Ou quase isso – pelo menos, é o que observa o roteirista Etan Cohen, ao dar uma boa olhada num certo candidato à presidência dos EUA…
O ano era 2006. A Fox lançaria nos cinemas Idiocracia, filme dirigido por Mike Judge (criador da dupla Beavis & Butt-Head) – mas digamos que tudo indica que o lançamento nos cinemas, em apenas 130 salas ao invés do tradicional número mínimo de 600, foi meio que uma obrigação contratual para o estúdio. A ideia, segundo consta, era mandá-lo diretamente para DVD, mas não deu. Apenas alguns poucos jornalistas tiveram a chance de ver a comédia, que não chegou a ser exibida oficialmente para a imprensa (o que nunca é um bom sinal, diga-se).
A trama, que mostra um cara (Luke Wilson) participando de um projeto secreto de hibernação e acordando 500 anos no futuro, retrata não apenas uma distopia, como também uma sociedade na qual a publicidade domina e existe um verdadeiro culto ao anti-intelectualismo. Resumidamente, todo mundo é incentivado a ser meio burro mesmo, apenas consumir e nunca se informar. O resultado é que o personagem de Luke, um cara comum e tranquilão, rapidamente pode ser classificado como o cara mais inteligente do mundo em uma nação de imbecis declarados.
De acordo com um artigo do New York Times, parte da má vontade da Fox com o filme se deveria ao retrato pouco elogioso que a produção faz de anunciantes como Starbucks e Fuddruckers, além das sacanagens com a própria Fox News, mas os poucos críticos que puderam ver o filme gostaram do seu tom. “Como acontece com os grandes filmes de ficção científica, Idiocracia usa um futuro fantástico para criticar um presente no qual Paris Hilton é infinitamente mais famosa do que qualquer indicado ao prêmio Nobel”, diz a resenha do AV Club, publicada na época da estreia. “Boas sátiras sempre correm o risco de ser subestimadas”.
E aí que, uma década depois, o roteirista do filme, Etan Cohen, observa Idiocracia não apenas como uma boa sátira, mas sim como um estranho reflexo do futuro que se desenha durante a corrida presidencial nos EUA. No filme, o presidente é ninguém menos do que Dwayne Elizondo Mountain Dew Herbert Camacho, um ex-campeão de wrestling vivido por Terry Crews. E, desde as primárias, Cohen vinha se divertindo encontrando similaridades entre Donald Trump e Camacho. “No começo, sabe, era um lance meio ‘ah, a presidência está se tornando algo que é puro entretenimento’, entende?”, disse ele, em entrevista ao Buzzfeed News. “Mas aí as semelhanças começaram a ficar específicas demais, ultrapassando a coisa de que Camacho e Trump têm relações com o WWE”.
E que ambos são tarados por armas. E que ambos usam uma peruca ridícula.
Segundo o roteirista, tanto ele quanto Judge sempre acreditaram que Idiocracia tivesse sua dose de verdade, mas que demoraria pra chegar neste ponto. “Fizemos uma sátira sobre a obsessão americana com as celebridades e a cultura do entretenimento da América. Claro que, quando eu escrevi o filme, sabíamos que era um cenário bastante verdadeiro no que dizia respeito à televisão e à cultura pop”, explica. “Mas não passava de uma piada pensar que isso poderia ser extrapolado para a política. Está acontecendo rápido demais”.
Em Idiocracia, os EUA sob a liderança de Camacho têm os campos de cultivo devidamente regados com um líquido que se parece com Gatorade, enquanto as opções de sentença para os criminosos incluem “morte por uma broca gigante em um estádio cheio de espectadores”. Exageros à parte, digamos que não é algo lá muito distante da realidade de um cara que prometeu construir um muro gigantesco para separar os EUA e o México. “Ambos parecem ter a intenção de destruir o mundo. Mas talvez Camacho o faça de maneira mais acidental, digamos”, arrisca Cohen.
Em fevereiro, o roteirista soltou esta no Twitter: “Eu não esperava que Idiocracia fosse se tornar um documentário”. A citação virou manchete, Cohen ganhou muito mais RTs do que imaginava e a internet, sempre ela, iniciou um movimento para reclassificar o filme de ‘comédia’ para ‘documentário’. Inicialmente, o sujeito não esperava que o comentário, em tom de desabafo pelas declarações do candidato republicano à Casa Branca, fosse se tornar tão popular. “Nem achei que alguém fosse ver aquilo. Mas foi interessante, surpreendente até, ver que eu toquei num ponto que muita gente vinha percebendo até então”.
Exatamente por isso, Cohen passou a mão no telefone, ligou pro amigo Judge e ambos decidiram aproveitar o momento para produzir algumas peças de campanha para Camacho, com o objetivo de satirizar e criticar Trump. Vale lembrar que, em 2012, em plena campanha na qual Barack Obama lutava pela reeleição contra Mitt Romney, Judge e Crews trouxeram Camacho de volta para uma série de vídeos no Funny or Die, todos com cara de discurso presidencial.
“E todas estas guerras lá no Oriente Médio? Quem se importa com o Oriente Médio? Eu nem sei onde fica o Oriente Médio!”, diz Camacho, em um dos vídeos. “Quando eu for presidente, eu vou atrás é do México”. Olha...
No momento, roteirista e diretor esperam apenas que a Fox resolva a questão dos direitos de imagem para liberar Terry Crews a voltar ao papel (“Afinal, existe apenas um Camacho e é ele”). Ao longo do processo, no entanto, eles chegaram a sentir que talvez fosse difícil satirizar Trump porque, afinal, ele já é ultrajante e revoltante o bastante para ser uma sátira de si mesmo. “Se a gente pensasse em fazer um Idiocracia 2 e tentasse escrever qualquer que fosse o personagem que pudesse ser um herdeiro para o Camacho, bastaria olhar para o Trump e perceber o quão ridículo isso ficaria num filme”.
No entanto, Cohen seguiu em frente porque achou que estes vídeos são muito importantes. “É para isso que as sátiras são feitas. Para segurar um espelho na frente das nossas caras e dizer ‘isso é loucura’. Idiocracia era assim mas, subitamente, tudo que está rolando me soou como um chamado imediato para o verdadeiro significado da sátira e o que ela pode fazer por nós”.
O roteirista lembra ainda que votaria sem pensar em Camacho numa disputa contra Trump – e que o maior contraste entre eles é que o personagem vivido por Crews pelo menos sabe que não é o cara mais esperto do mundo e entende que precisa ouvir conselhos de outras pessoas. “Ah, sim, e o Camacho não é racista”.