Preparando terreno pra pancadaria tamanho família com o King Kong, o retorno do lagartão faz jus ao seu legado de destruição… mas ainda precisa melhorar MUITO no quesito “coadjuvantes humanos”
Eu já disse algumas vezes aqui, mas não custa repetir: eu adoro filmes com coisas gigantes. Sei lá, robôs gigantes, guerreiros que ficam gigantes, animais gigantes, monstros gigantes... Sério, nem precisa ser uma superprodução com o fino trato dos efeitos especiais: mete uma cidade de papelão, umas montanhas de espuma e umas roupas acolchoadas que eu já tô vendo amarradão, tipo era a minha relação com um Spectreman da vida.
O preâmbulo serve pra reforçar o quanto gosto do Godzilla, este improvável herói (?) escamoso e desengonçado cujo bafo atômico pode dizimar uma metrópole inteira. Vi o filme de 2014, aquele produzido ANTES de sabermos que ia rolar um universo compartilhado com o King Kong, e gostei bem...de uma parte dele, preciso confessar aí. Me incomodou o fato de que tinha historinha de soldado demais e Godzilla de menos. E neste ponto, rapaz, vamos aí, esta continuação que veio cinco anos depois, Godzilla II: Rei dos Monstros, acerta brilhantemente.
Tamos diante de um daqueles espetáculos que só o bom cinemão pop pode nos dar. O Rei Lagarto está, pasmem com esta afirmação, com um visual mais incrível, mais ~carismático do que na película anterior, com uma “expressão facial” que é possível ler sem dúvidas e é natural que você fique torcendo por ele quando a criatura parte pra cima do dragão de três cabeças conhecido como Ghidorah e lhe aplica um bom par de sopapos, rabadas e mordidas. Gojira é, desde o começo, o herói da porra toda. As lutas são gloriosas, devastadoras, do tipo que você PRECISA ver numa telona de cinema enorme, gigantesca. Quanto maior, melhor.
Você ama o Godzilla, você odeia o Ghidorah, você fica querendo que o Rodan deixe de ser bundão, você fica apaixonado pela Mothra e quer levar a dita cuja pra casa. Tudo isso ajuda a construir de maneira magnífica este segundo Godzilla como um FILME-EVENTO. Muito legal, efeitos especiais desbundantes, som trepidante, fotografia que te deixa tenso.
A pena é que isso, sozinho, este combo de acertos, não é o bastante pra que estejamos diante de um PUTA filme, daqueles do verbo cinema. Aliás, tá bom, não que a gente estivesse lá esperando a história mais complexa do mundo, mas o fiapinho de trama que deveria ser minimamente uma amarração entre as aparições dos monstrengos é tão frágil e sem graça que você se pega DE NOVO torcendo pra pularem aquelas partes.
Tem algo de muito errado quando isso acontece, né?
Basicamente, a gente tem DUAS tramas rodando em paralelo aqui e que, de alguma forma, se costuram. A primeira envolve o drama familiar dos Russell, que perderam o filho em São Francisco durante os eventos do filme anterior e agora estão tentando reconstruir a vida, sendo que os dois têm algum tipo de envolvimento com a caçada aos monstros.
Millie Bobby Brown está bem OK como a filhota que restou, Madison, mas faltou darem pra ela um pouco mais de espaço pra se soltar — como acaba acontecendo apenas na reta final do filme, onde ela brilha sem precisar de ajuda em tela. E de resto, bem cá entre nós, quando uma determinada virada na trama acontece, é inevitável que você escolha um lado entre os dois pais da garota, Mark (Kyle Chandler) e Emma (Vera Farmiga).
Tem um deles que não dá pra defender mesmo, você pega ódio de verdade, “essa porra é genocídio, vai se foder”, é o que você pensa... e quando a história então demanda uma certa sutileza, um momento “fulano fez uma cagada, porém”, uma empatia do tipo “não julgue, o que você faria se estivesse nesta posição?”, você não tem o menor espírito de assumir este papel. Alguém acaba demonizado, aqui com razão, mas quando é preciso voltar atrás e sentir algo, o público não se sente cativado.
E aí, obviamente, temos toda a subtrama envolvendo a organização hoje já não mais tão secreta assim chamada Monarch, aquela responsável por descobrir estas gigantescas criaturas que foram tratadas como deuses por nossos ancestrais e outrora dominaram a Terra. Tudo é contado de um jeito tão rápido, apressado e óbvio que, em certo momento, você se pega pensando “ah, tudo bem, isso é só uma justificativa para o confronto entre o Godzilla e o King Kong mesmo”. E tanto o macacão quanto a Ilha da Caveira, aquela mesma que foi cenário daquele divino pipocão de 2017, são mencionados verbalmente uma dezena de vezes ao longo da trama, meio como se o roteiro precisasse esfregar na sua cara e literalmente DESENHAR que tem esta treta aí a caminho.
Aí, meu amigo, minha amiga, vejam só. Por mais divertidas que sejam as sequências de embates entre os chamados Titãs, e elas são MESMO, aí fica bem faltando algo. Fica um vácuo de substância, além da forma. De novo: não que a gente estivesse esperando alguém recitando Shakespeare nas LACUNAS entre batalhas (o que, vamos admitir, talvez fosse uma ideia MUITO divertida pra ser desperdiçada assim). Mas dava pra imprimir um pouco mais de graça nos heróis e principalmente no antagonista humano, o ecoterrorista Jonah Alan, vivido pelo sempre vilanesco Charles Dance, que não consegue botar medo em ninguém aqui.
Se o diretor/roteirista Michael Dougherty tivesse se permitido explorar, talvez, uma pegada mais aventura, tipo o que rolou com o Kong, e menos dramas humanos sofriiiiiiiidos da vida real (mas que de reais não têm nada), sacrifícios forçados heroicos pelo bem maior, teorias da conspiração que ninguém duvida que são verdade, ou qualquer porra assim, então ele provavelmente teria acertado mais na missão de dar suporte ao Godzilla chutando traseiros em toda a sua gloriosa capacidade de destruição em massa.
Pode ser apenas diversão? Claro que pode. Tem vezes em que até DEVE, saca? Só não dá pra esquecer de que você está fazendo cinema, uma produção que deve ter vida própria, e não apenas e tão somente significar uma plataforma de lançamento para um universo cinematográfico compartilhado. A gente BEM que achou que a WB tinha aprendido a dura lição com os filmes da DC, né?
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