Eu vi o futuro do horror, e o nome dele é V/H/S | JUDAO.com.br

Série de antologias indie de terror found footage de guerrilha injeta sangue novo num gênero tão malfadado e ignorado pelas distribuidoras tupiniquins.

Eu acho que posso me considerar um gato escaldado do terror. Já vi praticamente de tudo do gênero nessas minhas três décadas de existência, e chega aquele certo ponto da vida de todo cinéfilo que pouca coisa te surpreende. E quando isso acontece, é simplesmente louvável. Foi o que aconteceu com a trilogia V/H/S, antologias de terror ao estilo found footage iniciadas em 2012 para provar exatamente que não, o cinema de terror não vive só do passado e que enterrar o papo de que “mais nada de bom é feito atualmente”, como defendem os xiitas.

Saudosista que sou, fui um rato de locadora durante minha infância e adolescência nos anos 1980 e 1990, e peguei a fase áurea do formato VHS, tendo que passar pelo ritual de rebobinar a fita antes de devolver. Por mais que hoje em dia eu seja um verdadeiro tarado por alta definição, goste de assistir filmes com 1080p, entusiasta do 3D, 48fps e provavelmente comprarei uma televisão com resolução 4K quando estiver mais barata (beeeeem mais barata, por sinal), com o perdão da palavra, era do caralho aquela fita analógica com aquela imagem granulada. Então, filmes que remetam a essa estética vintage sempre caem no meu gosto pessoal.

Quando você pensa nos grandes diretores do cinema de terror, logo lhe vem à cabeça nomes como John Carpenter, Wes Craven, George A. Romero, Sam Raimi, Dario Argento, Mario Bava, Lucio Fulci e por aí vai. Mas poxa, essa galera está aí desde 1960, 1970 e 1980. Qual é o futuro do terror? E parafraseando Stephen King em seu célebre comentário sobre Hellraiser – Renascido do Inferno, eu vi o futuro do horror, e o nome dele é V/H/S.

VHS_Poster
Explico tamanha pretensão: o filme foi idealizado por Brad Miska, co-fundador e editor chefe do site Bloody Disgusting, que é uma das maiores referências do gênero atualmente, e foi dado para uma nova geração de talentosos e promissores diretores e roteiristas do horror moderno (e do cinema no geral), que realmente têm tesão na parada, todos na casa dos seus 20 e/ou 30 e poucos anos (ou seja, são da geração VHS como eu, rs) e que, de forma independente, alucinada e transgressora, entregaram cinco antologias no primeiro filme, mais quatro no segundo e três no terceiro, uma mais retardada do que a outra. Já começa por antologias de terror serem o máximo. Lembram dos clássicos da Amicus, por exemplo?

Alguns (muitos) irão torcer o nariz por ser estilão found footage, que realmente já deu o que tinha que dar, e depois de REC, Cloverfield – Monstro, Atividade Paranormal e afins (isso sem falar de A Bruxa de Blair ou ainda mais longe, Cannibal Holocaust), parecia que o bagaço já havia sido espremido até não poder mais. Só que essa “molecada”, ao melhor estilo “câmera na mão (literalmente) e uma ideia na cabeça” conseguiu ensinar truque novo para cachorro velho, e por isso o primeiro V/H/S foi uma sensação em Sundance quando estreou em 2012 e considerado um dos melhores filmes de terror do ano.

A primeira vez a gente nunca esquece

A história que serve como fio condutor, chamada Tape/56, foi dirigida por Adam Wingard (diretor do ótimo Você é o Próximo) e escrita por Simon Barret (roteirista de um dos melhores filmes de terror dos anos 2000, A Casa dos Pássaros Mortos) e traz um grupo de delinquentes, que adoram filmar suas arruaças – que vão de invasão, destruição de propriedade privada e até levantar a blusa de garotas em estacionamentos – que acaba sendo convidado para um trabalho misterioso: roubar uma fita em uma casa mais misteriosa ainda. Entrando no recinto eles encontram um velho morto, sentado em uma cadeira junto de uma pilha de fitas VHS não catalogadas, e começam a assisti-las para tentar descobrir qual é o objeto do furto em um velho aparelho videocassete (igual quando você gravava aquele filme ou programa favorito na televisão e esquecia de identificar na etiqueta e nunca mais conseguia encontrá-lo depois). Daí meu amigo, segure-se na poltrona que vai começar o show.

