A personagem é resultado de uma progressão nas histórias da companhia e não pode, nem deve, ser considerada uma quebra
Corta pra 1937, ano em que foi lançado o primeiro longa-metragem da Walt Disney Studios, A Branca de Neve e os Sete Anões. O enredo é inspirado no conto de fadas popular da cultura alemã, reescrito pelos irmãos Grimm, centrado em uma moça perseguida por sua madrasta pelo simples motivo de ser bonita. 0.0
Branca de Neve é uma personagem levada pelos acontecimentos, se perde na floresta com medo de um caçador e de suas ameaças, encontra a casa dos sete anões que decidem deixá-la ficar e seu único ato de rebeldia é morder uma maçã oferecida por uma velhinha estranha.
Branca é mostrada como uma mulher-criança inconsequente, e os sete anões fazem papel de pais dizendo o que ela deve fazer, como deve se comportar e que não deve aceitar nem conversar com estranhos. Ela é mantida numa redoma antes mesmo de ser colocada em um caixão de cristal, envenenada pela maçã da inveja. É salva pelo príncipe que está passando pelo local e que se encanta pela sua superfície, sua beleza, e vivem felizes para sempre...
Em 1950 é lançado mais um clássico com o selo Disney de qualidade, Cinderela, também baseado num conto de fadas, desta vez de Charles Perrault, ganha o mundo com mais uma história de uma moça bonita, mais uma vez perseguida, pela madrasta e suas duas meias-irmãs.
Cinderela é órfã de pai e passa o dia trabalhando a mando de suas três carrascas, seus desejos são limitados e sua vida dá uma guinada, se é que podemos chamar assim, quando a família é convidada para um baile no palácio. A personagem já demonstra certo grau de força de vontade, e Cinderela arruma um vestido que era de sua mãe para ir ao baile, mas suas meias-irmãs destroem a roupa antes de irem ao palácio.
O resto da história nós conhecemos de cor e salteado, ela consegue ir ao baile por intermédio de uma fada madrinha, o príncipe se encanta por Cinderela, ela foge perdendo um de seus sapatos e o monarca decide fazer uma busca pelo reino, experimentando em todas as mulheres o sapato perdido. A história é tão fora da realidade que no fim das contas, ganha a mulher que tem o pé pequeno. :-P
É então que chega a Bela Adormecida, em 1959, mais uma vez uma garota atormentada por uma bruxa, é amaldiçoada e adormece sob um feitiço. O verdadeiro protagonista da história, no fim das contas, é o príncipe Felipe que desafia a bruxa, matando um dragão, para dar um beijo apaixonado na sua amada e liberá-la do feitiço.
Você entendeu: BORING!
A verdadeira mudança acontece somente em 1989, 30 anos depois, quando as garotinhas meigas da Disney se transformam em uma teimosa e obstinada sereia-adolescente. Com novos anseios, Ariel de A Pequena Sereia surge como uma mulher em busca de um sonho, conhecer a superfície.
Em uma de suas “andanças” acaba se apaixonando à primeira vista pelo príncipe terreno Eric, que nada mais é do que a objetivação dos desejos da sereia, “juntando a fome com a vontade de comer”.
Foi o primeiro passo, mas muitos outros o seguiriam ao longo dos anos. Em 1991 chega a sonhadora, alucinada por livros e madura Bela, de A Bela e a Fera, que pensa além do próprio umbigo ao se preocupar com seu pai e enxerga além da superfície de uma aparente fera selvagem e feia.
A malfadada Pocahontas teve sua história distorcida no longa de animação de 1995. Ela ousa se aproximar do colonizador John Smith e defendê-lo, conseguindo, com isso, poupar sua terra de uma guerra, ou, mais precisamente, um massacre. A injustiçada índia é a primeira heroína da Disney que, apesar de seus desejos pessoais, não fica com seu amor, resolvendo por continuar como a inspiradora filha do líder de sua aldeia — causando a ira de muitas garotinhas no cinema.
