Não ficou feliz? Assiste tudo de novo.
Daí, em 2005, uma emissora de TV a cabo (!) que eu nem sei se ainda existe, chamada People&Arts, anunciou que ia começar a transmitir um seriado de sci-fi. Lembro que nem me animei muito, mas sci-fi, bora ver.
Logo no início do primeiro episódio, tudo que eu pensava era na falta de verba dos caras, mas outras coisas começaram a chamar a atenção. Primeiro que o herói não apenas era um alienígena como não era gatinho; na verdade era um ator bem sério que eu gostava bastante porque tinha participado de Cova Rasa, com Ewan McGregor.
Segundo que coadjuvante era uma moça bonita, mas não era modelete. E a personagem que ela interpretava era uma garota normal, dura, que trabalhava num shopping, quase uma chav (tribo urbana londrina que era encontrada geralmente em bairros menos privilegiados, tipo a Kelly de Misfits), com reações bem “gente como a gente”.
E o mais importante: o personagem principal, o tal alienígena, agia de maneira... alienígena!
No episódio seguinte eu já estava amando a série e alguns outros depois, quando testemunhei a minha primeira regeneração e o 10th, de pijama, berrou: “I Don’t Knooooow” eu já sabia que seria eternamente uma das minhas séries favoritas.
Eu sei, não importa qual seu primeiro Doctor, provavelmente foi como no meu caso: começou duvidando das “mambembices visuais” e, quando menos esperava, estava tentando convencer amigos e familiares a assistir ao show enquanto tentava explicar que começava no nono Doctor mas que a pessoa podia ver dali e voltar depois pra ver a clássica caso gostasse, não é?
Desde a primeira temporada do 9th, de maneira fluida e tranquila, diversidade racial, cultural, de gênero, sempre estiveram presentes. Inclusive nos spin-offs! Torchwood tem personagens que evitam estereótipos, rola beijo entre pessoas do mesmo sexo sem problemas; em The Sarah Jane Adventures (se não viu, deveria ver, é para crianças, mas é um baratinho), a turminha toda é bem diversa, tem adoção, tem mãe solteira aprendendo a lidar com a maternidade enquanto equilibra a vida, tem, entre os principais personagens e em cargos de comando, negros e indianos (lembre-se, estamos falando da Inglaterra). Em Class então, coisa linda, tem o casal mais shippável ever: Charlie e Matteusz! E tem amizade entre cara e garota, tem mulher guerreira fodona, tem acima de tudo e em qualquer uma delas, amor.
E não pense que é de agora: na série clássica você vai encontrar coisas bem legais! Pra citar algumas, vi boa parte do primeiro Doctor, tudo do 4th e alguns do 7th: tem Sarah Jane, uma das companions mais queridas dos whovians, dando aula de feminismo pra princesa alienígena; tem guerreira pré-histórica fodona e inteligente (Leela, uma das minhas companions favoritas); tem time lady infinitamente mais esperta que o Doctor – te amo, Romana! -, tem críticas políticas bem claras contra o que estava sendo feito com a população mais pobre pelo governo Thatcher, período em que eram transmitidos os episódios do 7th.
Impossível não lembrar também de Jack Harkness, o pansexual mais gato do tempo e espaço, flertando até com maçanetas; ou de Martha Jones, mulher, negra e estudante de medicina (hell yeah, garotas gostam de ciência); Madame Vastra e Jenny, casalzinho fofo de garotas (bom, uma delas é um lagarto, mas… cê entendeu); e a Bill, pra sempre em nossos dois corações <3!
Lindo, né? Só faltava uma coisa: isso acontecer também com aquela criatura maravilhosa que protagoniza a série. Exato! Com o Doctor propriamente dito. E eles corrigiram isso! Nesse final de semana, anunciaram finalmente que na próxima regeneração, Doctor será mulher... e que mulher, sociedade!
Jodie Whittaker é uma atriz fodíssima que conseguiu deixar meus dois corações absolutamente destruídos em sua interpretação de uma mãe cujo filho foi assassinado, em Broadchurch, e conseguiu me fazer vibrar, gargalhar e bater palminha pra tevê quando fez a médica de Attack the Block (que se você não viu, dê um jeito de ver! Pra ontem!), só pra citar dois dos trabalhos dela.
Se você me acompanha em alguma rede social sabe que eu pirei, comemorei, fiz dancinha da vitória! E provavelmente você também! Porque a ideia de uma mulher ser o Doctor já tinha sido sugerida desde os anos 80.
Ainda que não seja a primeira vez que uma mulher protagoniza uma série de sci-fi (Janeway says hi e deseja vida longa e próspera o/), é importante, é lindo, necessário. Finalmente, garotas também vão se enxergar ali. E quando digo garotas, tô falando de qualquer idade, porque conheço fãs de Doctor Who que têm 6 anos até mulheres mais velhas que eu, e olha que eu já tenho uns 969. :P
Mas veja bem, podemos e devemos comemorar e ficarmos felizes porque, como eu disse antes, essa mudança era necessária e é linda. Só não é, ainda, revolucionário — que seria chutar a porta com os dois pés e colocar uma Doctor, ou Doutora, se você preferir usar o nome em português, indiana e lésbica, por exemplo. Mas é um primeiro passo e certamente, eu e você estaremos acompanhando os próximos. :)
“Future is female”. Cê pode vir e participar da festa ou ficar aí, parado no tempo.
Espero que, como eu, você esteja feliz e mal conseguindo sobreviver à vontade de que o Especial de Natal e os novos episódios cheguem logo. Mas se não é o caso, se você não ficou feliz, tente rever o que assistiu até agora de Doctor Who. Mas reveja com a cabeça bem aberta, tendo em mente que ficção científica, na maioria das vezes, é usada para que os autores, enquanto nos divertem, possam levantar reflexões e críticas à sociedade na qual vivemos. Daí, depois de rever, tente entender por que algo tão simples e verdadeiro, o fato de que alguém possa ser fodão não importando se é homem ou mulher, poderia te incomodar. Você pode se surpreender e perceber que apenas nunca tinha pensado nisso e tinha aceitado o que foi feito antes sem questionar. E, finalmente, perceber que uma mudança dessas, na verdade, não te incomoda, porque não tem sentido incomodar.
É aquela coisa... Future is female. Cê pode vir e participar da festa ou ficar aí, parado no tempo. Mas eu tenho esperança, porque se tem uma coisa que fã de Doctor Who não aceita, é ficar parado no tempo.
Então, VEM.
Germana Viana é uma recifense radicada em São Paulo. Ela é responsável pelas séries de quadrinhos Lizzie Bordello e As Piratas do Espaço, POV – Point of View e As Empoderadas – esta última, indicada esta semana ao prêmio HQMix. E, nem precisamos dizer, ela também é whovian de carteirinha. ;)