O primeiro conto disparadamente é o melhor e mais fodástico de V/H/S. Amateur Night foi dirigido por David Bruckner (que tem em seu currículo o excelente The Signal) e traz três jovens em busca de azaração que compram um daqueles óculos de detetive com câmera embutida na armação, tipo os usado nas reportagens investigativas do Fantástico, e saem para balada na tentativa de levar uma garota bêbada para a cama e filmar o coito para jogar em algum site amador por aí. Na gandaia eles encontram a espevitada Lisa e a esquisitíssima
Lily. Pois bem, o trio consegue arrastar as duas para um motel. Lisa capota por conta da bebedeira e Lily vai virar alvo da sacanagem dos escroques. Como todo bom fã de horror gosta de sangue e nudez feminina, a partir daí o segmento torna-se um alucinado deleite, quando a verdadeira natureza da, hã, garota, vem à tona. Inclua aí uma cena de castração que dói em mim só de lembrar.

O segundo segmento, Second Honeymoon, é o mais chato, dirigido por outro talentoso diretor da nova geração, Ti West, responsável pelo bacanérrimo A Casa do Diabo (que é todo referencial aos anos 80 também). O casal Sam e Stephanie sai de viagem para sua segunda lua de mel e grava o passeio com sua câmera. Eles hospedam-se em um motel de beira de estrada e conforme desbravam o oeste selvagem dos EUA, alguém invade o quarto enquanto dormem duas noites seguidas. Descobriremos que o invasor é muito mais íntimo de Stephanie do que iríamos imaginar, em um final que surpreende, mas não é lá grande coisa.

Tuesday the 17th (e esse trocadilho com Friday the 13th?), dirigido por Glenn McQuaid (de I Sell the Dead, com Dominic “Merry” Monaghan no elenco) é um segmento bizarríssimo, daqueles que grita alto “cinema indie”, onde três jovens levam sua nova amiga para acampar e como o próprio nome já sugere, há um serial killer solto por lá que matou alguns campistas em verões passados. Só que essa nova amiga revela que ela foi a única sobrevivente do massacre ocorrido anteriormente e ninguém acreditou que na verdade o responsável era uma entidade sobrenatural maligna, que parece ter saído de algum filme slasher e que não irá demorar para dar as caras e caçar aquele grupo que só estava em busca de um passeio idílico no meio do mato. O mais legal desse conto, além de ter uma boa dose de gore, é que nunca vemos o maníaco, pois sua presença é obscurecida por erros de tracking, tão famosos nas fitas de VHS do nosso passado não tão distante.

O próximo conto dá até preguiça de escrever o título: The Sick Thing that Happened to Emily When She Was Younger. Ufa! Entregue por Joe Swanberg e também escrito por Simon Barret, essa sem dúvida é a história mais WTF de todas. Começa com Emily e seu namorado à distância, o residente de medicina James, conversando por algum mensageiro instantâneo sobre um estranho hematoma no braço dela e como aquilo a fazia lembrar sobre um incidente que tivera na infância. Daí para frente, estranhos acontecimentos começam a tomar forma em seu apartamento, incluindo a aparição de uma assustadora criancinha pelos corredores, que até nos faz pensar que o caminho seguido será ao melhor estilo Atividade Paranormal. Mas não. ;D

