Sim, eles existem. E estão entre nós. Aqui mesmo, no JUDAO.com.br.
Durante algum tempo, preferi me manter publicamente em silêncio. Comentava sobre o assunto apenas com alguns amigos mais próximos. Justamente porque sabia a reação que causava esta revelação toda vez que eu contava para alguém novo. Eis que, então, resolvi sair do armário.
Mas que isso fosse de um jeito leve, divertido... Durante cinco anos, trabalhei numa distribuidora de cinema aqui no Brasil, responsável por trazer filmes gringos para os nossos cinemas. Eu era redator (entre outras funções, mas não vamos entrar neste mérito) da agência que a empresa mantinha internamente. E como redator, eu cuidava dos textos de todos os anúncios publicitários, em todas as plataformas (TV, rádio, revista, jornal, internet). E uma das minhas atribuições também era…
...senhoras e senhores, que rufem os tambores…
...criar os títulos dos filmes em português.
Sim, amiguinhos, existe uma pessoa responsável por este trabalho que vocês tanto adoram tripudiar. E eu era uma destas pessoas. O Borbs e o Renan, chapas das antigas, já sabiam deste meu passado obscuro (hehehe). Então, para forjar este texto, antes joguei esta informação num grupo fechado para todos os outros colaboradores do JUDÃO. E as perguntas que foram surgindo deram origem a este texto, que é uma espécie de entrevista, sei lá. Vamos, então, à sabatina:
1 Os títulos sempre são criados pensando meramente em fatores mercadológicos ou existem profissionais COMPROMETIDOS COM A ZUEIRA infiltrados nessa área de tradução de títulos?
Hahahahahahahahaha. No caso das comédias, é claro que é preciso uma dose cavalar de humor para batizar os filmes. Até porque o que é humor para os americanos, para os ingleses, para os franceses, não é necessariamente humor para os brasileiros. Existe um abismo de diferença. Mas vou fazer agora uma revelação que pode chocar a muitos de vocês – e aos nossos leitores também. Insira aqui a sua vinheta dramática. “TAN, TAN, TAAAAAAANNNN...”. Um filme é um produto, assim como um CD, uma HQ, uma peça de teatro. O fato de ser algo cultural não faz com que deixem de ser produtos. E por isso precisam ser vendidos, dar um mínimo de retorno financeiro para garantir o sustento de quem trabalha com isso. E como acontece com qualquer produto, de desinfetantes a margarina, eles precisam ser batizados de uma forma “vendável”, como parte de uma estratégia de marketing. E esta estratégia leva em consideração o público-alvo e todas as suas principais características. É óbvio que isso vai variar muito de filme para filme, de público para público e, claro, de empresa para empresa.
Cada distribuidora acaba desenvolvendo também os seus critérios muito particulares. Mas o título tem que vender o filme – e isso significa que ele precisa ser vendável não apenas para os malucos por cultura pop como nós, que ficam buscando e recebendo informações sobre cada produção, sobre aquele determinado diretor ou ator, sobre o livro no qual aquele filme foi inspirado. Mas tem que ser vendável também para a pessoa comum, que simplesmente viu o comercial na TV e pensou: “ah, este filme parece legal. Vou ver se rola de assistir no final de semana”. Quando um filme como Thor 2 leva mais de um milhão de espectadores aos cinemas, tenham em mente que os leitores de quadrinhos, os nerds, os geeks e afins são um percentual mínimo deste total. Acreditem em mim. E a maioria são pessoas que estavam em busca de uma boa aventura com efeitos especiais, e “ei, olha só, é com aquele cara do filme dos Vingadores! Stan Lee? Quem é esse? Joias do infinito, Guardiões da Galáxia? Sei lá do que vocês estão falando.... Sacaram a diferença? ;)
2 Alguém obriga vocês a colocarem títulos X e Y? Por exemplo um título bizarro que não tem nexo com o original…
Pode ser que vocês não acreditem em mim, mas na distribuidora na qual eu trabalhava, a primeira opção era sempre manter o título original ou uma tradução literal. Eu garanto, prometo, juro. E era sempre a minha opção nº 1, de uma lista com 20 ou 30 diferentes para que todo o departamento de marketing pudesse votar. Mas acreditem e reflitam, em muitas ocasiões, as traduções literais não fazem sentido. Sério!
Muitas vezes, traduções literais não são a saída que faz mais sentido. Isto porque algumas piadas, tiradas, sacadas simplesmente não cabem no nosso idioma. Lembram de Monster-in-Law, com a Jane Fonda e a Jennifer Lopez? É um ótimo trocadilho com “mother-in-law”, mas não tem forma de levar isso para o português sem perder o charme original. E aí para decidir como fica o nome, num caso como esse, é que entra aquele critério mercadológico que falei mais acima. Pode até ser que A Origem não tenha sido a melhor escolha para a tradução/adaptação de Inception. Mas pense que a distribuidora tinha que levar para o cinema não apenas aqueles que sabiam que o filme era do Nolan, que conheciam sua história e o conceito, mas sim aquela maioria de espectadores eventuais que conhecem o DiCaprio e que viram o pôster no cinema. Isso sem falar que alguns dicionários dão a tradução de “inception” como sendo “princípio, começo”. E aí? Qual seria a saída?
3 Confere a informação de que o título não pode ser totalmente em língua estrangeira, o que obriga com que se crie um subtítulo – geralmente com um trocadilho infeliz?
