígena que nunca teve contato com o restante da humanidade – e acabam descobrindo, da pior maneira possível, que os índios são na verdade canibais... e bastante interessados em experimentar carne branca.

É um plot bastante divertido, vá. Claro, nas mãos de um diretor qualquer, facilmente teria potencial para tornar-se um segundo Turistas. Mas Roth já provou em produções como Cabana do Inferno (2002) e O Albergue (2005) que sabe do que está falando quando o assunto é “terror” — seja isso bom ou ruim.

Eis que, então, que ele divulga este pôster em sua conta do twitter. E aí a conversa, repentinamente, segue para um outro lado. Acompanhe o meu raciocínio.

Canibais

Poderia ser apenas um pôster, né? Poderia ser apenas uma piada, ué. Uma sátira. Poderia ser apenas Roth fazendo uso de assuntos quentes como o #GamerGate e a reação de parte de Hollywood aos chamados Social Justice Warriors (SJW), termo irônico que serve para designar pessoas que estariam “exagerando” no discurso pró-minorias, tentando enxergar problemas em tudo e “atrapalhando” o bom andamento do mundinho do entretenimento com sua postura “politicamente correta”.

Poderia ser tudo isso, Eli Roth? Claro que poderia.

Mas aqui no JUDÃO, a gente vem tentando fazer você enxergar além do pôster, do trailer, do que foi dito na entrevista controlada a cada minuto pelo assessor de imprensa. Então, é importante que se enxergue Roth no Twitter para além do pôster que tuitou — e também no contexto do que ele vem tuitando há semanas. E retuitando, BTW.

Eu não tenho nada contra ironia. Não tenho nada contra sátiras. Não tenho nada contra sarcasmo. Desde que eles não sirvam como uma bomba de fumaça erroneamente colocada sob o rótulo de “politicamente incorreto” para disfarçar uma colossal dose de babaquice.

Babaquice que se lê, por exemplo, num artigo que Roth compartilhou, que tem o pouco sutil título de “Enough! Entire Entertainment Industry Says ‘No More’ to Social Justice Warriors” (Chega! Toda a indústria do entretenimento diz ‘Nunca Mais’ para os Social Justice Warriors).

A decisão de ler é sua. Mas vamos te contar ONDE o artigo foi publicado: num portal de notícias americano chamado Breitbart News Network. Fundado pelo finado Andrew James Breitbart, um escritor conhecido por suas colunas no jornal The Washington Times, o Breitbart.com é renomado por suas posturas absolutamente conservadoras. Basta uma passagem pela página principal para perceber manchetes questionando o papel dos imigrantes ilegais, exaltando Donald Trump e defendendo o uso de armas de fogo. Quem são os seus principais parceiros? Fox News. :)

Tudo isso só ajuda a entender um pouco de qual é o tom do artigo, afinal.

Mas esta não é a pior parte. Roth ainda retuitou, com glória e exaltação, um vídeo do vlogueiro americano que atende pela alcunha de AlphaOmegaSin. Headbanger conhecido pelos vídeos nos quais faz rants a respeito do mercado de games, ele tem uma postura, digamos, bastante assertiva a respeito do #GamerGate. “Tudo uma bobagem, tudo uma hipocrisia, esta Anita é uma maluca, nada disso acontece, as meninas têm todo o espaço do mundo no mundo dos games e da cultura pop, é um exagero sem fim, ela inventa histórias”.

Anita, no caso, é a Anita Sarkeesian. Mas aqui no Brasil nós temos a Aninha, e ela pode contar algumas histórias, também.

No vídeo que Roth curtiu, que atende pelo título de “SJWs Need to Leave the Entertainment Industry Alone & Fuck Off” (Social Justice Warriors precisam deixar a indústria do entretenimento em paz e ir se foder”), AlphaOmegaSin se rasga de pura raiva e dispara coisas como “eles querem tomar o controle criativo dos artistas”, “isso não lhes pertence” e a argumentação clássica de “por que eles não vão atrás dos problemas do mundo real?”. E então vem a cereja do bolo: “estes são problemas que eles criaram, ninguém estava incomodado com nada disso até então. Porque são apenas trabalhos de ficção”.

Sim, eles se incomodavam. As meninas se incomodavam pelo jeito que eram (e ainda são) retratadas nos gibis, nos filmes, nas séries de TV, nos games, nos desenhos animados. Os negros também. E os latinos. E os gays. E enfim. A diferença é que estas pessoas todas não tinham voz. E as redes sociais e toda a ambientação digital ajudou as pessoas a se encontrarem. E a formarem grupos. E a ganharem força. E a, enfim, começarem a falar. E ser ouvidas. Todas juntas. Deixando uma galera aí com “medinho” de ser questionada e forçada a sair da zona de conforto.

Roth, vamos te contar uma coisa. Por mais que você esteja travestido desta postura “apenas” para chamar atenção de um determinado nicho de público para o seu filme, isso te torna um idiota por tabela. Porque se colocar ao lado de um bando de babacas conservadores com tendências racistas/sexistas e ainda compartilhar seu conteúdo, bom, não é exatamente a melhor coisa pra sua imagem, meu camarada.

Fica parecendo que você realmente pensa dessa maneira. Que você acha uma babaquice quando pessoas dizem que #BlackLivesMatter, por exemplo. “#AllLivesMatter”, “#NotAllMen”, sabe? Ou sei lá, que o #GamerGate realmente seja sobre “ética no jornalismo”...

“E então, nós somos SJW?”, perguntei pro Borbs, enquanto estávamos discutindo esta pauta. “Sim, teoricamente é isso. Para a galera do #GamerGate, nós somos SJW”, me disse ele.

Então, tá. Num caso como este, confesso: estou bastante satisfeito em ocupar esta posição. E que continue assim por um bom tempo.