Por fim, o último segmento chama-se 10/31/98 (em alusão à data de 31 de outubro de 1998), e acontece, obviamente, em uma noite de Halloween. Quatro garotões saem fantasiados para uma festa de arromba na casa de um amigo, mas acabam parando no local errado. Perambulando pelo ambiente, descobrem que se meteram em uma baita enrascada (Sessão da Tarde Feelings), isso porque no sótão uma seita está praticando um exorcismo em uma garota amarrada. Com a interrupção dos sem-noção, que acabam por salvar a moça, a casa começa a tomar vida com poderosíssimas manifestações de poltergeist, enquanto eles fogem. Nisso, prepare-se para a correria, imagens granuladas, gritos e câmera trêmula como só o found footage pode te proporcionar. A turma e a garota entram no carro e dão o pinote de lá, para descobrir da pior maneira que não foi uma boa ideia tirar a aspirante a Regan McNeil do ritual. Este conto foi dirigido pelo coletivo Radio Silence, formado por Matt Bettinelli-Olpn, Tyler Gillett, Justin Martinez & Chad Vilella, quarteto que havia ficado em evidência exatamente pelo curta chamado Mountain Devil Prank Fails Horribly (assinado como Chad, Matt & Rob) e chamou a atenção de Brad Miska. Dá para ver aqui no YouTube de boa (e vale a pena perder três minutos e meio para assistir a tosqueira, vá por mim).

Mas nem tudo são flores. O que peca em V/H/S é seu grande problema de ritmo, porque começa com os dois pés no peito já com a melhor e mais alucinante (e alucinada) das histórias desta antologia moderna do horror e depois cai vertiginosamente com outros segmentos que não despertam tanta adrenalina e impacto, mesmo sendo interessantes. Talvez funcionasse melhor se Amateur Night fosse o último da lista, mas como não fui eu quem o editei, paciência. Há ainda o excelente desfecho da trama que serve como fio condutor que é bastante climático e sinistro.

Quando a sequência é melhor que o original

Com o sucesso do primeiro filme, que sacudiu as estruturas do cinema de terror moderno, eis que obviamente surgiria uma continuação. Li muita resenha por aí dizendo que esse segundo perde em originalidade e pujança com relação ao primeiro, funcionando como uma sequência caça-níquel e que apenas requenta ideias. Eu sou obrigado a discordar veementemente. Para mim, V/H/S2 é superior ao seu antecessor.

Por três simples motivos: primeiro porque ele não tem o mesmo problema de ritmo já que os contos são mais balanceados e não começa a mil por hora para depois desacelerar como em V/H/S, além das histórias serem insanamente mais interessantes; segundo porque um dos contos traz zumbis em POV!!!!! O quão legal não é isso?; e terceiro porque Safe Haven é simplesmente o MELHOR segmento de todos os 12 apresentados na “franquia” e uma das histórias de terror mais PORRA LOUCA que eu já vi em toda a minha vida.

Mas não vamos colocar a carroça na frente dos bois. V/H/S2 traz um time completamente novo de diretores e roteiristas, mantendo do original apenas a retardada dupla Simon Barrett, que dirige o segmento Tape 49, que faz a conexão da trama, e escreve Phase I Clinical Trials, e Adam Wingard, que é o diretor do mesmo. Este elo entre as histórias é centrado em um casal de investigadores particulares, Larry e Ayesha, que procuram por um garoto desaparecido e, ao invadir sua casa em busca de pistas, descobrem uma coleção daquelas fitas estranhas com conteúdo bizarro para serem assistidas em sua televisão de tubo em um aparelho de videocassete.

O primeiro segmento, justamente Phase I Clinical Trials, é um terror sobrenatural sci-fi pra geek nenhum botar defeito. Um sujeito que perdeu a visão em um acidente de carro (com vítimas, é bom destacar isso) participa de um experimento teste onde lhe é implantado um olho biônico que recupera sua capacidade visual. Eu disse experimento teste, então obviamente haverá efeitos colaterais. Tudo que o rapaz vê é gravado e nós, espectadores, teremos sempre o mesmo campo de visão dele. Voltando aos efeitos colaterais, o olho ciborgue simplesmente fará o rapaz ver gente morta (todo o tempo, RÁ!). Tratando-se de espíritos zombeteiros, claro que haverá um Q de vingancinha do além (lembra o acidente de carro com vítimas?). Porém o mais legal é quando ele conhece Clarissa, outra paciente zero que recebeu um implante coclear e consegue ouvir gente morta, e revela qual o melhor jeito de fazer os fantasmas pararem de importunar: transando! Isso sim é parapsicologia!

