Parte 02 – De todas as experiências de uma Comic Con, aquela que a CCXP melhor reproduziu foi a das filas
A Comic Con Experience começou enorme. Durante os quatro dias de evento, mais de 80 mil pessoas passaram pelo São Paulo Expo (antigo Centro de Exposições Imigrantes) – o que coloca a CCXP apenas um patamar abaixo de eventos como a FIQ (que recebe mais de 140 mil pessoas, mas não há cobrança de ingressos), a New York Comic Con (150 mil pessoas agora em 2014) e a San Diego Comic-Con (que, há anos, informa ter “mais de 130 mil visitantes”). Se você pensar que as outras convenções são veteranas nesse mercado, a marca alcançada pela CCXP foi enorme.
Começando assim, os acertos são grandes – criando todo um novo nível, mais alto, para convenções de cultura pop no Brasil. “Achei sensacional, por ser no Brasil, conseguirem realizar algo neste tamanho, pro nosso público”, surpreendeu-se Wesley Modro, que visitou o evento e conversou por lá com o JUDÃO. Só que, nessa escala, os erros também são grandes. Principalmente quando comparamos com a experiência de um evento do tipo no exterior, que foi o principal mote da convenção — o “experience” do nome não é por acaso. ;)
A organização se preparou, claro. Entre os acertos, esteve a grande praça de alimentação, com diversas lanchonetes (a maioria veterana de grandes eventos, como a Bienal do Livro e o Salão do Automóvel) e alguns ~food trucks. É algo que não existe, por exemplo, numa SDCC – o evento californiano tem apenas algumas lanchonetes, “padronizadas”, poucos lugares para sentar e poucas opções no cardápio. Tudo também porque, na cultura de lá, o que impera nessas horas é o ~lunch, e não a refeição completa, como é por aqui. Na CCXP também havia também uma vastidão de mesas. Espaço e opção para comer não faltavam, na teoria.
Na teoria.
No sábado, com um público maior do que 25 mil pessoas, as filas das lanchonetes na hora do almoço eram enormes. Mesas e cadeiras vazias eram artigos em extinção, fazendo com que muita gente se sentasse no chão pra comer – quem sabe até ao lado das pombas, que faziam a festa com os restos de comida do local.
Talvez fosse o caso de não ter uma POMBA no meio da praça de alimentaçao (Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)
O movimento também fez aumentar a cobiça de alguns restaurantes. Entre sexta e sábado, o JUDÃO chegou a registrar aumentos de 10% a 15% nos preços das refeições. Pra quem não tinha nascido (ou não lembra), foi uma experiência de inflação do final dos anos 80, começo dos anos 1990. “Cresceu o olho do dono”, nos confidenciou uma das atendentes do restaurante El Malak, presente na CCXP.
Claro que esse combo filas+inflação aconteceu por outro grande motivo: a falta das famosas badges, ou seja, daquelas credenciais que todo mundo leva no peito em uma grande convenção. Se lá fora é assim, aqui elas ficaram restritas a imprensa, expositores, convidados e para quem comprou os pacotes mais caros (Full Experience e Fan Experience). Pro público em geral, ou seja, pra maioria, a entrada era garantida com um simples e comum ingresso.
Num primeiro momento, ok, tudo bem. Mas, na prática, não é bem assim. Pra começar, os visitantes já tinham um grande obstáculo para retirar esses ingressos. “Foram duas horas de fila só pra entrar”, relata a estudante Maria Rossi. Já lá dentro, surgia o maior problema: não era possível sair.
Claro, afinal aquele era um ingresso. Depois de destacar o canhoto, era impossível sair e reentrar – algo totalmente possível para quem tinha a badge. Se o visitante ficasse cansado, quisesse sair para respirar um ar, ir comer em um restaurante fora do centro de exposições ou tivesse vontade de apenas passar no carro pra pegar um casaco, bom... Cuén.
