Esqueça os quadrinhos | JUDAO.com.br
11 de setembro de 2015
Filmes

Esqueça os quadrinhos

Capitão América: Guerra Civil será bem diferente dos gibis e essa vai passar a ser a verdadeira versão pra maioria. Aceite, leitor fanático de HQs: filmes de super-heróis não são pra você.

Novecentos e trinta e cinco milhões de dólares. De acordo com o Comichron, esse foi o tamanho do mercado de quadrinhos nos EUA em 2014, incluindo não só comic shops, mas também as edições digitais (que podem ser compradas em qualquer parte do globo, inclusive no Brasil), graphic novels em livrarias e o (pequeno) mercado das bancas em supermercados e outros pontos de venda. Acredita-se que a Marvel Comics tenha abocanhado uns 35% desse mercado, o que dá US$ 327 milhões para a Casa das Ideias repartir com pontos de venda, quadrinistas e o tio Obama.

Enquanto isso, Guardiões da Galáxia, o filme, fez US$ 333 milhões de bilheteria nos EUA no mesmo ano. Sozinho.

Claro, são indústrias diferentes, com margens diferentes e potenciais diferentes. Por outro lado, tais números mostram que, sem dúvida alguma, o cinema importa muito mais que as HQs, já que tem um público MUITO maior. Ninguém quer fazer um blockbuster só pra meia dúzia de pessoas. É preciso ampliá-lo, ser pro máximo de gente possível e, no final, cria-se uma nova versão para maioria ver nas séries e nos filmes.

Pra essa galera, a “verdade” não tá no gibi.

Pra eles, o primeiro grande amor da vida de Peter Parker foi a Mary Jane, sejam aqueles que viram o relacionamento dos personagens em Spider-Man: The Animated Series, nos anos 90, ou, na década seguinte, nos três filmes do Sam Raimi. Gwen Stacy? Bom, quando ela apareceu nos trailers de O Espetacular Homem-Aranha, a grande reação foi “mas a Mary Jane não é ruiva?”. O mesmo se pode falar sobre o Batman: a versão camp foi a definitiva para diversas gerações a partir dos anos 60, só sendo superada pelos filmes do Tim Burton e, mais recentemente, os do Christopher Nolan.

E quem é que consegue pensar no Superman sem enxergar o Christopher Reeve? Essa, aliás, eu acho que nem você.

Pra muita gente, esse ainda é o Batman -- e eles não estão errados

Pra muita gente, esse ainda é o Batman — e eles não estão errados

Nenhuma dessas visões é errada, já que cada uma é fiel a uma encarnação diferente desses personagens — essencialmente como acontece dentro dos próprios quadrinhos, com reboots, relançamentos, retcons, universos paralelos e por aí vai. Também é inegável que qualquer uma dessas produções atingiu mais gente do que as HQs dos personagens sequer sonharam. E era algo necessário, veja bem. É mais fácil e lucrativo fazer uma (pequena) parte desse público começar a ler os gibis, conhecendo outras encarnações, do que viver apenas dos leitores originais que, você sabe bem, costumam dar mais motivos pra que não se leia um gibi do que o contrário.

Olhando pro futuro, a equação é a mesma. Nesse momento, a Marvel Studios está na pós-produção de Capitão América: Guerra Civil. O crossover que inspirou toda a brincadeira, Guerra Civil, foi lançado em 2007 e é sobre o governo dos EUA tomando uma posição depois que centenas de pessoas (incluindo crianças) foram mortas durante uma batalha dos Novos Guerreiros. A SHIELD passou a ser responsável por registrar e treinar todos os super-humanos, o que teve apoio de Tony Stark, Reed Richards e Hank Pym, entre outros heróis.

Só que, por outro lado, Steve Rogers passou a acreditar que ter uma identidade secreta é um direito de liberdade inerente aos super-heróis, e que uma organização controlar esse tipo de informação poderia ser um grande risco. Assim Steve, mesmo com todo mundo sabendo publicamente que ele é o Capitão América, se rebela contra a SHIELD e o governo junto com um grupo de heróis – que passam a ser perseguidos justamente por não se registrarem, o que contraria a lei.

