Antes de Watchmen pode ser a série que você quer, HBO

Ok, vai, talvez o ideal nem fosse adaptar pra televisão, mas já que a ideia é profanar o que é sagrado…

É difícil citar um sucesso tão grande dos quadrinhos quanto Watchmen. Publicada em 12 partes entre 1986 e 1987, a história de Alan Moore, Dave Gibbons e John Higgins é um verdadeiro retrato de uma época, usando os super-heróis (e a queda deles) pra mostrar os podres, loucuras e a sujeira do mundo na década de 1980. É, ao lado de O Cavaleiro das Trevas do Frank Miller, um dos primeiros grandes exemplos que histórias em quadrinhos de super-heróis podem ser densas e adultas.

Mas... Isso tudo na TELEVISÃO? Bom, se depender de Zack Snyder e da HBO, isso vai acontecer, sim

De acordo com o Collider – e informação que teria sido confirmada à eles pela própria HBO após a publicação – Snyder teria se encontrado com executivos do canal pra adaptar a franquia pra TV. Porém, não se sabe muito bem como rolaram esses papos, muito menos o teor das conversas. Oficialmente, o canal apenas disse que ainda são discussões preliminares.

Como você sabe, Snyder é hoje o cara do Universo DC nos cinemas e também foi o responsável por dirigir a adaptação pros cinemas, em 2009. Foi aquela coisa: se você considerar que a história original é enorme, cheia de elementos, histórias paralelas, com uma HQ de piratas no meio e uma lula gigante no final, até que o diretor fez um bom trabalho adaptando isso pra tela grande.

Mas... Por que ele se envolveria nisso novamente? E, diria eu, provavelmente como showrunner?

Watchmen

Pensando pela lógica da HBO: Watchmen é uma batata quente, apesar de ser um nome conhecido e que vai atrair público. Adaptar isso pro live action é sempre um desafio, já que mudanças, cortes e substituições terão que ser feitas. Pra piorar, entre milhares de xiitas, uma voz vai ser bastante ouvida: a do próprio Alan Moore, que notoriamente detona toda e qualquer adaptação de seu trabalho. Zack Snyder já passou por tudo isso de peito aberto, o que facilita as coisas.

Tem também o lado do próprio diretor. Pode ser que ele sinta que não conseguiu colocar tudo que gostaria no corte de cinema de Watchmen. Ok, tem a Versão do Diretor, a Ultimate e tudo mais, mas a maioria só viu mesmo a versão original. Uma série num canal como a HBO não só daria mais tempo de tela pra contar tudo, como também teria menos preocupações com classificação etária.

Só que também fica aquela coisa: por que voltar pra algo que você já fez, mesmo que não tenha chegado ao potencial máximo? Se passou, passou...

Há, ao menos, duas abordagens aí. Watchmen é extremamente rico em histórias paralelas – tudo porque Moore, quando escreveu a graphic novel, inicialmente iria fazer o RÉQUIEM dos personagens da Charlton Comics, mas a DC mudou de ideia. Isso o obrigou a criar um universo do zero e, pra que a queda desses heróis fizesse sentido, ele precisava construir um passado para eles.

Alguns desses enredos e historietas (?) Snyder deu um jeito de adaptar, como Contos do Cargueiro Negro, mas outros viraram histórias de rodapé, como os capítulos do livro Sob o Capuz, escrito por Holis Mason, o primeiro Coruja. São elementos que, juntos, poderiam virar uma história. Mas será que fariam sentido sem a trama principal, que tá no filme? E faria sentido readaptar essa trama principal só por causa do resto? Não sei.

Talvez o grande problema aí nem seja esse. Watchmen é quadrinhos ao extremo, uma série que usa os próprios elementos da mídia que tá inserida pra criticar esse meio e o mundo no qual estava sendo publicada. Fora desse contexto e dos quadrinhos, uma boa parte da alma se perde. E foi justamente por isso que Watchmen, o filme, não chegou perto de Watchmen, a HQ. Diria que, a essa altura, Snyder já sacou isso.

Antes de Watchmen

Porém, há uma saída: Antes de Watchmen. Darwyn Cooke, Amanda Conner, Brian Azzarello, J. Michael Straczynski, Andy e Joe Kubert (em seu último trabalho antes de morrer), Len Wein (editor da graphic novel original), Eduardo Risso e diversos outros nomes badalados dos quadrinhos se empenharam em retratar o início daqueles personagens em diversas minisséries publicadas pela DC em 2012.

Apesar de um razoável sucesso de vendas, Antes de Watchmen acabou ganhando o rótulo de caça-níquel e foi execrada por leitores, fãs e a mídia especializada. Porém, o que talvez tenha faltado ali foi o olhar de que “ok, aquilo não é Watchmen de Alan Moore, nem uma crítica à sociedade dos nossos tempos, mas sim uma homenagem àqueles personagens e o mundo que vivíamos quando eles faziam sentido”. Foi incrível ver, por exemplo, a viagem da Espectral II no mundo da psicodelia, ou o envolvimento do Comediante na política dos anos 60 e no assassinato do John F. Kennedy.

Quando você pensa na adaptação, é muito mais fácil levar esse espírito pra TV – sem falar que, por ser um enredo que dura décadas, também poderia alimentar mais e mais temporadas, inclusive adicionando novos trechos ou mudando o que foi criticado na versão em quadrinhos. Mas não se engane: essa série não seria um substituto espiritual pra Game of Thrones, mas sim um ~novo Mad Men. Só que troca os publicitários dos anos 60 por (no começo) gente estranha vestindo roupa colorida nos anos 60.

É, Alan Moore vai chiar ainda mais, mas, se é pra profanar o que é sagrado, façam logo uma adaptação de Antes de Watchmen. Vai por mim, HBO...