Um intensivão para artistas independentes com o Professor Kiko | JUDAO.com.br

O guitarrista brasileiro, que tá brilhando lá fora no Megadeth, cria um curso online sobre o mercado musical, pra ensinar a galera a entender sua profissão como um negócio de verdade

Pedro Henrique Loureiro ganhou a primeira guitarra aos 12 anos de idade e, aos 16, lá foi ele estudar profissionalmente o instrumento. Chegou a fazer faculdade de Biologia, mas largou tudo para se dedicar ao mundo da música e, aos 19, foi convidado para fazer parte de uma banda com outros garotos-prodígio, que tinha tudo para dar certo, como tantas outras cheias de potencial e poucas oportunidades. A diferença é que esta deu certo MESMO: e então o jovem, que atende pelo apelido de Kiko, tornou-se conhecido ao lado dos amigos do Angra. Virou sinônimo de guitar hero no Brasil e em boa parte do mundo (principalmente no Japão). Mas há cerca de dois anos, sua carreira deu uma nova reviravolta e o cara foi parar no Megadeth, um dos titãs do thrash metal, ao lado do talentoso e explosivo Dave Mustaine.

Hoje, aos 44 anos, Kiko Loureiro tem o passaporte bastante carimbado: embora more em Los Angeles, vez por outra atravessa o oceano e vai passar frio na Finlândia, terra natal da esposa. Ainda que já esteja, como acontece com 99% dos músicos que já passaram pelo Megadeth, cotado no bolão de futuras demissões de Mustaine (“Sei das possibilidades, eu sou bem consciente. E pra mim, tá tranquilo. Eu sei que as coisas têm validade”, diz), ele está aproveitando o momento mais do que nunca. Gravou um dos melhores discos da banda na última década, o elogiado Dystopia, além de ter a chance de atravessar o tapete vermelho e subir ao palco com os caras para levar pra casa o primeiro Grammy da história da banda, que já tinha sido indicada outras 11 vezes.

Justamente neste momento bastante corrido da carreira, em que tem a oportunidade de surfar numa camada do mainstream na qual nem o Angra tinha conseguido chegar ainda, Kiko aproveita para olhar para o seu próprio passado. “Quando eu era mais novo, eu tive muita dúvida de que ser músico seria de fato uma profissão. Música é eu tocar guitarra no meu quarto, é eu fazer um show no barzinho com os meus amigos...”, diz ele, em entrevista pro JUDÃO. “Mas e quando você deixa de fazer a faculdade pra se dedicar à música, putz, aí dá um medo, né? E aí, depois? Será que eu vou crescer, vou ter família, consigo tudo isso sendo músico?”. Ele mesmo dá a resposta (que, caso você tenha dúvidas, é SIM) no seu novo projeto, a série de vídeos Passando o Som, disponível gratuitamente em seu canal no YouTube.

Mas não pense que estes são tutoriais de guitarra – na verdade, é um lance BEM diferente. Trata-se de um curso para ajudar músicos independentes a darem um incremento em sua carreira, profissionalizando-se e seguindo em frente por conta própria. “Eu vejo que os músicos não têm muito conhecimento de como funciona o mercado, de como é o ecossistema da música, quem é quem, quem eles têm que procurar, que contato precisam fazer”, explica. “Meu curso é pra quebrar este estigma de que se o cara fizer sozinho, se for independente, não vai dar certo. Você tem que levar a sua carreira a sério, tem que se entender como um empreendedor. Saber que ferramentas um cara que começa uma pequena empresa tem, que ele usa, e que você teria que usar pra cuidar da sua banda”.

O guitarrista diz que é preciso ter em mente que, oi gente, estamos em 2017 e, com a internet e a digitalização de, bom, praticamente TUDO na vida, qualquer um tem todos os caminhos pra fazer acontecer, da gravação ao gerenciamento das finanças. “Você não depende de ninguém te achar, daquele empresário, daquela gravadora te encontrar e te levar pro estrelato. Os músicos independentes tão aí no mesmo nível de qualquer cara que tenha contrato com uma grande gravadora. Então, por que você teria medo?”.

Parte do conteúdo de Passando o Som aborda temas como os modelos de contratos com quem te chama pra tocar em bares ou casas de shows, como você recolhe direito autoral, quais são os tipos de direitos que existem no mercado, como negociar patrocínios, como registrar as suas músicas autorais. “Não precisa ser advogado pra esmiuçar aquilo tudo e saber do que se trata. É tudo seu, é o seu trabalho, você tem que sacar”, afirma. “Marketing, social media, assessoria de imprensa. A gente tem que saber de tudo um pouco. Quanto mais o músico entender o que está ao redor dele, mais ele vai acreditar que é possível”.

Kiko lembra que existe uma crença, um romantismo no mundo da música, que é muito forte. “É claro que você começa a tocar porque você ama aquilo, você curte tocar com os amigos, a parte lúdica. Tem que se divertir, tem que ter tesão”, ressalta. “Claro que você tem que se dedicar ao seu instrumento, à arte, à música. A se desenvolver artisticamente. Se você for guitarrista de uma banda, se for professor de música, se for especialista de produtos e quer trabalhar desenvolvendo equipamentos, se for compor pra filmes, tanto faz”. Mas isso tem que virar fonte de renda de alguma forma, pra compensar o tempo que você dedica a isso, né? “Ou então você vai acabar procurando outra profissão, pra pagar as suas contas. Ninguém vai acreditar em você se você leva aquilo apenas como um hobby, do tipo que você ensaia no sábado à tarde e deu”.