Diferente de Pocahontas, heroína pela paz, Mulan chega em 1998 como a primeira representação feminina de guerreira da Disney. A também primeira princesa oriental da empresa se envolve em uma aventura para poupar seu pai, já mais velho e cansado, de partir para uma guerra.
Mulan se veste de homem e é preciso toda uma trajetória entre traição, desconfiança e reconquista da confiança para que a garota se apaixone pelo comandante Shang e ele por ela. Sua aventura termina quando ela e seus amigos conseguem salvar o imperador da China de um plano de assassinato, “trazendo honra a todas nós”.
Tiana chega 11 anos depois de Mulan, em 2009, no longa-metragem A Princesa e o Sapo. O filme um pouco desconhecido do público nacional traz a primeira protagonista negra da Disney. Tiana é o reflexo da mulher moderna e trabalhadora, inspirada por seus pais, trabalha arduamente para conseguir dinheiro e montar o seu próprio restaurante.
Sua determinação, foco e paixão pelo que faz a transforma em inspiração para muitas espectadoras jovens que trabalham desde cedo para conquistar seus sonhos. E, diferente da história que dá título ao filme, Tiana é a princesa que não tem nada de fútil, ela é a mulher proativa que só se contenta com uma carreira profissional nada menos que brilhante.
O príncipe Naveen surge como o contrapeso da história e é preciso uma jornada obrigada pelo destino para que os dois se aproximem, se ajudem e se apaixonem ao passarem por dificuldades e viverem uma história em comum.
A nova leva de filmes da Disney traz animações em 3D, diferentes das anteriormente produzidas pela empresa em animação tradicional, em acetato. Entre as novas princesas/protagonistas está Rapunzel de Enrolados, Mérida de Valente e, finalmente, Elsa e Anna de Frozen.
Enrolados (2010) se mantem como uma história sem muitas polêmicas: a adolescente Rapunzel é mantida em cárcere privado pela bruxa Gothel até o dia em que Flynn, o ladrão, sobe na torre de Rapunzel para se esconder. A história continua até a posterior liberdade da garota, a descoberta de sua realeza e do caso amoroso dela por Flynn, que nada tem de príncipe encantado.
Valente traz a segunda mulher-guerreira da Disney: Mérida, que quer ser livre e viver por conta própria, dona de seu nariz. Seus conflitos começam a ocorrer quando ela se desentende com sua mãe, que pensa diferente dela. O filme deixa de lado os romances e foca na relação familiar, semelhante ao que Irmão Urso fez.
Frozen traz duas irmãs com personalidades opostas, Anna e Elsa. A primeira é a sonhadora filha mais nova e a segunda é a primogênita dotada de poderes mágicos relacionados ao frio que se descontrolam com emoções fortes.
Elsa vive aprisionada em seu quarto e acaba por não manter contato com pessoas, fazendo com que se torne uma jovem objetiva e lógica. Anna é privada do amor de sua irmã, a ingênua caçula é muito emotiva e romântica, trazendo à tona a velha guarda das princesas Disney.
A construção da independente Elsa não foi algo repentino, ela é o resultado do desenvolvimento das qualidades e melhoria dos “defeitos” de obras anteriores da Disney. Apesar de tudo, como os clássicos Disney sempre conseguem mostrar, ninguém é perfeito e Elsa também é um retrato do que a solidão e o medo podem causar a uma pessoa.
Elsa é teimosa e obstinada como Ariel; chora e sofre pela dor de um parente, como Bela; raciocina e age com liberdade e coragem, como Pocahontas; luta com todas as suas armas contra invasores, como Mulan; é cética com relação ao amor a primeira vista, como Tiana; é mantida em uma redoma e deseja a liberdade como Rapunzel; e, no final, faz de tudo para salvar e cuidar de sua família, como Mérida.
Contar a história de Elsa e Anna é contar a história de todas as princesas Disney, é sentir em suas interpretações e personalidades diferentes um pouco das princesas delicadas e das guerreiras, um pouco do que nós mulheres somos, nem tanto do lado de lá, nem tanto do de cá. Mulheres, e só.
E precisa mais? :-)