Apesar da saída da categoria da grade da Globo em 2015 ter sido desmentida, é um caminho inevitável, mesmo que no longo prazo — e é bom o futebol brasileiro abrir o olho, pra não ter o mesmo destino
O Brasil já viveu jejuns maiores de vitórias – já se passaram quase 5 anos desde a vitória de Rubens Barrichello no GP da Itália de 2009, menos que o período de jejum entre 1993 e 2000. Porém, a audiência local da Fórmula 1 vem caindo ano a ano. Uma queda que faria com que a Rede Globo desistisse da categoria na TV aberta e a jogue para o canal pago SporTV. Quem cravou isso foi a revista Quatro Rodas, mas a informação não foi confirmada pelo sempre bem informado Grande Prêmio e foi desmentida pelo também sempre bem informado Daniel Castro, do Notícias da TV.
Apesar do desmentido, não se engane: a migração para a TV paga é um caminho mais do que natural no longo prazo. Primeiro porque a audiência da Fórmula 1 vem caindo em todo o mundo, como muito tem acontecido com diversos esportes. Não importa se nos últimos anos tivemos temporadas com disputas acirradas, tediosas, com várias forças, uma força única ou mudanças no regulamento. Nada segura a audiência e, de acordo com relatórios da FOM, que administra a categoria, o Brasil e a Globo vêm até que tendo um bom resultado nesse sentido, se comparados com o resto do mundo. Atualmente, o nosso País tem 77,2 milhões de telespectadores da F1, menos que os 85,6 milhões registrados há pouco tempo. Ainda assim, é a maior audiência entre todos os países.
Para você ter uma ideia, a segunda maior audiência mundial da categoria é a do México, com 35,8 milhões de telespectadores. A Alemanha e Espanha vêm a seguir, respectivamente com 31 e 30,2 milhões. Todos esses números são da própria FOM.
O resultado brasileiro não ocorre apenas por nossa população ser maior. É que na Europa a F1 já é uma categoria com transmissão na TV paga. No Reino Unido, que sempre foi um grande mercado para a categoria, a BBC apenas transmite metade da temporada ao vivo na TV aberta, com o resto ficando para a Sky Sports. Na Alemanha, a RTL tem os direitos da categoria, mas o canal é mais acessível pela TV paga (que é, nesse caso específico, dominante no país) do que pela aberta. Na Espanha, corrida em TV aberta apenas na Catalunha. Já na Itália, nação dos apaixonados pela Ferrari, a F1 tem a transmissão ao vivo de apenas algumas etapas no canal aberto (e do governo) RAI – o resto, apenas compactos ou pela TV paga.
No final das contas, a Fórmula 1 já deixou de ser há tempos um produto para o público mais amplo. É algo para fãs iniciados, aficionados – gente que reclama, por exemplo, do fato dos carros deste ano fazerem menos barulho do que aqueles do passado, com motor V8 aspirado. Nesse sentido, fica realmente difícil manter uma audiência que justifique transmissões ao vivo com mais de 3 horas no total nos fins de semana. Pra você ter uma ideia, o último GP da Hungria rendeu 8,7 pontos, quase metade do que foi registrado na média em 2008. Naquele ano, Felipe Massa lutou pelo título. Na última corrida, o brasileiro ficou em sexto lugar. Como resultado, a Globo já desistiu de exibir o treino classificatório na íntegra – que sempre perdia para os concorrentes em audiência, que foi para o SporTV. No lugar, entraram os desenhos animados da TV Globinho, com a rede carioca mostrando apenas a parte final da classificação.
Ainda assim, como o Notícias da TV lembra, 8,7 pontos de audiência continua sendo uma marca respeitável para o domingo de manhã, principalmente nesse mundo atual com a pessoas vendo mais TV fechada, usando mais as redes sociais ou simplesmente querendo curtir um domingo de sol (seja na cama ou no parque). Outro detalhe é que a categoria, ainda vista como o ápice do esporte a motor e da tecnologia, ainda atrai muitos (e gordos) anunciantes. Em 2014, a emissora fechou seis cotas de patrocínio que rendem um total de R$ 412,2 milhões. Empresas que estão felizes com o que entregue e, se a audiência da corrida cai, a emissora trata logo de botá-los em horários de maior ibope, como ressalta Victor Martins, do Grande Prêmio. Por isso, a Globo não só negou a migração da categoria para o canal pago do grupo, como garantiu que irá manter os treinos classificatórios na grande no próximo ano – mesmo que nesse esquema que leva apenas 1/3 ao ar.
Só que isso não é garantia de nada. Se no futuro a audiência cair mais, os anúncios minguarem e a Globo perceber simplesmente que pode ganhar mais público colocando outra coisa no ar, fará isso. Não é algo pra agora, ou pro ano que vem – como a barriga da Quatro Rodas deu a entender, até porque a emissora tem um contrato até 2020 que prevê uma multa caso não exiba as corridas na TV aberta e ao vivo. Mas nada é definitivo, os anos vão passando e, enquanto isso, os assinantes e a audiência dos canais fechados vão aumentado a cada ano, o que em algum momento viabilizaria a troca do outro lado.
Economicamente falando, a F1 sentiria pouco essa mudança. Afinal, o bolo do faturamento brasileiro se perde entre as receitas de diversos outros países e isso já aconteceu em diversos de seus principais mercados, como já citamos. O que preocupa, em um cenário como esse, é a categoria se restringir apenas aos iniciados, não formando novos fãs. Para resolver isso há uma resposta direta: a internet.
