No RJ, a declaração de amor do Fates Warning | JUDAO.com.br

Diferentes gerações de fãs se reúnem na primeira edição do festival Overload para prestar tributo a uma das bandas que provou que o metal progressivo não é feito apenas de múltiplas escalas por minuto

O ano era 2004. Numa das primeiras e únicas edições de uma finada revista de heavy metal, li a resenha do disco que me apresentou ao Fates Warning. À época, FWX não somente me mostrou que o metal progressivo ia muito além do Dream Theater como também que seus músicos eram caras diferenciados que buscavam mais do que a complexidade pela complexidade. Desde que me entendo por ouvinte de rock, acredito no poder de um bom refrão e nesse quesito o Fates Warning era rei. Esmiuçar a sua obra em busca de outros sons marcantes foi um passo natural e acabei descobrindo alguns sons que me acompanham até os dias de hoje.

Enfim, na última sexta-feira, o Fates Warning foi a atração principal do segundo dia do 1º Overload Music Fest, no Rio de Janeiro. Apesar do Swallow the Sun, que abriu a noite, ter levado uma pequena legião de adeptos, foi a banda de Ray Alder (vocal), Jim Matheos (guitarra), Mike Abdow (guitarra, substituindo temporariamente o genial Frank Aresti), Joey Vera (baixo) e Bobby Jarzombek (bateria) que mobilizou o público maior, tanto em quantidade quanto em volume: você contava nos dedos aqueles que não soubessem de cor todas as letras e nos intervalos entre uma música e outra tudo o que se ouvia eram os urros daqueles que esperavam há anos por um desembarque do grupo em solo carioca.

“Quantos anos você tem?”, perguntou um sujeito grisalho. Respondi. Com uma gargalhada, ele replicou: “Ouço Fates Warning desde antes de você nascer!”. Teve outro que contou que há 30 anos atrás, era amigo de correspondência de Joey Vera. Pude testemunhar o encontro dos dois bem de perto, ao término da apresentação, quando a banda fez questão de atender cada fã — devo me incluir nesta — em busca de fotos e autógrafos. Rolou até parabéns à você para Bobby Jarzombek, aniversariante do dia anterior.

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Foto: Daniel Croce

No palco, a movimentação é mínima — exceto por Alder, que não para e, com isso, dificulta a vida de quem prefere tirar fotos do show com o celular em vez de assisti-lo. Posicionado em frente ao amplificador de Matheos, pude notar cada palhetada, cada toque de efeito e como cada riff que já soava monstruoso é ainda mais tecnicamente complexo e desafiador. Mas ao contrário do que eu imaginava, sua carga de solos é incomparavelmente menor a de seu colega guitarrista, posicionado do lado oposto do palco, onde passeia com a destreza de um prodígio de Berkeley pelas sete cordas do instrumento.

Volta e meia, Vera pisa sobre o que parece ser uma versão século XXI do lendário Taurus bass pedal e faz algo que eu nunca tinha visto antes: backing vocal com a palheta na boca. No fundo do palco, Jarzombek não perdoa sua DW e desce o braço a ponto de fazê-la chacoalhar. No chão, um caminhão-pipa de garrafinhas d’água abastecia um Alder que vez ou outra derrapava na rouquidão. Não consegui apanhar nenhuma palheta desta vez.

A curiosidade era tanta que recorri ao setlist.fm — algo como um spoiler online de repertórios de shows — para saber o que me aguardava. Fui preparado para um bombardeio musical de alto nível que abrangeu todos os discos da era Alder, iniciada em 1988 com No Exit e recentemente atualizada com Darkness in a Different Light, um dos melhores discos lançados em 2013. Entre os hits mais das antigas, Life in Still Water (que originalmente conta com backing vocals de James LaBrie, do Dream Theater), Point of View, The Eleventh Hour... e Through Different Eyes, que foi um daqueles momentos em que você agradece por estar vivo. Executada um tom abaixo, a música cuja letra aborda a sensação de estar dando murro em ponta de faca, é trilha sonora recomendada para relacionamentos fadados ao fracasso.

O conceitual A Pleasant Shade of Gray (1997) compareceu com quatro de suas partes. Apesar de ser um disco difícil de ouvir — não por ser ruim, mas por requerer todo um estado de espírito para ter sua essência meio sombria absorvida —, funcionou bem ao vivo. A reta final trouxe Monument, single extraído de Inside Out (1994), que a ala extremista defende como último grande trabalho da banda. Coitados.

Aí foi só esperar e esperar e esperar. A recompensa maior encontra-se na minha prateleira neste exato momento: LP do Perfect Symmetry (1989), assinado com dedicatória — o “cheque ao portador” no contexto de quem coleciona discos — e fotos que terei orgulho de mostrar aos meus filhos, se um dia vier a tê-los.