Europa quer mais mulheres dirigindo filmes | JUDAO.com.br

Indústria do cinema do Velho Continente dá passo importante pelos direitos iguais na Sétima Arte. Só que a gente sabe que ainda falta muito, né?

Sabemos que é bem simples ter a tendência a acreditar, assim, de graça, que a indústria do cinema na Europa é mais cabeça aberta e progressista do que Hollywood – que, conforme a gente te contou, é um cara branco, jovem e heterossexual. Mas parece que esta afirmação é bem menos verdadeira do que leva a crer a crença popular. “De 2000 a 2012, o número médio de filmes dirigidos por mulheres na Europa foi de 16,3% – um número que não cresceu quase nada nos últimos cinco anos”, afirmou Isabel Castro, diretora executiva do fundo de incentivo ao cinema Eurimages (um similar à nossa ANCINE), em entrevista ao Screen Daily.

“Na França, o maior produtor de filmes da Europa, este número não passa de 22%. Precisamos entender porque estes percentuais são tão baixos”, disse. “Estudos comprovam que existe um número interessante de mulheres nas escolas de cinema, mas o fato é que elas não se tornam diretoras. Elas são levadas a achar que é uma ambição maior do que poderiam sonhar e não são encorajadas a fazer seus próprios filmes”.

Isabel foi uma das participantes, no final da semana passada, de uma importante conferência chamada Women in today’s film industry: gender issues. Can we do better? (Mulheres na indústria dos filmes de hoje: problemas de gênero. Podemos fazer melhor?). O evento, realizado durante a última edição do Sarajevo Film Festival, reuniu representantes de Ministérios da Cultura e fundos públicos que financiam a produção para as telonas em torno da discussão sobre o papel da mulher no cinema. “As mulheres são consideravelmente mal representadas nos papéis chave desta indústria”, foi a principal conclusão do congresso, que afirmou ainda que “uma democracia de verdade deve fazer uso integral das habilidades, talentos e criatividade tanto dos homens quanto das mulheres”.

Além de Isabel Castro, expuseram suas opiniões em painéis especiais nomes como Anna Serner, CEO do Swedish Film Institute, que tem se dedicado particularmente a capturar e organizar dados sobre o assunto do gênero no cinema; a premiada cineasta bósnia Aida Begić; e Holly Aylett, a chefe de pesquisa do chamado European Women’s Audiovisual Network.

Isabel Castro

Isabel Castro

No fim do dia, a conferência gerou uma declaração conjunta, assinada por todos, que pode ser lida na íntegra bem aqui. Alguns de seus objetivos são:

  • Encorajar os estados-membros na geração de estudos com estatísticas sobre gênero para que possam ser analisadas as causas da marginalização da mulher
  • Realizar conferências e publicar estudos que disseminem exemplos de boas práticas
  • Encorajar os estados-membros a adotarem políticas que ampliem o acesso das mulheres aos fundos públicos de financiamento de filmes
  • Desenvolver medidas que permitam um equilíbrio de gênero nos postos de comando da indústria cinematográfica
  • Ampliar a visibilidade das diretoras
  • E, obviamente, fazer campanhas junto aos diretores para que eles tenham mais sensibilidade ao retratar as mulheres em seus filmes

Claro que este é um movimento bastante importante e significativo, em especial neste bem-vindo momento de discussão a respeito da diversidade no mundo do entretenimento. Não dá para não celebrar e enxergar o lado positivo. Mas não vamos nos enganar aqui. Esta declaração, por mais que tenha um monte de assinaturas de gente importante de diversos países, não passa de uma espécie de carta de compromisso. Não é uma lei, por exemplo. Ninguém será obrigado a fazer nada. Os países apertaram as mãos e se comprometeram, quase como num acordo de cavalheiros. Mas cada um deles terá que tomar as suas iniciativas por conta própria.

O The Hollywood Reporter lembra, por exemplo, que uma declaração similar foi adotada em 2008, na cidade de Madrid, em um documento que pedia para “transformar a igualdade de gênero em realidade”. Mas se você é um leitor atento e se ligou nos números que Isabel Castro levantou e nós destacamos no começo do texto, vai reparar que a situação não chegou a mudar tanto quanto deveria de lá pra cá...

E no Brasil? Bom, um estudo divulgado em setembro de 2014 pela ONU e realizado pelo Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia em 11 países (incluindo a nossa terrinha), mostra que estamos na frente de países como França, Rússia e Japão quando o assunto são “mulheres na cadeira de diretor”. Nosso número é 9% do total, acima da média global de 7% – mas ainda bem abaixo do país com melhor colocação, que é a Inglaterra (27,3%).

Quando a gente analisa também roteiristas e produtoras, colocando as três profissões juntas, o Brasil lidera o ranking, com 1,7 homens para cada mulher. Mas as próprias profissionais contam que, no dia a dia, a coisa é bem mais complicada do que os números contam. “No meio cinematográfico, dá a impressão de que você tem que ser genial para seguir carreira como diretora”, afirma a pernambucana Renata Pinheiro, de Amor, Plástico e Barulho, ao comentar o estudo do Instituto Geena Davis para o jornal Folha de S.Paulo. “Se for que nem a média dos homens, vai ser difícil emplacar outros filmes. Eles, mesmo com trabalhos medianos, conseguem se manter”.

Anna Muylaert, de É Proibido Fumar, diz que a mudança deve começar pela própria mulher, que tem que aprender a se valorizar mais. “No começo da minha carreira, eu aceitava ganhar dez vezes menos que o meu parceiro porque achava que ainda tinha que aprender muito. Até que, com muita análise e um esforço milenar, passei a falar: ‘Se é o mesmo trabalho, eu quero ganhar o mesmo’. E as pessoas aceitaram na hora”. E Laís Bodanzky, do consagrado Bicho de Sete Cabeças, completa: “Cada vez mais, percebo que é importante colocar um holofote sobre as mulheres. Nós aprendemos observando os outros. As poucas mulheres que estão fazendo cinema podem inspirar as que estão chegando”.

Can we do better?, é a pergunta que a conferência de Sarajevo fez aos seus participantes. Sim, sim, nós podemos. Podemos fazer MUITO melhor. Basta agora sair do campo das assinaturas e apertos de mão e ir para o campo da realidade.