Como qualquer esporte, a Fórmula 1 tem um poder de viralização grande por meio de seus acontecimentos, fatos, disputas, frases... Após um GP, são diversos os vídeos que pipoca no YouTube. Durante as corridas, o Twitter ferve – basta apenas seguir as pessoas certas. Só que a FOM pouco aproveita tudo isso. Ou pior: age com mão de ferro, tirando do ar todos os vídeos do YouTube, por exemplo.
Assim, fecha-se uma porta para novos olhares.
E não adianta alegar que “tem gente que paga caro pelos direitos de transmissão, coisa que o YouTube/Google não faz”. Botar o conteúdo lá para alavancar a audiência de outras mídias é algo tão óbvio que a já citada Rede Globo desistiu de boicotar o site de vídeos do Google em favor de seu próprio serviço online. Vendo que estava perdendo espaço, a emissora criou recentemente um canal no site e começou a publicar vídeos por lá. Com o tempo, a tendência é que a iniciativa seja ampliada.
No final das contas, pouco importa se a corrida de domingo vai ser exibida no Globo ou no SporTV. Quem é fã e gosta (que são, basicamente, quem mantém a audiência hoje em dia) dará o seu jeito. O que não pode, mesmo, é esquecer da internet.
Não é só a F1 que está sofrendo com rumores sobre sair da TV aberta brasileira. O futebol, principal produto esportivo da Globo, também pode ter o mesmo caminho. Não é para 2015 ou 2016, talvez nem pra 2020, mas a ameaça é real.
Também de acordo com o Notícias da TV, a emissora está preocupada com a queda da audiência dos jogos dos clubes brasileiros. Afinal, o ~espetáculo tem sido sofrível, algo que ficou bem claro para os telespectadores ao comparar o nível daqui com os jogos da Copa do Mundo – ou depois dos 7 a 1 contra a Alemanha, o que você preferir. O canal preparou um estudo, revelando que a audiência dos jogos brasileiros vem caindo 10% a cada ano. Para você ter uma ideia, o jogo Corinthians x Coritiba deu apenas 13 pontos de audiência no último domingo. Se continuar assim, o canal afirma: os jogos vão parar na TV fechada.
Não deixa de ser, claro, parte de um amplo plano da Rede Globo, que está sendo pressionada pelos clubes a adiantar os pagamentos dos direitos de TV e também para fazer uma melhor divisão do bolo, já que atualmente Flamengo e Corinthians recebem mais do que os outros clubes. É bem aquela coisa de “ok, vocês querem ganhar mais grana? Então arrumem a casa, assim todo mundo fica feliz – ou vocês vão receber ainda menos”.
Mas a ameaça é real, sim. Os primeiro resultados disso são bem claros: cada vez mais são os mesmos clubes que aparecem na tela da TV e, entre 2013 e 2014, o valor de tabela das cotas de publicidade do futebol na Globo teve uma ligeira queda, de 3%. Ainda assim, rendeu mais de R$ 1 bilhão para o canal, sem contar as cotas da Copa do Mundo. Se em algum momento a Globo perceber que pode ter mais audiência e um bom faturamento com um produto mais barato (como um filme ou até um “Esquenta” da vida), aí então não vai pensar duas vezes em tirar o futebol da grade, ou ainda diminuir de dois para um jogo exibido por semana. Afinal, emissora de TV não é caridade, apesar de ser uma concessão pública em nosso País.
Diferentemente da F1, a futebol sentiria bastante a perda. De acordo com um estudo da Pluri Consultoria, 40% da receita dos clubes em 2012 veio dos direitos de TV. Restrito à TV paga, esses valores seriam bem menores, apesar da venda de pacotes de pay-per-view provavelmente crescer. Isso reduziria bastante os recursos dos clubes brasileiros, que pouco sabem gerir o que possuem hoje. Além disso, diminuiria bastante o valor ganho com publicidade e patrocínios, pois o público atingido seria teoricamente menor, mesmo com um provável crescimento dos canais fechados – afinal, futebol é esporte do povo, diferentemente do automobilismo. Imagina: se tá uma tristeza ver o Campeonato Brasileiro ou a Copa do Brasil hoje, imagina então com menos dinheiro para contratar, administrar, investir, formar...
A resolução do cenário passa por uma total repaginação do futebol brasileiro, incluindo desde repensar a base dos clubes quanto a criação de uma liga ou associação – o que evitaria, por exemplo, problemas como o do fim da inclusão do Campeonato Brasileiro no FIFA 15, algo que também tem impacto na formação de novos torcedores. Só assim pra evitar que o público prefira ver um jogo do Barcelona, do Milan ou do Manchester United. Ou que prefira fazer outra coisa da vida do que acompanhar uma verdadeira pelada na tarde de um domingo, ou na noite de quarta-feira.
Pena que é difícil esperar algo das instituições brasileiras, ou ainda de quem administra os próprios clubes. Problema este que, veja só, também aplaca a F1, que se vê administrada pela carcomida FOM, incialmente uma associação de construtores. A diferença é que a categoria se vale de uma base mundial (algo que nunca se soube criar no futebol por aqui, perdendo até pra Argentina nesse quesito) e as empresas lá souberam administrar os problemas de uma forma que, vamos combinar, seria difícil de imaginar entre os quase que todos cartolas amadores brasileiros.
Pois é. Se eu fosse você não estaria preocupado com o futuro da F1, mas sim com aquele seu futebolzinho sagrado de toda semana...
Pra não concorrer com Mulan, Bill & Ted 3 vai estrear em VOD mais cedo: 28 de Agosto! https://t.co/Bu3VBYYW8X