A película está só aquecendo quando somos agraciados pelos zumbis em POV. E você pensava que só existia filme pornô em POV, né? A Ride in the Park mete uma GoPro no capacete de um ciclista que é mordido por uma zumbi e já sabemos que o começo de uma infecção está para acontecer. Banhos de sangue, vísceras, tripas, miolos espatifando e tudo que os fãs do gênero têm direito se seguem com o morto-vivo em primeira pessoa tocando o terror em outros ciclistas, em um churrasco de aniversário e por aí vai. Dá até dó do sujeito no final. E sabe o que é mais interessante? O codiretor do conto é ninguém menos que Eduardo Sánchez. Ligou o nome a pessoa? É o diretor de A Bruxa de Blair, o found footage mais famoso de todos os tempos. Tudo bem que ele não é um nome da nova geração, mas sua carreira praticamente entrou no limbo depois do sucesso do final do século passado, e é muito bacana vê-lo voltando a sua melhor forma. Dirige com ele Gregg Hale, produtor de A Bruxa de Blair, dos demais filmes de Sanchéz e da bomba televisiva FreakyLinks (lembra dessa série?).

Aperte seu cinto de segurança ao assistir Safe Heaven. Falei lá em cima que é a história de terror mais porra louca do cinema, certo? Essa preciosidade dirigida por Timo Tjahjanto (diretor do ótimo Rumah Dara, ou Macabre, coprodução entre Singapura e Indonésia) e Gareth Huw Evans (do também fodástico filme de ação Operação Invasão – não leve em consideração o tosco título em português) traz a seita mais satânica que já vi nas telas. Uma equipe de cinegrafistas está preparando um documentário sobre um culto indonésio que está sendo acusado de fazer sexo com crianças para purificá-las. Vai vendo... Eles acompanham o chamado “Pai”, líder religioso do grupo, em suas instalações só para descobrir que os pobres diabos estarão bem no meio do “tempo do ajuste de contas”, como ele mesmo diz. Uma correria desvairada e uma sequência de acontecimentos bizarros e acachapantes vão tomando forma até seu final motherfucker fantasticamente insano, envolvendo suicídio coletivo em massa, gente explodindo, possessão e o parto de um demônio! Juro para você que tive que parar o filme depois de assistir ao conto para tomar fôlego, tamanha é sua intensidade. Impossível não terminar de assistir e falar em alto e bom som: CARALHO!

Para finalizar com chave de ouro, o último segmento intitulado Slumber Party Alien Abduction já diz tudo (fora a homenagem ao título do slasher oitentista Slumber Party Massacre). Nele, um grupo de crianças e adolescentes está em uma festa de pijama e serão terrivelmente atacados por alienígenas greys – aqueles cinzentos depilados e com olhos pretos gigantescos – em uma mistura de cacofonia, luzes, respirações ofegantes e situações repletas de adrenalina de fuga, enquanto um pobre cachorrinho leva a câmera na cabeça e grava tudo para nós. Ah, se você é da sociedade protetora dos animais ou aqueles coração mole, vai odiar a conclusão da história. Quem o dirige é Jason Eisner, diretor do ultraviolento Hobo With a Shotgun, com o mestre dos mestres Rutger Hauer no elenco, que surgiu como um dos trailers falsos exibidos em Grindhouse, da dupla Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, e acabou virou longa (Machete feelings...).

Na boca pequena se diz que os produtores por trás de V/H/S2 anotaram todas as críticas negativas que se seguiram ao lançamento do primeiro filme, e trabalharam para corrigi-las neste aqui. Eu acho que eles conseguiram. Detalhe que até por conta disso, originalmente a antologia se chamaria S-VHS, como referência à versão aprimorada do formato VHS lançada no final dos anos 1980, mas acabou ganhando seu título mais tradicional com o numeral dois no final.

Quando você pega uma boa ideia e simplesmente estraga com tudo

Depois de assistir aos dois primeiros filmes da série agora transformada em ~franquia, claro a expectativa foi lá no alto quando foi anunciado o terceiro e apoteótico desfecho da trilogia (até então né, porque as cinesséries de terror têm a capacidade chegar em mais de dez sequências). E quase sempre o resultado é o mesmo quando isso acontece. Fale algum filme na história em que a terceira parte é a melhor? Eu pessoalmente gosto muito de Indiana Jones e A Última Cruzada e Alien 3, por exemplo, mas geralmente, os número três sempre decepcionam horrores, ainda mais quando o segundo é cavalar (O Cavaleiro das Trevas Ressurge feelings...).