Ele relembra ainda que continua sendo um trabalho artístico pensar num conceito pra sua banda (“como ela se diferencia das outras, o que ela faz que nenhuma outra faz igual?”), planejar os detalhes do seu vídeo pra colocar no YouTube, entender como negociar com as plataformas de streaming, fazer relacionamento com as pessoas que tão ouvindo o seu som nas redes sociais. “Ainda é uma coisa legal, você ainda tá lidando com música, de uma forma ou de outra”. Só que aí, gente de humanas, existe aquele OUTRO lado. Os temidos números. A sofrência envolvendo (insira aqui a sua música de filme de terror) as planilhas de Excel. PAM-PAM-PAAAAAAAAAAAM.

“Um músico contratado por uma grande gravadora, ele tem quem faça isso tudo por ele e aí se foca só em ficar tocando”, ressalta Kiko. “Mas no caso dos independentes, vai ter uma hora que você talvez tenha que entrar numa parte mais burocrática, que talvez seja mais chata. E você vai ter que botar na cabeça que precisa entender, porque faz parte da sua profissão. Você tem que ter este controle dos números”. O guitarrista diz que, conforme você faz isso, com o passar dos anos, começa a sacar certas coisas. Do tipo “Ôpa, a casa tá cheia de gente aqui, como é que não tem dinheiro nenhum pra gente? Cadê esta grana?”. É preciso ter o olhar apurado até pra não ser enganado. “Ou alguém gastou a grana ou alguém ficou com a grana. Não pode ter medo, entrar nesta de ‘ai, isso não é pra mim, eu preciso de um empresário pra fazer isso’. Este cara não vai aparecer na sua vida. Já não tinha este cara, esta figura, 20 anos atrás. Hoje em dia então..”.

Kiko Loureiro fala com total propriedade neste quesito – já que a separação da formação clássica do Angra, na metade do ano 2000, se deu justamente por divergências financeiras e contratuais envolvendo o empresário do grupo na época. Detalhes da treta são mantidos em segredo até hoje, mas é fato que faltava maturidade para que um bando de moleques entendesse e discutisse as letrinhas miúdas. “Quanto mais você entender, mais você fica à vontade pra fazer a outra parte, que é a legal. As pessoas vão ficando com medo de entender este outro lado, não cuidam da carreira, e vão se afastando de dar às coisas uma pegada mais profissional. Aí é um ciclo vicioso”, explica. Ele revela ainda que viu muito amigo cair neste ciclo. E começam os argumentos como “isso não é pra mim, só vira se for banda marketeira, só vira se for banda que tem empresário, por isso dá certo”. Ou ainda “tem muita grana, tem padrinho, conhece não sei quem da Globo”. Ou seja: o sucesso passa a ser demoníaco.

Sabe a coisa dos “vendidos”? Do “traidor do movimento”, que se não passa a vida tocando numa garagem, vira um monstro? Pois é. O João Gordo sabe bem, porque ouviu isso muitas vezes ao longo da vida toda. “Eu seria vendido se trabalhasse oito horas por dia e estivesse numa folha de pagamento”, disse em entrevista a este que vos escreve o vocalista do Dead Fish, Rodrigo Lima, para o finado portal AOL. Já a Pitty, também batendo um papo comigo na mesma época, foi mais fundo ainda na crítica: “Quando vejo uma banda dando certo, se dando bem, fico mais é feliz. É uma oportunidade de mostrar seu trabalho. O que uma banda quer, meu Deus do céu? Não é lançar discos? Não é tocar para um monte de gente que se amarra no seu som? Qual é o problema de se associar a um selo ou gravadora de maneira honesta?”.

O Kiko ainda bate na tecla de que chegar a uma grande gravadora, se é que isso é realmente o objetivo de um artista/banda (porque, às vezes, ele/ela pode querer ser apenas independente pelo resto da vida e TÁ TUDO BEM COM ISSO), é um processo que leva um baita tempo. É preciso comer muita grama antes, já que casos em que um grande selo corre atrás de você por conta de seus belos olhos azuis são raríssimos. “Quase nunca é assim, você tem que ser um talento acima do normal, um Neymar, um Messi, pra achar que vira deste jeito. Só pela música, as pessoas choverem no seu gramado, ligarem, irem bater na sua porta”. E ainda completa: “Meu lance é ajudar o cara a entender como ele vai viver de música. Não é o cara tocar em estádio, ser o Bono Vox. Se for, melhor ainda. Mas é dar um caminho pro cara entender o que ele pode fazer com o talento e com o conhecimento dele e viver daquilo que ele mais gosta de fazer”.

O professor ainda nos convida a ver uma entrevista da Anitta sobre o assunto, durante a edição 2016 do Midem, encontro anual da indústria da música em Cannes. “Ela mostrou que sabe do que tá falando, sobre music business. A gente tá falando da Anitta, uma artista para quem talvez muita gente do meu meio, do rock, nem desse o devido respeito”, diz.

A gente aqui do JUDÃO adora a Anitta, Kiko. Portanto, nem precisa pedir duas vezes: num painel da Warner Music, ela é tratada como “a grande sensação da música pop brasileira” e, quando questionada por que diabos decidiu cuidar de sua própria carreira pessoalmente, encerrando a parceria com sua antiga empresária, a cantora é categórica. “Agora eu faço as coisas do meu jeito, no meu tempo, com mais calma e paciência”, explica. “Eu planejo tudo, a estratégia de lançamento dos vídeos, meu relacionamento com as marcas, tudo pessoalmente. Sou eu que falo com os advogados, com as agências de social media, de assessoria de imprensa. Eu participo das reuniões sempre. É difícil, mas é a garantia de que tudo vai sair do jeito que eu imaginei. No fim, sou eu que digo sim ou não”.

Basicamente, uma artista mainstream com cabeça de independente. Ou, pelo menos, como deveria ser a cabeça de um independente. E vamos combinar que vale não só pra música, mas também para outros espectros da cultura pop, né? ;)