Em entrevistas pra divulgar a nova continuação da clássica história do Batman, o quadrinista diz que tudo está “nas mãos do Brian Azzarello”. MAS…?
Digamos que a produção, divulgação e lançamento de Dark Knight III: The Master Race está sendo bem polêmica, em diversos sentidos — da existência às artes. A mais recente tem relação com o envolvimento OU NÃO de Frank Miller com a HQ, apesar do que diz o material de divulgação da DC Comics.
Tudo começou porque a editora botou a máquina de RP pra rodar, afinal a primeira edição sai daqui uma semana – no dia 25 de novembro. Foram diversas entrevistas da equipe criativa pra diversos sites gringos que cobrem quadrinhos, e as declarações polêmicas surgiram no papo com o Newsarama.
“O que está rolando agora [em DKIII] é muito mais a visão do Brian [Azzarello]. Mas eu tenho visto o que ele está fazendo, e eu acho que é maravilhoso”, disse o próprio Frank Miller. Em outro ponto da entrevista, perguntaram sobre o a ideia do Miller fazer uma trilogia do Cavaleiro das Trevas. “Está nas mãos do Brian Azzarello agora, e eu aplaudo totalmente o que ele está fazendo. Mas agora que ele está fazendo a dele, é uma série de quatro partes. E eu vou fazer a quarta”.
Sim, Frank Miller confirmou que teremos um Cavaleiro das Trevas QUATRO. Mas, hey, esse não é o assunto aqui. O importante é que Miller está deixando claro que ele apenas acompanhou o processo criativo do Azzarello – algo enfatizado pelo abre da entrevista, no qual o site afirma que “Miller indicou que ele estava ciente da história do Azzarello, e ele enfatiza que apoiou isso”.
Alguns sites – o The Outhousers e, de forma mais branda, o Bleeding Cool, por exemplo – atacaram a atitude. Tudo porque, nas solicitações, Miller e Azzarello aparecem como co-roteiristas. Mas, será que a DC mentiu?
Não necessariamente. O anuncio de DKIII foi durante a C2E2, em abril. Na época, o próprio Azzarello aproveitou um dos painéis do evento pra anunciar a HQ, falando que “nos últimos seis meses, eu tenho trabalhado com o Frank Miller pra trazer ao mundo o próximo capítulo de Cavaleiro das Trevas. Tem sido aflitivo. Eu tenho aprendido muito e eu o chamo de sensei. É realmente um projeto bem, bem grande”.
Na mesma data, Miller mandou no Twitter que “eu espero que meu silêncio seja ensurdecedor”, junto coma primeira arte de DKIII. A frase tinha dois grandes significados: por ele nunca ter falado antes que essa história estava em produção, e por estar DOIS ANOS E MEIO sem tuitar.
Pelo pouco que sabemos hoje, não foram dois anos e meio fáceis. Miller ficou longe dos holofotes desde 2011, quando lançou sua última história longa, Holy Terror. Até hoje não se sabe, oficialmente, o que o quadrinista teve, mas ele só voltou a aparecer publicamente na San Diego Comic-Con do ano passado pra divulgar Sin City: A Dama Fatal — e estava com a saúde visivelmente debilitada.
Não foi muito depois disso que Azzarello e Miller começaram a conversar sobre ideias relacionadas à Dark Knight III. Nesse cenário, faz sentido que o primeiro tenha apresentado mais as ideias e botado a mão na massa, enquanto o segundo foi mais mesmo como um sensei, um guia naquele universo criado nos anos 80, com os “dos and don’ts”, como dizem os gringos. Algo na linha “O meu Batman nunca faria isso” ou “sempre quis dar ESSE foco pro personagem numa terceira parte”, “acho que a fala aqui tem que ser essa”, e por aí vai.
Isso é confirmado por uma outra entrevista, do Azzarello ao Newsarama, publicada em outubro. Naquela vez, Brian comentou que o título Master Race foi ideia do próprio Miller, por exemplo, mostrando o quanto o conceito de toda a história é dele. Isso fora o fato dele ter dado outras entrevistas antes, revelando não só um conhecimento, mas um APODERAMENTO das ideias da HQ.
Naquele contexto, de saúde debilitada e da DC querendo continuar a história do Cavaleiro das Trevas, essa parceria, dessa forma, fazia sentido. Sim, a editora tem uma participação relevante – e não se pode culpá-la. Estamos falando de uma empresa, que sabe que a continuação de uma HQ tão famosa pode ser importantíssima nessa briga por leitores e vendas contra a Marvel. É, de certa forma, algo que foi feito com Antes de Watchmen.