E foi o que aconteceu com V/H/S: Viral. Começa pelo fato de que a premissa já desagrada logo de cara. Sabe o lance de “em time que está ganhando não se mexe”? Obviamente não precisa seguir a risca para evitar cair no mais do mesmo sempre, mas também não dá para substituir um centroavante matador por um beque de roça quando seu time precisa vencer a partida. Toda a estética do VHS, das fitas sendo encontradas e rodadas num antigo VCR (que sejamos sinceros, já se perdeu no segundo), são substituídas pela ode aos 15 minutos de fama dessa tal geração Y.

Explorando a superexposição de compartilhar todos os mínimos detalhes de sua vida em redes sociais, Instagram e YouTube da vida, a produção resolveu seguir por esse viés e falhou miseravelmente. Com dor no coração, mas com a boca cheia, digo que V/H/S: Viral é uma BOSTA! Acho que assisti-lo foi uma das maiores broxadas cinematográficas da minha vida (maldita expectativa!). Porque tudo que deu certo nos primeiros filmes, foi completamente ignorado e as histórias e seu desenrolar são dos mais salafrários. E assim, nunca imaginaria que mesmo com a proposta se desgastando, eles conseguiriam fazer algo tão, mas tão ruim.

O já famoso arco que fará o elo de ligação entre todos os contos é a história de Vicious Circles, dirigida e escrita por Marcel Sarmiento, do interessante Dead Girl de 2008, que começa ao melhor estilo relacionamento moderninho, com um casal todo fofo, Zack e Iris, dividindo suas intimidades com uma câmera. Até que uma perseguição policial a um carro de sorvete passa pelo seu bairro, e o sujeito vê sua grande chance de virar uma webcelebridade filmando o acontecido ao melhor estilo “Cops” e metendo no YouTube. Mas durante essa perseguição, sua namorada desaparece misteriosamente e o garoto pega sua bicicleta e começa a tentar alcançar o carro de sorvete, que parece andar em círculos pelo quarteirão. Enquanto isso, todo mundo que está acompanhando os vídeos da perseguição pelo celular, e tentando gravá-la, começa a pasmar e sangue escorrer pelo nariz (assim como aqueles que assistiam às fitas analógicas nos dois primeiros), com algum tipo de força sobrenatural viralizando pelo sinal.

O primeiro conto, Dante the Great de Gregg Bishop, diretor da paródia de horror Dance of the Dead, é simplesmente execrável. Consigo apontar três erros crassos que fazem com que esse seja o PIOR segmento de toda a trilogia: o primeiro é essa ideia de misturar comédia com terror (mesmo que tão comum lá nos anos 1980, de cuja fonte todos os cineastas beberam), mas que foge do clima soturno dos primeiros e até mesmo de seu humor negro; o segundo é abandonar de vez o estilo found footage para transformá-lo em um mockumentary com depoimentos de policiais, parentes, etc, intercalado com filmagens caseiras, de câmeras de segurança, e tudo mais; e o terceiro é o exagero que beira ao ridículo do abuso de efeitos especiais. A história por si só já é meio chacota: Dante é um loser de carteirinha que sonha ser um mágico de sucesso, mas só consegue quando encontra uma capa (que reza a lenda já ter pertencido a Houdini, que a descartou quando descobriu sua, hã, maldade) que lhe dá poderes sobrehumanos (juro que fiquei imaginando um confronto dele com a Zatana) em troca de vítimas para que ela, hã, devore. De longe lembrou um conto da famosa antologia de terror A Casa que Pingava Sangue, da Amicus (que foi escrito por Robert Bloch, o autor de Psicose), quando um galã canastrão de filmes de terror compra uma capa que pertencia a um vampiro e ganha os mesmos poderes.