Isso varia muito de distribuidora para distribuidora. Mas, sim, existem casos em que os departamentos de marketing são absolutamente resistentes a ter um título apenas e tão somente em língua estrangeira. Nem sempre os subtítulos são a melhor pegada, porque algumas vezes eles mais atrapalham do que ajudam, e sei que todos devem ter casos aos montes para citar. O grande problema é que estamos em um país no qual não se fala inglês. A gente pode até falar, mas não representamos a massa, o público médio. E aí que a gente tem que se ater ao fato de que a grande maioria não fala. Pensem neste 1 milhão de pessoas que lotou os cinemas no primeiro final de semana de estreia de Thor e me responda: quantos deles vocês acham que falam inglês? Mas no fim das contas, cabe uma regra básica de que dá pra usar o título em inglês quando ele é sonoro. Matrix, por exemplo, é fácil de falar, mesmo para quem só fala português.
Todo mundo fala no fenômeno da ascensão da classe C, das pessoas que agora podem arcar com mais entretenimento, ter acesso fácil à internet, a TV por assinatura e também a uma ida ao cinema de vez em quando. Vejo recorrentemente as pessoas reclamando de filmes dublados, tanto nos cinemas, quanto nos canais de TV por assinatura. E eu entendo. Mas já trabalhei tanto com cinema e com TV por assinatura e posso garantir que a demanda por filmes e séries dublados é dez vezes maior do que as reclamações. Juro! Não estou exagerando e as pesquisas comprovam. E é por isso que aumentou tanto a demanda por filmes dublados. E a audiência que eles trazem para a TV, e o público que eles levam ao cinema, só provam que isso deve continuar crescendo cada vez mais. É uma tendência, gostemos dela ou não. O tal público Sessão da Tarde é hoje a maioria. E tem poder de consumo para ditar as regras do mercado, simples assim...
4 O apreço por expressões como “muito louco”, “do barulho” e “pra cachorro” é um sinal de que os responsáveis pela tradução dos títulos estudaram na mesma escola de gírias “PRA FRENTEX” em que se formou o redator das chamadas da Sessão da Tarde?
Acho que dá pra responder as duas juntas. Vocês esqueceram ainda do “em apuros”, “numa fria” e “da pesada”. Podem reparar que, nos dias de hoje, vocês vão ver uma diminuição considerável destes termos. Claro, admito, muitos deles foram usados à exaustão, em especial durante as décadas de 80 e 90. Eu mesmo usei bastante, especialmente em filmes lançados diretamente para o mercado de home video – que tinham um foco mercadológico mais escrachado, mais popular, bem menos Monty Python e muito mais Zorra Total, se é que me faço claro. Mas nos últimos anos, a tendência é ver estes termos caírem em desuso. Porque todas as variações possíveis acabaram sendo utilizadas. E aí ficou tudo repetitivo demais. É o caso, por exemplo, da expressão “tira”, que era muito recorrente para se referir a policiais, lembram? Ela apareceu nos estúdios de dublagem, porque era uma palavra pequena que cabia no espaço de tempo de leitura labial da palavra “cop”. Era complicado encaixar o termo policial enquanto o sujeito movia a boca para dizer “cop”. E assim surgiu “tira”. Mas quem diabos chama um policial de tira, sejamos honestos? Caiu em desuso. Creio que o mesmo vá acontecer com os outros termos. São como piadas velhas que foram perdendo a graça.
5 Por favor, explique Se Beber, Não Case e Sobre Meninos e Lobos. Como Hot Tub Time Machine virou A Ressaca?
Não consigo explicar Se Beber, Não Case, perdão. Agora, por mais que A Ressaca não seja a solução mais fantástica, venhamos e convenhamos, A Máquina do Tempo na Banheira tem potencial zero de venda. E não, eu não estou dizendo aqui que as distribuidoras acertam sempre, porque na verdade, existem cagadas aos montes acontecendo, é claro. Mas é preciso tentar compreender esse fator mercadológico antes de apenas criticar a “não tradução literal”. Por exemplo, vocês podem ter odiado, mas eu achei Uma Família do Bagulho uma tirada divertidíssima, e que vende muito mais a ideia do que Nós Somos os Millers. Agora, a respeito de Sobre Meninos e Lobos, vamos esquecer o fato de que traduzir Mystic River ao pé da letra seria surreal. Então a escolha foi usar o título do livro no qual o filme é baseado. Perfeito!
Mas é bom que se explique que esta é uma regra que nem todo mundo segue. Justamente pensando no aspecto mercadológico, existem distribuidoras que optam por não usar o título do livro se ele for pequeno, nichado ou pouco conhecido no Brasil. O mesmo vale para HQs, séries de TV e etc. É uma posição discutível mas que, se você levar em consideração que um filme é um produto, faz muito sentido. Acreditem, a decisão é BEM mais complicada do que se imagina. Vou dar um exemplo recente, que andou causando muita polêmica nas redes sociais: o nome do novo filme do Seth McFarlane, A Million Ways To Die in The West, que aqui no Brasil virou Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola. Agora, sem querer parecer do contra e sem entrar no mérito se o título ficou bom ou não, veja: eu JAMAIS aprovaria a tradução literal, Milhões de Maneiras de Morrer no Oeste. Não tem qualquer apelo no mercado nacional, que – não se esqueça – é formado por 98% de pessoas que simplesmente não sabem quem diabos é o Seth McFarlane e, portanto, jamais veriam neste nome uma motivação para ver o longa. Filmes são para um público mais amplo do que especialistas em cinema, nerds e afins. E o título, pra vender este espírito de comédia, precisa ser mais engraçadinho mesmo. E, mais uma vez repito, não estou dizendo que gosto do título. Ou mesmo que concordo. Mas isso é marketing, meus velhos. E antes que alguém diga o contrário: sim, funciona. Eu estive neste mercado por cinco anos e vi inúmeros casos. Sad, but true.
Aliás, sejamos realistas, sad não, only different. ;)