Como uma pequena parcela da população que votava mais e acreditava na democracia cresceu e passou a acreditar em Terra Plana, que vacinas causam autismo e autoritarismo como solução pra tudo?
Não é como se a gente pudesse negar que a Internet resolveu problemas de muita gente. Não precisamos mais usar o telefone, podemos arranjar beijos na boca e sexo em geral de maneira muito mais simples, não precisamos sair de casa pra essencialmente NADA e por aí vai.
O único problema é que justamente a solução desses problemas acabou causando alguns outros, muito mais complicados e assustadores, como o vídeo The Internet Was A Mistake, do provavelmente o canal sobre cultura pop mais interessante do YouTube, o Wisecrack, mostra, nesse que é o piloto de uma série que eu gostaria muito que se tornasse realidade.
Começamos em 1992, quando num debate presidencial dos EUA, um dos candidatos propõe o uso de tecnologia pra “quebrar barreiras entre quem toma decisões e eleitores”. A ideia não era necessariamente usar a internet, que tinha pouquíssimo tempo de vida na época, mas sim usar, por exemplo, a TV pra dizer coisas que você concordava ou não sobre os políticos que você elegeu.
Cinco anos depois, as coisas pareciam estar indo muito bem. 8.5% da população estava conectada de alguma forma, e essa galera votava mais (lembre-se que nos EUA o voto não é obrigatório), acreditavam mais na democracia, conheciam coisas básicas sobre o mundo que os cercava... Até que, em 2010, rolou a Primavera Árabe e, pelo menos no Egito, a revolução só começou DE FATO quando o governo desligou a internet (inclusive telefones celulares).
Quem tava cagando pro que tava acontecendo ficou PUTO, forçou as pessoas a conversarem mais diretamente com as outras e, o principal, decentralizou a rebelião — algo que, de uma maneira um pouco distante, podemos comparar com o movimento #EleNão, que surgiu a partir de uma necessidade e não uma história que todo mundo viu na internet e achou que seria divertido participar, como em 2013.
E aí surgem os questionamentos: e se a exposição à tanta informação não nos faz LUTAR contra injustiças e a favor de um mundo melhor, mas sim nos faz achar ok o status quo? E se a galera, literalmente, passou a preferir assistir a um mundo melhor na TV, cinema ou YouTube, ao invés de ir atrás pra poder vivê-lo?
Nós sentimos isso todos os dias, nós passamos por isso todos os dias — seja esse “nós” o JUDAO.com.br, ou eu e você, pessoas físicas. Num sistema que “se preocupa com a escala, não qualidade, não integridade”, é muito mais fácil se isolar em suas bolhas, câmaras de eco e não pensar criticamente, simplesmente dando RT, compartilhando ou curtindo o que todo mundo já fez, porque é literalmente isso que o algoritmo quer que você faça.
Como diz o vídeo, é nessas que absurdos como Terra Plana, Anti-Vacinação, Nazismo de Esquerda, Urna Eletrônica mais fraudável que Cédula de Papel, Cabo Daciolo e as tais ~fake news (como eu odeio esse termo, putaquelamerda) se espalham — o que, aliás, é muito pior do que simplesmente inventar esses absurdos.
Se Bolssonazi “surgiu” no CQC, foi nesses isolamentos online que ele se espalhou e ganhou força.
Outubro começou com uma das semanas mais importantes da nossa história — como país e, eu tenho certeza disso, como pessoas, já que a esmagadora maioria dos leitores do JUDAO.com.br não tem idade suficiente pra lembrar dos anos de ditadura ou movimentos como a Constituinte de 1988 e Diretas Já.
Mas talvez fosse o caso de usar a internet pro que ela se propôs lá no início e ir atrás de todas essas informações, ler sobre e, principalmente, pensar criticamente. Sabe quando a gente vem aqui e escreve sobre um filme, uma série? Não queremos dizer o que você deve ou não assistir, mas sim oferecer argumentos para que você enxergue essas obras de outras maneiras, de outros pontos de vista.
Claro, somos ridiculamente xingados, pessoalmente inclusive, por esse tipo de coisa — que nos fez abandonar o Facebook de uma vez por todas, por exemplo. Mas continuamos acreditando que é só assim que se constroi uma sociedade mais justa. Da nossa parte, especificamente, acreditamos que a cultura pop é um ponto importante nessa história.
Mas existem muitos outros pontos de partida. Vá atrás. Não é como se você não tivesse acesso a isso tudo, né? ;)