Na adaptação da Marvel Studios, porém, não vai ser assim. De acordo com o Birth.Movies.Death., o filme não será sobre identidade secretas, nem nenhuma lei – até porque, vamos combinar, o Universo Marvel dos Cinemas não tem essa pegada. Na verdade, o que deve rolar é que os governos de todo o mundo vão ficar preocupados com o crescimento da força dos super-humanos, principalmente depois dos eventos da África do Sul e Sokovia vistos em Vingadores: Era de Ultron.

É aí que surge a questão: “Quis custodiet ipsos custodes?”. Ou, “Quem vigia os vigilantes?”, a mesma por trás de Watchmen. Isso faz com que Steve Rogers assuma uma postura, e Tony Stark tenha outra, ambas completamente contrárias.

Não vai ser assim, esquece

Não vai ser assim, esquece

Já tem gente reclamando, claro. Sempre aparece alguém pra questionar como é que certas coisas serão feitas nos filmes, já que isso ou aquilo é diferente. Num evento que estivemos no ano passado, nos pararam pra perguntar como é que poderiam fazer Guerra Civil sem o Homem-Aranha, esquecendo que é impossível um filme ser fiel aos gibis, muito por conta do espaço que você tem para contar as histórias, as décadas de cronologia, a atualização dos enredos (alguns personagens possuem origens e enredos datados, com mais de 50 anos), os limites de orçamento (papel aceita tudo, o que não é o caso da película), o que funciona em cada mídia e, claro, CONTRATOS.

Não adianta esperar que o Homem-Aranha revele sua identidade em Capitão América: Guerra Civil. Não vai acontecer.

Não é só porque você imagina um filme enquanto lê um gibi que aquilo seja REALMENTE possível. E não é só porque agora o Homem-Aranha faz parte do Universo Cinematográfico da Marvel que tudo o que havia sido planejado por anos seria alterado. Nem adianta você esperar o Cabeça-de-Teia revelando sua identidade nos cinemas.

Se a Casa das Ideias fosse conservadora e fiel ao público dos quadrinhos, pensando só em quem leu esse gibi, a conta simplesmente não fecharia. Civil War #7, a edição de maior vendagem no crossover, alcançou ótimos 265 mil exemplares em 2007. Se você considerar que cada HQ foi lida por uma pessoa (muitos compram diversas capas variantes para colecionar, mas sempre existem aqueles que emprestam, o que deve equilibrar as contas) e lançar um filme exatamente para o mesmo público, a produção alcançaria uma bilheteria de algo como US$ 3 milhões. Só.

E isso porque nem estamos contando os personagens...

O que isso significa? Capitão América: Guerra Civil — ou qualquer outro filme de super-heróis da Marvel Studios, Warner, Fox, Sony — não é feito com você em mente. E nem poderia ser. Que se mantenha o espírito, conceitos, gaste-se um puta tempo só com easter eggs, mas a ideia PRECISA ser outra.

Ou você ainda não percebeu que, pro resto do mundo, o grande nome da Marvel é o Homem de Ferro? Um personagem do segundo escalão da Casa das Ideias alavancado a um protagonismo que, até menos de 10 anos atrás era de um Escalador de Paredes? Isso tudo só aconteceu por conta dos cinemas. E do público dos cinemas. Aquele que decide o que quer ver olhando os guias dos grandes jornais ou das próprias salas.

Não por você, leitor de quadrinhos.

Como já falamos algumas vezes aqui no JUDÃO, as HQs, fora do seu universo, servem como a base das boas ideias, do celeiro de novidades – e de inspiração para as outras mídias. Apenas isso.

Esqueça o que está nos gibis. Abra a cabeça. Assista ao filme, curta as séries. A história pode ser diferente, mas o importante é encontrar o personagem que você tanto gosta ali. Você pode acabar se surpreendendo.

Ou, se não, os quadrinhos continuam sendo publicados. É só continuar lendo. :)