O que se viu, então, foram as pessoas vítimas das filas dos restaurantes, dos aumentos de preço, da especulação... Nos horários de pico, muita gente sentou no chão do pavilhão – afinal, a experiência estava realmente empolgando o público, que não queria perder nada, mas simplesmente não tinha outra alternativa para matar o tempo após conhecer todo os estandes e desistir dos únicos dois painéis que rolavam ao mesmo tempo. Não sabiam mais o que fazer. “Muitas das atividades nos painéis e estandes não foram bem explicadas, ou promovidas. Isso precisaria melhorar”, nos contou o visitante Vinicius Bitencourt.
Não que numa SDCC as pessoas não se sentem no chão. Mas elas conseguem sair do Centro de Eventos, curtir um pouco do Sol da cidade, comer um cachorro quente olhando para a marina de San Diego, tomar um banho rápido no hotel, aproveitar restaurantes e atrações do lado de fora do evento. Aliás, há inclusive painéis e atrações que acontecem FORA do centro de convenções — basta ter a credencial pra acessar.
CLARO, a falta de opções no entorno do São Paulo Expo é um problema muito maior e não é exclusivo da Comic Con Experience. Mas é algo que ESSE público, que ESSE evento, pede. O São Paulo Expo, como diz o nome, é um centro de exposições, não convenções. Uma convenção é um tipo de evento diferente, que exige coisas além de um lugar enorme.
Em compensação, empresas como a Disney e a Netflix ofereceram espaços para descanso e, o que faz muito sentido num evento como esse, estações para se recarregar o celular — enquanto, claro, você assiste a um trailer de um filme ou uma série. Isso é algo pioneiro numa Comic Con, e seria muito legal se os gringos resolvessem copiar. :)
Além da falta da badge para todos, faltaram também tickets, ou ~passes, para quem precisasse sair rapidamente do auditório principal — seja para ir ao banheiro, ou comprar alguma comida fora dali, algo que existe em todos os painéis da SDCC, mesmo aqueles mais concorridos. Assim, quem não queria perder o lugar conquistado com muito suor e uma noite no sereno tinha que comer o que estava disponível na bombonière montada ali. Resultado: enquanto em todo o resto da convenção a Pipoca Mega saia por R$ 15, ali era vendida por R$ 20.
Fora os preços abusivos, surge um outro problema que infelizmente é muito comum no Brasil: a falta de notas fiscais. As lanchonetes (e até a própria Panini) não estavam emitindo o documento. É uma atitude que deveria acender a luz amarela de todos os envolvidos, incluindo os organizadores.
Outra questão que envolveu o bolso dos visitantes foi a falta de caixas eletrônicos. Havia apenas dois, do patrocinador. “O sinal de celular é ruim, então [a máquina de] cartão nem sempre funciona. Aí, você vai sacar uma grana e só tem máquina do Bradesco. Tem de ter caixa eletrônico”, relatou Wesley Modro.
Não vamos nos enganar: filas são comuns em grandes eventos e fazem parte da rotina de quem visita a Comic-Con de San Diego. Pra autógrafos, pra participar de alguma atividade, pra ganhar um botton. Só que a Comic Con Experience conseguiu trazer filas até nos bebedouros, que eram poucos.
O palco Thunder, o espaço principal de painéis e que tinha capacidade para 2 mil pessoas – tipo o nosso Hall H local – fez com que muitos ficassem 4 horas e meia na espera para entrar. Com a sala superlotada no sábado (e sem ninguém sair de lá de dentro, esperando os painéis da Pixar e da Marvel Studios), a organização fez a pior escolha: fechou a fila de acesso às 15h.
Lembra-se quando falamos que muitas pessoas ficavam pelo chão, pela falta do que fazer e por não quererem sair do evento? Na fila do Palco Thunder foi a mesma coisa: o acesso oficial estava fechado, mas ainda assim o público se aglomerava em uma fila extraoficial – sem ter o que fazer, preferiam arriscar a sorte. Os voluntários batiam cabeça, com alguns pedindo para o público dispersar, enquanto outros pediam justamente para que entrassem naquela fila. Marcelo Forlani, um dos organizadores da convenção, chegou a ir ao meio do povão, avisando que aquela fila não tinha validade – mas não adiantou muito. A fila não-oficial continuou formada.
