Rainhas do Crime podia ser um bom filme, mas a história não colabora... | JUDAO.com.br

Se todas vão se comportar exatamente como os homens fariam, por que contar uma história sobre lideranças femininas?

Os filmes baseados em HQs continuam à toda nos cinemas — mas a boa notícia é que os estúdios finalmente estão de olho não apenas nas tradicionais e bombásticas obras com super-heróis, mas também no que têm a dizer títulos adultos e independentes, como este Rainhas do Crime, estreia da semana. O problema é que o COMO se faz isso na adaptação de uma mídia pra outra continua sendo a coisa mais importante do processo...

Baseado em uma série da Vertigo lançada em 2015 intitulada The Kitchen, Rainhas do Crime foi originalmente criado pelo escritor Ollie Masters e pelo artista Ming Doyle. A história se passa no final da década de 1970, período em que Nova York era dominada por diferentes gangues e mafiosos, entre eles os irlandeses.

Casadas com homens que se encaixam nessa última categoria, Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss) se veem em uma situação complicada quando seus maridos são presos após um roubo fracassar. Sem a ajuda substancial da máfia, elas decidem coletar sem permissão dinheiro de proteção de comércios locais em nome da máfia irlandesa, criando uma reação em cadeia na cidade ao ignorar o patriarcado tradicional.

Com o claro objetivo de subverter o papel das mulheres nos clássicos thrillers dos anos 1970, Rainhas do Crime tem uma premissa tão interessante e um elenco tão talentoso que esse poderia ser um dos filmes mais atraentes de 2019. Infelizmente, isso não acontece. Dirigido por Andrea Barloff, roteirista do fantástico Straight Outta Compton: A História do N.W.A, este Rainhas do Crime sofre com um visível problema de ritmo influenciado por um roteiro apressado e uma edição frenética.

Ou seja, como queríamos demonstrar: adianta?

Com uma clara sede por sangue, a história corre tanto para desenrolar as consequências da liderança feminina no ambiente criminal de Nova York que o filme se aprofunda muito pouco nas três protagonistas e apenas arranha superficialmente os questionamentos morais das escolhas de cada uma delas. Mesmo preocupadas com suas famílias ou com a própria segurança, elas são influenciadas pelo poder que conquistam, mas não há camadas narrativas para desenvolver esse enredo.

E isso é uma pena, porque as atrizes são reconhecidamente competentes, e o filme poderia ter oferecido uma história mais profunda sobre a busca pela sobrevivência e pelo poder em um mundo dominado por homens.

Essa falta de profundidade tira elementos que poderiam ser muito importantes da história, que no fim acaba relegada à uma trama simplória sobre vingança, perdendo qualquer traço que poderia torná-la algo singular. Se todas vão se comportar exatamente como os homens fariam, por que contar uma história sobre lideranças femininas?

Se todas vão se comportar exatamente como os homens fariam, por que contar uma história sobre lideranças femininas?

Sendo uma vítima de abuso doméstico, Claire se ENVEREDOU para o caminho mais óbvio ao escolher a violência para ter o controle da sua vida. O mesmo vale para Ruby, única mulher negra na máfia irlandesa, que decidiu que ter o poder era a única forma de ser minimamente respeitada. Já em um ambiente familiar teoricamente saudável – sua personagem é a única que tem uma família presente e recorrente no filme -, Kathy é quem mais sofre com a prisão do marido e acredita que realmente está fazendo algo bom pelas pessoas do seu bairro, mesmo que isso signifique que (muitos) corpos estão sendo acumulados pelo caminho.

E ficamos nisso.

Faltou refinamento para o roteiro de Rainhas do Crime e é bem perceptível que os pontos de virada tradicionais de uma HQ padrão foram utilizados nesse filme. Isso cria diferentes segmentos dramáticos que definitivamente atrapalham na fluidez da narrativa. Esses segmentos introduzem personagens de forma repentina e subdesenvolvem tramas que deveriam ter tido mais impacto na narrativa. Foco, minha gente. É um filme!

Outra prova da falta de refinamento é a necessidade gritante de compartilhar mensagens sobre raça e gênero que parecem óbvias e vazias demais para serem marcantes o suficiente. Não precisava sair da boca de McCarthy que ela nunca se sentiu segura sendo mulher: todas nós sabemos como é se sentir assim. Raça e gênero são assuntos importantes e necessários que mereciam ser trabalhados mais cuidado, com sutileza, sem necessariamente serem jogados na tela de forma apressada.

Consequentemente, todos esses problemas no roteiro acabam atrapalhando o desempenho dos atores, com a grande maioria sendo subutilizada em favor de uma trama e uma edição apressadas e constantemente pulando de ato em ato com o óbvio objetivo de chegar à conclusão e tentar te surpreender.

Entre todos esses problemas, dois pontos positivos precisam ser destacados em Rainhas do Crime: a ótima trilha sonora e o design de produção de Anu Schwartz, que definitivamente colaboram para a ambientação histórica.

O problema é que isso de nada adianta se a história EM SI não colabora. Uma pena.