Já o próximo, Parallel Monsters, é a cereja do bolo de V/H/S: Viral, mesmo que a cereja seja de verdade chuchu com marrasquino (você sabe né, que aquela cereja dos bolos de padarias e confeitarias é feita de chuchu, certo?). O espanhol Nacho Vigalondo apresenta um conto verdadeiramente mind blowing, que faz jus à tradição da trilogia. Um cientista desenvolve no porão de sua casa um portal que dá acesso a uma dimensão paralela onde entra em contato com o seu duplo lá do outro lado. Os dois resolvem se aventurar por 15 minutos na dimensão do outro. Claro que o outro universo é muito diferente do que ele deixou para trás, cheio de bizarrices, perversão sexual, e monstros mutantes com apêndices corporais horripilantes, instintos assassinos e predatórios e olhos brilhantes, levando o conceito do doppelganger para o próximo nível, e mostrando que alguns lugares não devem mesmo ser explorados, como já bem ensinou H.P. Lovecraft. E o desfecho é daqueles que esperamos dos filmes da marca V/H/S.

Dica de amigo: assista ao longa Crimes Temporais de Vigalondo, que também é uma gema!

Quando você pensa que a coisa vai melhorar, o terceiro e último segmento de novo joga água no seu chope, com uma trama completamente subaproveitada que poderia ter rendido muito mais. Bonestorm mostra uma molecada de skate com suas GoPro e um sujeito contratado para filmar um documentário para eles, indo parar em uma sinistra pista de manobra em Tijuana cheia de oferendas por todos os lados. Um deles se acidenta e derrama sangue em umas inscrições bizarras no chão e um exército de esqueletos e mortos-vivos surge do nada, entoando um cântico maligno, colocando os moleques em uma verdadeira batalha campal por suas vidas. Justin Benson e Aaron Moorhead assinam roteiro e direção, responsáveis pelo longa Resolution, sensação em Tribeca em 2012 e ganhador de quatro prêmios no tradicional Toronto After Dark Film Festival.

Depois da irregularidade e mediocridade dos segmentos, você espera um final compensador. Mas pode tirar o cavalinho da chuva, porque a frustração caminha até os créditos subirem. Olha que ainda haveria um quarto conto, chamado Gorgeous Vortex, de Todd Lincoln (diretor do péssimo A Aparição), cortado de última hora para diminuir o tamanho da projeção (apesar das más línguas dizerem que o verdadeiro motivo foi a qualidade ruim). E vejam só, Rob Zombie, o roqueiro metido a diretor de cinema, dirigiria um dos segmentos, mas por “divergências criativas com o estúdio” pulou fora. Pelo menos isso nós podemos agradecer (Nota do Editor: disso a gente discorda, porque Rejeitados pelo Diabo, dirigido por Zombie, é genial! #prontofalei #soudestesquemandarecado).

Aqui no Brasil, todos os títulos foram lindamente ignorados por nossas distribuidoras. Havia um rumor (publicado até no site Filme B) que a Paris Filmes lançaria V/H/S: Viral (justo o PIOR de todos) no cinema neste último dia 04 de dezembro. Mas sabe como é...

E agora, José?

A franquia V/H/S veio para provar que o futuro do cinema de horror está em boas mãos, mesmo com a fraquíssima terceira parte lacrando a trilogia, mas que pelo menos mantém o espírito indie e o nível de nonsense lá no alto. Enquanto Hollywood se atém a remakes de clássicos e em recauchutar histórias da carochinha que não metem mais medo em ninguém, uma cambada de desertores desestabiliza o status quo do gênero com sua estética de guerrilha e histórias inovadoras, provando que iguarias de baixo orçamento ainda podem ser feitas e que há esperança para os fãs.

Só espero que eles não acabem sendo engolidos pelas mandíbulas dos grandes estúdios e estejam dirigindo a próxima refilmagem de uma história de Stephen King ou algum filme banal sobre zumbis ou espíritos que atormentam uma família.

O que esperar do cinema de terror depois de V/H/S? Eu não sei, mas tenho esperança de verdade e aguardo ansiosamente os próximos trabalhos de todos os diretores e roteiristas envolvidos em alguns dos melhores e mais originais produtos do horror lançado em tempos. Fiquem de olho também. ;D