O Frank Miller, diferente do Alan Moore, topou fazer parte do projeto – que iria rolar de qualquer jeito, cá entre nós. Naquela situação de saúde, de momento e tudo mais, foi a escolha mais sábia. Até pra manter a cabeça ainda em funcionamento, fora dessa rotina de médico, hospital, tratamento e tudo mais, que consome a vida de qualquer um que tem uma doença grave.
Miller está melhor agora, a partir do que se viu na última New York Comic Con. Mais corado, mais pelos no rosto. Seja lá qual for a doença que ele teve, parece que a batalha está sendo vencida. Tanto é que o próprio quadrinista já disse que quer fazer uma nova história de Sin City, e que também quer transformar aquela ideia original que tinha pra terceira parte de Cavaleiro das Trevas numa QUARTA parte. Não há nada errado aí.
(E a prometida continuação de 300, pelo jeito, foi pro saco.)
Tá, você pode cismar com o fato da DC colocar então os dois como ESCRITORES (numa tradução mais correta e literal) da edição. Mas, isso tá errado? Não necessariamente.
Normalmente, existem dois tipos de crédito pra quem escreve uma edição. Pode ser dividido em “story” (história ou argumento) e “script” (roteiro), mas isso só faz sentido quando o trabalho entre os dois co-autores é dividido dessa forma. Quando não rola assim, os dois (ou mais) autores são os escritores. Pronto. Pelas declarações, não dá pra acreditar que o Frank Miller tenha fornecido um argumento. Ele opinou na história do Azzarello, então é co-escritor.
E não importa se Miller se meteu em 10%, 15% de toda a história, ou só ditou umas coisas enquanto o outro escrevia. Ele é co-autor, suas sugestões possuem peso em tudo aquilo, além do fato dele ter criado aquele universo, o contexto daqueles personagens. É um conceito de co-autoria que, por exemplo, usamos aqui no JUDÃO: diversos textos nossos tem dois ou até três autores, não importando exatamente o quanto cada um colaborou no texto final, mas sim que colaborou.
Outro exemplo, esse da própria indústria do entretenimento, vem dos filmes. O remake de RoboCop, aquele lançado no ano passado, colocou nos créditos os co-roteiristas da versão original, dos anos 80. Edward Neumeier, um dos escritores originais, comentou em entrevista ao The Dissolver na época que nem tinha conhecido o responsável pelo verdadeiro roteiro do remake, Joshua Zetumer. Tudo porque o Sindicato dos Roteiristas achou que deveria ser assim, pelo fato das duas histórias serem parecidas.
Ou ainda podemos citar o fato de todas as HQs, filmes e séries do Batman terem até hoje crédito pro Bob Kane (e, agora, pro Bill Finger) como criador do personagem, algo iniciado por obrigações contratuais, mas que tá lá.
Obviamente, o motivo PRINCIPAL pra tudo isso é que ter Frank Miller envolvido com a terceira parte da obra-prima do Batman vende. Muito. Tanto é que, quando rolou um comunicado pra anunciar o lançamento, lá em abril, o destaque era que Frank Miller estava voltando a escrever o Batman, junto com o Azzarello. E ninguém tá mentindo, no final das contas. O que teve foi mais um destaque pra um nome do que pro outro, por motivos óbvios — e tava muito longe do lançamento pra saber qual visão iria prevalecer.
Porém, se você olhar AGORA no site da DC, vai ver que Dark Knight III: Master Race #1 foi escrito por Brian Azzarello e Frank Miller, exatamente nessa ordem. Na capa tá o inverso, claramente na sequência mais COMERCIAL da coisa — mas, se há algum erro na história toda, talvez seja justamente nisso, nessa ordem de nomes na capa.
O fato é que Brian Azzarello é um ótimo roteirista. Ele tem quase a mesma idade do Miller e uma experiência incrível, sendo autor de 100 Balas e da atual versão pós-reboot da Mulher-Maravilha, fora grandes passagens por Hellblazer e Batman. Não perdemos ou adiamos uma terceira parte de Cavaleiro das Trevas, na verdade ganhamos uma parte a mais feita quase que por um dream team do roteiro. E, se você levar em consideração o resultado de Holy Terror (que era pra ter sido, originalmente, uma HQ do Batman) talvez tenha sido melhor assim.
Se tem algo que preocupa, nessa história toda, não é o quanto Frank Miller se envolveu no roteiro, mas o resultado da arte da dupla Andy Kubert e Klaus Janson. Pelo preview divulgado pra DC, parece tradicional ao extremo, comparando com o estilo do Frank Miller.
Mas isso é papo pra outra hora...
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