De um lado, a fila oficial (já com um espaço vazio). Do outro, a galera de fora fazia a própria fila (Renan Martins Frade / JUDAO.com.br)
Érico Borgo, também da organização, deixou a apresentação dos painéis e tentou contornar uma situação que acontecia aos arredores do auditório principal – mais precisamente, em uma das portas laterais. É que com a entrada fechada, muitos tentaram dar o velho “jeitinho brasileiro” e espiar pelas cortinas da porta – ou, quem sabe, conseguir até entrar. “Isso é a experiência da Comic Con. Esse ano eu fiquei 20 horas na fila do Hall H em San Diego”, tentou argumentar o organizador com o público, ao mesmo tempo em que pedia para que as pessoas não obstruíssem a saída, o que poderia gerar problemas com o Corpo de Bombeiros. Apesar de algumas reclamações, na linha de “nós pagamos tanto quanto quem está lá dentro”, as pessoas entenderam.
Apesar de, sim, fazer parte da experiência, a fila não pode servir de muleta para a organização de qualquer evento, simplesmente porque “acontece na San Diego Comic-Con”. Por mais que o evento californiano tenha grandes filas, ele fornece diversos painéis, eventos e entretenimentos paralelos. Se você não consegue entrar em um, logo em seguida tem outro – e, nesse, provavelmente você vai conseguir estar presente. Isso também estimula parte do público a desistir da fila, em busca de outra coisa. Até porque 4 horas de espera em um lugar significa 4 horas de coisas perdidas em uma programação recheada de atrações.
É bom que se registre também que, passado o furacão Crepúsculo, as coisas voltaram um pouco mais ao normal em San Diego. Este ano teve gente sim que dormiu na fila para acompanhar o painel da Warner no sábado de SDCC – mas quem chegou às 8h da manhã também conseguiu uma cadeira entre as mais de 6 mil colocadas no Hall H. O painel começou às 10h. Reforço isso com um relato pessoal: apesar de ter sim enfrentado filas, apenas fiquei de fora de um único painel que queria ter visto nesta última SDCC.
Claro, a CCXP aprendeu com os erros de sábado. No domingo, dia de painéis com Richard Armitage e Jason Momoa, além da pré-estreia de O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, foram distribuídas pulseiras para os primeiros 2 mil que estavam na fila (num esquema parecido com que a SDCC fez este ano para o Hall H), além de o pavilhão ter sido aberto logo às 7h da manhã. Ainda assim, por volta das 3h da manhã, entre 200 e 300 pessoas estavam no estacionamento do São Paulo Expo tentando garantir seu lugar.
Outro problema, que foi “arrumado” no meio do caminho após ser identificado, foi a falta de um banheiro dentro do auditório principal. Como não havia aquele ~passe para a reentrada, caso a pessoa quisesse sair do auditório por um curto período de tempo, pensaram em fazer o acesso via uma porta lateral, aquela mesma na qual Borgo se viu obrigado a conversar com as pessoas que estavam do lado de fora. Para evitar uma confusão ali, com gente a mais entrando, foi improvisada uma outra porta para o banheiro.
Independente de filas e improvisos, o público ficou bem impressionado com o resultado final – alcançando um nível inédito em todos os eventos do tipo já feitos no nosso País. “Eu esperava um evento menor”, registrou Fernanda Belmonte. “Bastante lotado, mas, apesar disso, muito bom. Bem organizado e tá tudo funcionando bem”. A opinião foi parecida com a do Wesley Modro: “Tudo bem tranqüilo, lotado, mas acertadinho. Até o banheiro, mesmo com tudo isso de gente, tá limpo. Nisso, tá de parabéns”.
Outro detalhe é que os poucos que foram de carro também elogiaram o estacionamento. Para quem foi de transporte público, tudo bem, também. Apesar de não haver sinalização do Metrô (que, infelizmente, não abraça os eventos no Imigrantes), haviam diversos voluntários direcionando o público para as vans gratuitas que ligavam a Estação Jabaquara ao centro de eventos. A fila para o transporte era grande, claro, mas fluía rapidamente.
No final, fica uma lista importante, com os acertos e com problemas não tão simples de serem resolvidos, mas que são pequenos perto do desafio que foi colocar algo como a Comic Con Experience para acontecer.
• Colaborou Eduardo Pereira